segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Equilíbrios e a falta deles




Por dois motivos não gostei do resultado eleitoral de ontem. E não antevejo um futuro risonho para os portugueses.

Por um lado, uma maioria absoluta é sempre perigosa. Significa que apenas uma tendência ou linha de pensamento decide e age, não sendo forçada a considerar as demais. É o perigo da democracia, pior ainda quando se trata de democracia representativa e não participativa.

Seja qual for o partido ou filosofia em causa.

Uma maioria relativa, obrigando a acordos e negociações, leva a que mais eleitores se sintam representados nas decisões.

Esta opinião não é apenas resultado de pensamentos ou cogitações minhas, mas também da observação da História. Portuguesa ou outra.

Por outro lado, não me agrada saber a extrema direita desta forma representada no parlamento. Mesmo que o número de deputados não seja significativo para a gestão do país.

E se isto significa uma grande quantidade de concidadãos a pensarem de um modo diametralmente oposto ao meu – terei que viver com isso já que sou defensor da liberdade e da democracia – assusta-me pensar que muitos poderão sentir-se legitimados pela representação parlamentar para terem comportamentos sociais desviantes. Na família, no trabalho, no desporto, no lazer... Os arruaceiros, misóginos, racistas e xenófobos sentir-se-ão de pulso livre para agirem como tal.

Uma vez mais, este pensamento não será original mas também fruto da observação do que tem acontecido em diversos países nos últimos tempos. Em todos os continentes.

Desconfio da tranquilidade do futuro. Em termos de gestão da coisa pública, em termos de legislação e em termos de comportamentos individuais ou de pequenos grupos.

Digo eu, que me entendo como acrata!



By me

Relatividades




Nem tudo o que é bonito é suave.

Nem tudo o que é espinhoso é feio.

Antevisão do futuro português.



By me

domingo, 30 de janeiro de 2022

Um recado




Bem mais que meio século de vida.

Com uma perna parcialmente amputada, a prótese magoa.

Não tem viatura própria e os passeios da zona onde vive são dos antigos de Lisboa, irregulares e escorregadios.

Para aceder à sua assembleia de voto tem que descer uma colina e subir outra.

Apesar disso, não falta ao acto eleitoral.

 

Foi você que ficou em casa ou foi ao centro comercial?


By me

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Um recado




A questão da democracia é complicada. A diversos níveis.

Se, por um lado, a gestão da coisa pública deve ser feita pelo povo ou seus representantes, é necessário que o povo participe. Senão nas decisões das coisas correntes (e bom seria que o fizesse ou pudesse fazer), pelo menos na escolha consciente de quem o fará.

Para isto, quem se candidata a ser representante tenta fazer passar a mensagem dos seus ideais e projectos, para que a escolha, ou voto, seja “bem” feita.

Comícios, comunicação social, arruadas, redes sociais, mailing directo, panfletos... tudo vale durante a campanha. Até algumas coisas bem menos simpáticas.

Uma das que não gosto é o uso de megafones para publicitar os candidatos ou ideias. Se estiver em andamento ainda escapa. Agora parados num local bem escolhido, de passagem dos cidadãos, é uma agressão a quem por ali estiver que estar.

É que os panfletos aceitam-se ou não. Aos comícios vai-se ou não. Os cartazes olham-se ou não. Agora dos sons não há como escapar, entrando-nos pelos ouvidos queiramos ou não. E quando se tornam repetitívos, nas palavras e nas músicas, acabam por se transformar em algo incómodo, dando quase vontade de ali ir e arrancar os fios.

Eu sei que é legal, que é uma forma de propagandear ideias e de convencer alguns mais indecisos. Mas dificilmente se justifica a agressão auditiva da qual não podemos fugir. Concorde-se ou não com as mensagens difundidas.

 

Aos partidos que usam este meio de campanha:

Por favor dêem uso aos automóveis e ponham-nos a circular, evitando massacrar quem disso não pode fugir.


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domingo, 23 de janeiro de 2022

Somos




Velhos tijolos, numa solarenga e fria tarde de Janeiro.

Velhos pensamentos, bamboleando entre o que foi, o que é e o que será.

Somos aquela estreita faixa de penumbra que separa isto daquilo.

Somos quase nada e o somatório de tudo.


