segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O centro do mundo


Entraram no comboio em Entre-Campos. Seriam pouco mais que uma dezena, variando entre os 8/9 anos e os 15/16 anos, acompanhadas por uma senhora, já na casa dos quarentas e muitos.
Um grupo perfeitamente heterogéneo, tanto nas idades como nos aspectos, que os seus vestuários divergiam em muito.
Uma delas, das mais velhinhas, chamou-me a atenção, não apenas pelo que trazia vestido – um poncho azul tricotado de lã – como pelo seu aspecto meio perdido no grupo e no local. Olhava em redor como se tudo fosse novo, com um ar alheado de quem não está a entender muito bem o que lhe está a acontecer.
As mais velhas iam tomando conta das restantes, no distribuir dos lugares, nos comportamentos, nos volumes de som. Independentemente da roupa ou do tipo de saco ou mochila que traziam.
Não poderia deixar de olhar, tanto mais que duas das caras eram-me estranhamente conhecidas. Não sabia de onde nem de quando, mas conhecia-as. Uma das mais velhas, outra das intermédias. E era tanto mais estranho quanto a adulta que as acompanhava me era por completo desconhecida.
A dado passo, por entre os pedaços de conversa que ia ouvindo, percebi onde iam: ao circo. Dezembro é quase obrigatório levar as crianças ou adolescentes ao circo e ao espectáculo degradante dos animais amestrados.
Mas foi ai mesmo, nesse ponto da conversa que me recordei de onde as conhecia: do Jardim da Estrela. Fora do contexto seria difícil percebe-lo.
Mas recordei, quase que como da véspera, o episódio com mais de um ano onde com parte delas havia travado conhecimento: Tinham querido fazer uma fotografia, tinha eu referido a necessidade da autorização de um adulto e, para tal, foram chamar a monitora, que não autorizou a publicação da imagem. Tratava-se de crianças institucionalizadas, algumas à revelia dos familiares, e havia que manter o anonimato e/ou discrição de quem eram e onde estavam.
Desse dia em diante, continuei a vê-las por lá, em regra ao fim-de-semana, as mais velhas tomando conta das mais novas. Nas suas brincadeiras habituais da idade, correndo, jogando, skateando ou patinando.
Mas, talvez por saber o que sei a seu respeito, ou porque seja mesmo constatável a olho nú, a verdade é que os seus risos e gargalhadas não são iguais aos das restantes crianças que por lá vou vendo.
Tal como não o eram neste comboio, em que iam ao circo, como manda a tradição do Natal.

Como seria de esperar, não ponho aqui as suas fotografias. Face à sua condição e devido ao local.
Em alternativa, deixo-vos uma pouco do dito jardim, desta feita engalanado para as festividades que se aproximam. Afinal, seja qual for a condição que vivamos, um coreto é sempre local de festa. E, dependendo de como virmos as coisas, pode até ser o centro do mundo!


Texto e imagem: by me

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