domingo, 15 de janeiro de 2023

Uma longa diatribe em torno de um objecto

 


 

Desde há muito que afirmo que a luz é a minha matéria-prima e a perspectiva a minha ferramenta.

Por isso, gosto de usar diversas objectivas, com diversos ângulos, escolhidas em função da perspectiva que quero ou sinto adequada à situação. De igual forma, gosto de usar diversas formas de medir ou aquilatar a luz que, para além da quantidade, haverá que avaliar da qualidade e dos contrastes que dela resultam. Manias!

Nestes meus gostos incluo os equipamentos que já foram usados, hoje obsoletos na versão de alguns. Gosto de ver e usar (se estiverem em condições disso) aquilo que os fotógrafos de antigamente usavam no fazer os seus trabalhos. Com todo um conjunto de saberes e palpites que os automatismos de hoje incorporam ou ignoram.

É assim que tenho vindo a juntar algumas peças antigas. Objectivas ou medidores de luz. Encontradas em bancas de rua ou lojas de velharias, sempre a bom preço que não tenho meios para uma coleção. Apenas para um ajuntamento.

Ontem encontrei mais uma peça, bem incomum por sinal. Esta.

Numa banca de rua que não contava encontrar, o vendedor disse-me que não sabia o que era, que aparentava estar avariada e pediu-me 3 euros por ela. Não discuti. Se fosse lanchar naquela zona pagaria isso ou mais.

Trata-se de um medidor de luz. Com um formato e modo de funcionamento que desconhecia. Mas é uma peça rara.

Com data de fabrico de cerca de 1938, utiliza um célula de selénio que, muito naturalmente, já está morta. Como nota técnica acrescento que os medidores de luz de selénio, agora em desuso, são fotogeradores: geram energia elétrica perante a luz. Não usam pilha, ao contrário dos de silício, e é a corrente gerada que é medida. Claro que estas células têm um tempo de vida limitado, que depende da data de fabrico e do tempo em que estiveram expostas à luz a gerar energia. Como disse, esta está morta.

Mas a raridade desta peça não se fica por aqui. Possui uma lente, retractil, para conduzir a luz reflectida do assunto para a célula e, assim, bem definir o ângulo de medição. Admito que nunca tinha visto nenhum aparelho de medição de luz reflectida de selénio com este processo.

Indo mais longe na sua raridade, tem uma etiqueta, de origem, em português. Convenhamos que, à época, tal não seria comum, considerando os não muitos possuidores de equipamento em portugal.

Mas mais: a etiqueta avisa que o aparelho tem escala adicional para ser usado com as objectivas Leica, que usavam escalas de diafragma próprias.  Recordo que, à época, as escalas de diafragma tal como as sensibilidades da película, não estavam padronizadas. Havia escalas e valores por país ou fabricante: USA, Reino Unido, Alemanha, Russia... Escalas aritméticas ou geométricas, com valores iniciais distintos porque calibrados com parâmetros diferentes. O que obrigava a que quem fotografava soubesse mesmo o que estava a fazer e não que apenas confiasse em automatismos então inexistentes.

Mas este aparelho tem um detalhe ainda mais curioso: um extintómetro.

É isto uma forma de aquilatar da quantidade de luz dependente da experiência do utilizador e usando um processo de escurecimento gradual, constatável através de um orifício pelo qual se observava o assunto a fotografar. Este aparelho, não tendo uma célula muito sensível, permitia desta forma que o utilizador pudesse calcular a exposição a fazer mesmo em baixas luzes e quando a célula não respondesse. Eram espertos, os alemães!

Este exposímetro, a hoje chamamos genérica e erradamente de fotómetro, está morto. A célula não responde e tem peças mecânicas soltas. Mas irá juntar-se aos demais que possuo. Que já não cabem todos na caixa que para tal arranjei. Mas de quando em vez, como faço com os demais, irei buscá-lo com a cautela que merece e farei de conta que está vivo. Que os objectos, tal como as pessoas, só estão mesmo mortas quando delas já não houver memória.


By me

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