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sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Seria obsceno fotografar




Merda! É a única palavra que me vem à cabeça. Merda!

 

Pediu-me para uma sopa e fomos por ela. E disse-lhe que pedisse o que quisesse, já que não sabia se naquele snack de estação e àquela hora ainda haveria sopa. Já não e olhou-me, perguntado, se poderia ser um salgado e um sumo.

Disse-me depois, já no cais e enquanto esperávamos pelo comboio, que queria mesmo era uns trocos para poder pagar o quarto. Há três noites que estava a dormir num vão e não sabia se ainda lá estaria a roupa.

O que lhe faltava era menos ainda que o que eu havia recebido de troco, ao balcão. Dei-lho.

Olhou para mim, bem nos olhos pela primeira vez, e disse-me:

“Sabes? Isto hoje não é para mais nada. É mesmo só para o quarto. Estou tão cansada!”

“Não te perguntei nada, pois não? E ainda não me deste motivos para que não acreditasse em ti, pois não?”

Sorriu ainda mais.

E ficámos mais um nico à conversa, sobre a sua família lá na terra, os seus filhos e as idades, as reacções do pai e da mãe quando lá vai…

A dado passo, e antes de subirmos para a composição, mete a mão no bolso do casaco coçado e diz-me:

“Olha! Já vi que fumas. Não queres ficar com este maço? Está quase cheio. Deram-mo hoje.”

Mostrei-lhe os meus e disse-lhe que preferia fazê-los eu, obrigado.

 

Merda! Poucas vezes me ofereceram algo de tão valioso. Merda!

 

Quando, uns vinte minutos depois, se levantou do seu banco para sair na estação dela, debruçou-se e deu-me dois chochos, dizendo baixinho:

“Vemo-nos por aí.”

Dei-lhe uma palmadinha no ombro e só me ocorreu dizer-lhe de resposta, também baixinho:

“Porta-te bem!”

Ficou no ar o seu sorriso, triste, e o seu odor.

Talvez que por isso ninguém tivesse ocupado o seu lugar no banco, não sei.

E talvez que nos vejamos por aí.

 

Nota: este episódio aconteceu e foi escrito numa fria noite de janeiro, há sete anos.

Fui-a vendo por aí, com umas trocas de sorrisos e algumas palavras, bem como alguns pedidos de moedas. Naquela estação ou nos corredores de comboio.

O intervalo entre cada encontro foi aumentando até que a deixei de ver de todo. Há anos que a não vejo. Espero, sem muita convicção, que se tenha portado bem. 



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quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Garfos e bolos




É uma certeza com validade de 99%:

As pastelarias que apresentam aos clientes garfos destes, quase em desuso, têm uma qualidade superior nos bolos e pasteis que vendem e/ou fabricam.

Não faço uma verificação prévia desta observação, mas sempre que vejo surgir um garfo assim começo a salivar, mesmo antes de ver o bolo.

Creio que o motivo passa pelo facto de que quem se preocupa em ter para apresentar este tipo de talheres preocupou-se antes, e muito, com a qualidade dos produtos que tem.



Deixo ao vosso cuidado o confirmar ou contestar tal regra.


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terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Com F ou com Ph



 

Primeiro

A coisa começou há muitos anos! Éramos – e eu os compinchas de várias andanças, incluindo a procura de perguntas e respostas – razoavelmente novos.

O caminho que então percorríamos juntos passava também pela fotografia. Partilhávamos os equipamentos, as técnicas, as estéticas, os conhecimentos e descobertas que íamos fazendo. E, não sendo nenhum de nós génios, procurávamos também os livros e revistas onde pudéssemos ir beber em mestres o suficiente para os nossos passos.

Estávamos na década, melhor, no decénio de 70, inícios do de 80 e por cá, Portugal, pouca leitura havia em português sobre a matéria. Livros apenas alguns mais antigos, ao estilo de almanaques, e revistas só aquelas efémeras, cuja qualidade e pouca procura faziam morrer pouco depois de nascer.

A solução era, inexoravelmente, recorrer ao que vinha de fora, do Reino Unido, dos EUA, de França. Cada uma destas origens, então como agora, tinha abordagens diferentes às técnicas e estéticas e às soluções. E o hábito de ler, apreciar e mesmo falar ia-se atendo às línguas que praticávamos fotograficamente.

