Foi ontem. De conversa com
uma senhora brasileira que trabalha num café que passei a frequentar, falei-lhe
de um bolo de que gosto muito: Garibaldi.
Franziu a testa, dizendo que não conhecia tal bolo, mas que
o nome não lhe era estranho. Claro que não lhe era estranho, já que Garibaldi,
para além de italiano e herói na Itália, foi também um herói no Brasil.
Falámos de guerras no Brasil e falei-lhe de uma revolta
popular – a Guerra dos Canudos – que ela desconhecia por completo. Tratou-se
uma uma revolta popular estado da Bahia, liderada por António Conselheiro,
mesmo no final do séc. XIX.
Os revoltosos, que reclamavam pelo uso das terras
abandonadas, foram várias vezes atacados pelo exército nacional e só um assalto
muito em força os venceu. Fala-se de muitos milhares de mortos, em combate ou
já prisioneiros, homens mulheres e crianças. Incluindo o seu líder.
Sei deste episódio por uma fotografia.
António Conselheiro foi desenterrado duas semanas depois de
sepultado para que fosse fotografado por um fotógrafo do exército e mostrado à
população brasileira para tivessem a certeza de que estava morto e a revolta
acabada.
Só me recordei dos nomes uma hora depois da conversa. Memorizei-os
para lho contar no café.
Hoje, ao tentar organizar os meus livros tropeço num: “Para
entender la fotografia” de John Berger, sendo a minha versão a publicada pela
editora Gustavo Gili. Apesar de estar bem misturado com os demais, fazia parte
da “pilha para ler” e decidi que era ocasião de lhe pegar.
Trata-se de um conjunto de ensaios ou reflexões sobre
fotografia e o seu autor é um dos meus favoritos.
O primeiro ensaio é sobre a última fotografia de Che
Guevara, já morto e estendido numa mesa no instituto de medicina legal
boliviano.
Também esta fotografia foi usada pelas autoridades
sul-americanas, que não apenas as bolivianas, com o intuito de pôr em prática o
adágio “Morto o bicho, morta a peçonha”.
Não será, certamente, a mais famosa dele. Que os mitos, as
filosofias e o marketing se encarregaram de o imortalizar com outra. Bem mais
agradável, diga-se de passagem.
Esta coincidência de, em menos de 24 horas, lidar com duas
fotografias post morten oficiais e com intuitos de propaganda, recordou-me de
algumas outras equivalentes.
A comuna de Paris, em 1871, foi uma revolta popular na
cidade de Paris. O exército governamental terminou-a com um verdadeiro banho de
sangue. Em combate e com as execuções posteriores dos comunnards capturados.
Eugéne Disdéri fotografou os seus corpos nos caixões, em
grupos de dez ou doze. Mais que “reportagem”, incipente na época, foram
fotografias documentais que as forças do regime usaram depois para difundir
pela França mostrando o que acontecia a quem se revoltasse contra o poder
oficial.
.
Se o fotógrafo é o taxidermista do tempo, como disse o
mestre, a fotografia também pode ser usada, ao perpectuar a morte, como uma
ameaça ou um fantasma para assombrar os que se atrevem a pensar ou agir fora da
caixa, pondo em causa os poderosos ou os poderes instituídos.
.
Nota adicional – As fotografias acima descritas, além de
constarem na minha biblioteca, encontram-se mais ou menos com facilidade na
web. É só procurar.
Pentax K1
mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5
By me
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