segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

"Um olhar"




Durante anos, e já lá vão anos, tive este projecto. Que, como qualquer projecto, teve um princípio, um meio e um fim.

Chamei-lhe “Um olhar” e tratava-se de fotografar gente e apenas os seus olhos.

Tendo começado por pessoas conhecidas, cedo esgotei esse manancial e tive que abordar desconhecidos.

Aqui a coisa ficou mais complicada: que uma coisa é pedir para fazer um retrato ou uma fotografia, outra coisa é pedir para fotografar os olhos. Houve sempre que dar explicações, que quase sempre passaram por um pouco de lisonja. E houve sempre que usar de uma perspectiva particularmente próxima, para conseguir só os olhos e não todo o rosto. Que muitos e muitas não queriam o registo deste.

Várias coisas sairam com graça desta série de fotografias.

Por um lado, e em não havendo maquiagem ou óculos, na maioria dos casos é difícil dizer se se trata de homem ou mulher. A idade percebe-se pelas rugas, agora o género...

Por outro lado, as circunstâncias em que a fotografia era feita. Desde logo a questão da luz: uma luz contrastada, com o sol a descoberto e directo no rosto, provoca sombras que entendia por “feias” e que evitava. O que levava a ter que orientar o modelo nesse sentido, o que nem sempre foi fácil.

Por outro ainda, e se a luz não era forte, a profundidade de campo. A proximidade com que as imagens foram feitas fazia com que qualquer alteração de distância, por pequena que fosse, fizesse sair de foco as pupilas ou as pilosidades. Donde, usar um diafragma razoavelmente fechado. Mas manter um tempo de exposição suficientemente curto para garantir a nitidez. E sem acrescentar grão com o aumento da sensibilidade. Com o acréscimo de, sendo um pedido invulgar, feito por um desconhecido, não haver muitas oportunidades para repetir o “boneco”. Foram muitas as que descartei mais tarde, por não estarem tecnicamente aceitáveis.

O que acaba por ser quase hilariante ao ver esta série hoje, é que é isto que vemos das pessoas, devido à pandemia e ao uso de máscara.

E o uso de máscara faz com que dois desconhecidos, ao serem apresentados, tenham que imaginar o resto do rosto. O que, em certas circunstâncias, pode ser incómodo ou incorrecto.

Todas as fotografias terminavam com um pedido adicional: o nome. E, acrescentava eu, a minha câmara é mal-educada e dá números às pessoas. E as pessoas não são números. E finalizava, já com o caderninho na mão para a anotação, que usaria o nome que me dessem, verdadeiro ou não.

Alguns eram verídicos, percebia-se pela facilidade com que o diziam. Outros fictícios e também era notório o facto. Outros ainda fantasiosos ou divertidos.

Neste caso, o nome que me foi dado foi “Manta”, vá-se lá saber porquê.


By me

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