Claro que também contava, face à juventude que tínhamos, o prazer de usar um código semi-hermético aos circundantes, aqueles que não bebiam onde nós nos alimentávamos: o prazer de fazer imagens.

E criou-se a brincadeira, petulante é certo, de dizer que por cá se fazia “Fotografia” e que lá por fora se praticava “Photographia”.

Com o passar dos tempos e as variações de rumos das vidas de cada um, tudo isto se transformou ou diluiu. A literatura e os periódicos em língua portuguesa foram aparecendo, algumas por nós mesmos produzidas, muitas vindas de além-mar. E deixamos de parte a necessidade juvenil da afirmação por códigos e mistérios.

Mas a sensação da diferença entre “Fotografia” e “Photographia” ficou. Já não agarrada à tradicional maledicência sobre tudo o que é português, mas antes para marcar alguma diferença no tipo de imagens produzidas, onde quer que fosse. Diferença esta que não está nas técnicas, nas estéticas ou nas temáticas. Constata-se em cada uma delas e no seu conjunto mas não reside aí.

Está, antes sim, na forma de pensar e de fazer fotografia.

 

Segundo

A representação pictórica, ou iconográfica, existe desde antes da escrita, com esta tem co-existido e, pela certa, a ela sobreviverá. Porque os códigos alfabéticos, fonéticos, ideográficos ou binários mudam com as civilizações e tecnologias, o que não sucede com o uso das belas-artes. Poderão estas mudar de estilos ou de interpretações, mas perduram.

O comum do ser humano, gregário que é mas igualmente desejoso de marcar a diferença na sociedade em que se insere, procura igualar ou suplantar aqueles que admira e a quem atribui qualidades superiores. Entre outros, os que bem se expressam, seja qual for a arte em causa. E a pintura e representação gráfica é uma delas. Mas ela não é tão simples como parece, já que, além do domínio das técnicas, implica um certo “fogo interior” que na maioria está apagado. Para já não falar na morosidade do processo.

Ao invés, a fotografia é quase imediata, por comparação. E é-o tanto mais quanto as técnicas usadas evoluem. Técnicas estas que, com um domínio não muito aprofundado, permitem obter resultados satisfatórios, não apenas perante a sensibilidade de quem as produz como a aceitação de quem as vê. E os automatismos contemporâneos ainda reforçam este facilitismo no fazer da fotografia.

Se a isto juntarmos o consumismo desenfreado que vamos vivendo e a necessidade de afirmação social mais pela posse de bens que pelo resultado daquilo que se é e se pensa, temos que meio mundo possui e utiliza câmaras fotográficas. E que o outro meio anseia por o ter e fazer.

Mas esta fotografia é feita a correr, oriunda em impulsos de momento, quase que por obrigação. As questões estéticas são ignoradas, dos factores de comunicação nem se desconfia, e com a mesma velocidade com que dispara o obturador, também o seu resultado é esquecido. Tão ou mais grave que isso, a fotografia contemporânea padece da efemeridade, já que o seu apagar ou destruir resulta do uso de uma ou duas teclas na sequencia de sistemas de armazenamento cheios. A mesma ausência de pensar no acto fotográfico conduz a uma ausência de importância no seu resultado. Conservar ou não uma fotografia é uma questão de apetite momentâneo. E já não se usam pastas de arquivo cuidadosamente arrumadas, caixas de sapatos empilhadas ou gavetas repletas de papéis mono ou poli-coloridos que, volte e meia eram remexidos e supostamente organizados.

Some-se a esta pouca importância dada ao pensar a fotografia o seu actual custo zero. Fazer uma fotografia ou dez consecutivas tem o mesmo preço e dá o mesmo trabalho em obter. Que o “rolo” já não chega ao fim e as memórias dos cartões são cada vez maiores.

Nos tempos que correm, a velha frase publicitária “Para mais tarde recordar” deixou de fazer sentido, face ao uso e importância que é dada à fotografia.

 

 

Terceiro

Alguns há, no entanto, que assim não procedem.

Ao olharem pelo visor da câmara, ou ainda antes disso, o seu objectivo é o registo permanente daquele jogo de luz e sombras, daquela perspectiva, o contar daquela história, o eternizar daquele momento. E que, em tendo oportunidade para tal, procuram melhorar as suas capacidades de o fazerem, tanto pela prática como pelo estudo de quem o faz ou fez ainda melhor. Em que a afirmação pela fotografia não passa pela competição com os restantes com base no resultado ou na exibição da factura do seu equipamento mas antes consigo mesmo e com o resultado obtido a cada imagem produzida.

E que sabem que esse processo começa com o olhar o assunto e termina com olhar sobre o produto acabado, sendo que tudo o resto que medeia entre um e outro são meras técnicas, mais ou menos dominadas. Na tomada de vista e na selecção e tratamento posterior.

Que sabem e praticam que uma fotografia é o resultado de um processo mental materializado pela técnica. E que é mais naquele que se preocupam que nesta.

Ao resultado dos trabalhos destes, chamo eu (e mais uns quantos não tão poucos quanto isso) “Photographia”. Para o trabalho dos demais fica o termo genérico de “Fotografia”. Alguns há, ainda, que diferenciam com o uso de maiúsculas e minúsculas, mas o significado é o mesmo.

Nenhum dos dois termos tem mais valor que o outro ou algum deles tem uma carga negativa. Porque, na vida, o que importa é a obtenção da felicidade naquilo que fazemos e nenhum método é universal ou único.

Mas porque não são iguais nem nos processos de obtenção nem nos resultados materiais, identifiquem-se umas e outras imagens e fotografias.

Até porque entre imagens fotográficas e fotografias (com “F” ou com “Ph”) também há diferenças. Mas isso são outros contos!

 

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domingo, 16 de janeiro de 2022

Idiotas




Quando, num futuro distante, os historiadores estudarem os nossos tempos, acharão que somos uns idiotas chapados.
Muitas e variadas guerras, fome por todo o lado, doenças descontroladas, destruindo o planeta a todo o vapor…
E, no entanto, em quase todas as fotografias individuais ou de grupo as pessoas fazem questão de estarem a rir ou sorrir.

A questão é: riem-se de quê? Se é do mundo em que vivem, são perfeitos idiotas.   


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sábado, 15 de janeiro de 2022

Fotografia e género




Não adianta muito estarmos com ilusões: a Fotografia é um mundo de homens!

Dito isto, e antes que me atirem as óbvias pedras de escandalizados, deixem-me explicar.

Por mais voltas que possamos dar, a verdade é que a grande maioria dos fotógrafos conhecidos são homens. Desde o início da prática da fotografia.

E se, nos primórdios, se poderia argumentar que as artes e as técnicas eram coisas masculinas e que só algumas mulheres conseguiam singrar e a muito custo, nos tempos que correm já não se pode dizer o mesmo.

O papel da mulher no mundo do trabalho e das artes já não é tão segregado e as oportunidades são quase (quase) iguais.

Mas a verdade é que, se dermos uma olhada com olhos de ver, constatamos que, ainda assim, os nomes de gente ligada à fotografia continuam a ser primordialmente masculinos. No jornalismo, na moda, nos desportos, nos eventos, na arquitectura… Quem procurar vai encontrar uma notória desproporção entre eles e elas.

E não é, estou certo, por falta de qualidades por parte das mulheres!

Mas se olharmos para os trabalhos das mulheres fotógrafas podemos concluir o mesmo. Mais ou menos.

Grande parte das imagens feitas por mulheres que contenham seres humanos é de mulheres ou crianças.

Poderíamos imaginar que os homens se sentem mais atraídos por mulheres para as fotografarem. O eros, a fantasia, o mercado, os afectos… Tudo isto poderia e pode justificar que os homens fotografem mulheres.

Mas ver que a maioria das mulheres fotografa mulheres e não homens deita por terra quase todos os argumentos acima enunciados. Que a atracção pelo sexo oposto, quer pela sensualidade, quer pela vivência do quotidiano, faria com que fosse o oposto.

E o argumento da beleza das formas também não colhe. Que o masculino é tão belo quanto o feminino, quando tratado com igual cuidado.

Tenho algumas explicações para isso. Adaptadas do que acontece com a pintura e bem explicada por John Berger:

Quem consome fotografia é maioritariamente masculino.

São os homens que encomendam os trabalhos, são os homens que os pagam, são os homens que compram as publicações. E se quem paga prefere um determinado produto, quem produz tenta satisfazer o mercado.

Claro que poderíamos aqui introduzir toda uma lista de discussões sobre se a mulher gosta mais ou menos de se exibir ou ser fotografada que o homem. Ou se é mais fácil convencer um homem ou uma mulher a ser fotografada. E os motivos que levam a existirem mais mulheres que homens como modelos de moda. Ou os motivos que conduzem a que nas linhas de partida ou nos pódios de desportos motorizados estarem mulheres a saudarem os vencedores e não homens.

É todo um mundo de argumentos e temas sobre a forma como os Humanos enquadram o masculino e o feminino.

Mas é garantido que há mais homens que mulheres a fotografar e a serem reconhecidos neste mister. E que as mulheres, tal como os homens, preferem as mulheres para fotografar.


Depois de tudo isto dito, depois de pesquisarem um pouco para contestar ou concordar comigo, podereis atirar-me pedras se o entenderem.


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sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Contestação




Num fórum a que pertenço, li que

“A arte é uma impossibilidade, uma coisa inútil. Que alguém me diga como através de alguma obra de arte conseguiu-se algum objectivo social ou massivo. Que através do "Guernica" de Picasso (uma das obras mais belas do autor) conseguiu-se parar alguma guerra. Ou através de alguma foto se obteve algum tipo de consciencialização de alguma coisa. Fotos são premiadas, obras (pinturas, músicas, obras literárias o que for) são aclamadas, distribuídas e visitadas, porém, nossas sociedades se atem a outro tipo de influências onde a arte está tão longe quanto a bela lua.”

Vou deixar de parte a enorme dificuldade que eu tenho em saber o que é uma “obra de arte”, quanto mais uma “fotografia artística”!
Entendo que a arte, nas suas manifestações efémeras como o canto ou o bailado, nas suas manifestações portáteis, como a literatura, a pintura e, porque não, a fotografia, ou nas suas manifestações inamovíveis, como a arquitectura, será o alimento que nos distingue dos demais seres vivos.
Não será um quadro, uma balada ou um palácio que matará a fome de quem está a morrer dela. Muito provavelmente, todo o investimento pessoal e material na sua criação evitariam essa mesma morte.
Mas quantos são aqueles que, para se expressarem, para criarem, para conceberem e materializarem uma obra de arte, roçam o limiar da morte? Quer seja a “fome física” (veja-se Miró e as suas abstinências quase limite), quer seja a “fome intelectual”, quase raiando ou mesmo ultrapassando o chamado “limiar da sanidade”.
Efectivamente, não será por se ouvir uma sinfonia, ver uma fotografia ou mergulhar num poema que enchemos a barriga, ou curamos uma doença. Mas, garantidamente, ao confrontarmo-nos com uma “obra de arte”, aquele outro aspecto de nós, aquele que não quer saber de comida, de saúde ou de abrigo, se aquece, cresce, alegra e fica feliz.
Mal comparado (ou talvez não tanto) e que me perdoem se ofenderei alguma sensibilidade, a arte poderá comparar-se ao conceito de religião, em que o ir ao templo, o orar, o possuir um ícone, conforta os crentes, aliviando-lhes a alma das maleitas terrenas.
O criar ou admirar uma “obra de arte” tem ou pode ter o mesmo efeito. A paz, o confronto de ideias, a surpresa de quem vê ou o esforço de quem a cria, com as tentativas e erros, os esboços, o tempo de meditação em torno da forma ou do conteúdo, tudo isto de alguma forma conforta a alma, seja qual for o nível de sofrimento físico que se possua.

Dizer que “A arte é uma impossibilidade, uma coisa inútil” será remetermo-nos a um estado meramente animalesco, em que nascemos, crescemos, reproduzimo-nos e morremos. E nada mais!
Na sociedade em que vivemos, com o imediatismo dos media e das velocidades de comunicação e de consumo, a produção e o usufruto da “arte” estão em risco.
Ainda mal acabámos de ver um quadro, ouvir uma voz ou apreciar um filme, já aí está outro que o substitui, que tenta ir mais além e vender mais. E aquele que acabámos de ver já se diluiu confrontado com o novo.
Porque o problema, se o houver, nos tempos que correm no que à criação de “arte” diz respeito, prende-se com o seu valor comercial. Produzir e vender!
Tal como a “fast food”. Comer e defecar. O prazer e a satisfação do palato pouco ou nada contam. Assim é com as “criações artísticas”. Aos consumidores não é dado tempo de as apreciarem, de as deglutirem, de as mastigarem e encherem a “boca da alma” com os seus paladares. Considera-se uma “obra de arte” a que mais zeros tiver no seu preço e mais guardas à sua volta.

Dir-me-ão alguns que os escravos que ergueram o que nos resta da arquitectura ou escultura Grega ou Romana, que os mortos que inspiraram a “Guernica”, que as crianças de dez anos e que pesam 6 quilos nos terceiros mundos deste mundo e os que desfalecem a 50 metros de um hospital por não terem como pagar a conta, nada se importam com a “arte”. Com a “arte” como a conhecemos e aqui a descrevemos. Verdade! Ou talvez não!
Porque esses mesmos, nesse sofrimento que só conhecemos por ouvir falar ou pouco mais, trauteiam uma música, moldam um pedaço de barro ou misturam algumas cores. Procuram, de alguma forma, materializar o seu estado de alma sem saber o que é “arte”, “correntes estéticas” ou “galerias e galeristas”. Procuram, desta forma humilde e nada académica, um escapismo, um exorcismo ao que pensam, sentem e sofrem. É uma forma de fugir ao mero animal que não somos, é o ultrapassar o físico em busca de uma outra satisfação de necessidades.

A isto, poderia eu chamar “uma manifestação artística”, se soubesse o que é arte.

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quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Destralhar




Vou destralhar a secção de fotografia cá de casa.

Aquelas peças já antigas, que pouco uso lhes dou porque arcaicas, algumas repetidas.

Ocupam espaço, estão em boas condições de conservação e o dinheiro faz sempre jeito.

Este é um visor em ângulo recto, de colocar na ocular da câmara. Ajuste dioptrico para o utilizador, apliação de duas vezes, permite trabalhar com a câmara em ângulos baixos, onde a cabeça não chega. Com possibilidade de rotação de 360º, tanto se pode usar com enquadramento horizontal como vertical ou ainda com inversão de câmara. O pentaprisma no seu interior garante a imagem sempre correcta e não invertida como os que usam apenas espelho.

Marca Pentax, o que é uma garantia de qualidade, está em perfeito estado e acompanhado pelo respectivo estojo de origem.

Útil nos tempos que correm, com as DSLR cujo ecrã não é basculante.

E não, não está à venda!

Aliás, não destralho coisa alguma, que cada uma das peças que possuo, mesmo que sem uso nos dias de hoje, fazem parte da minha memória e foram importantes aquando da sua aquisição.

E, volta a meia, mesmo que guardadas algures numa gaveta ou saco esconso, acabam por ser “aquela” peça que, naquele momento, me faz falta para esta ou aquela situação menos comum.

Talvez um dia tenha um armário/vitrine (melhor será pensar em dois) onde todas elas estejam visíveis e me deleite com o lembrar-me delas e voltar a dar-lhe uso. Só porque sim.


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Amor e sexo




Porquê “fazer” e não “tirar” uma fotografia?

Bem, “tirar” implica algum tipo de intrusão, de agressão, de subtracção, de minorar algo ou alguém em favor da nossa fotografia. “Tirar” é, as mais das vezes, algo de muito negativo.

Por seu lado, “fazer” uma fotografia implica uma relação com o assunto fotografado, um acréscimo, um afecto que se demonstra. “Fazer” é, regra geral, algo de muito positivo.

Talvez que a melhor comparação entre o “tirar” e o “fazer” uma fotografia seja a comparação entre praticar sexo e fazer amor.

 

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segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

"Um olhar"




Durante anos, e já lá vão anos, tive este projecto. Que, como qualquer projecto, teve um princípio, um meio e um fim.

Chamei-lhe “Um olhar” e tratava-se de fotografar gente e apenas os seus olhos.

Tendo começado por pessoas conhecidas, cedo esgotei esse manancial e tive que abordar desconhecidos.

Aqui a coisa ficou mais complicada: que uma coisa é pedir para fazer um retrato ou uma fotografia, outra coisa é pedir para fotografar os olhos. Houve sempre que dar explicações, que quase sempre passaram por um pouco de lisonja. E houve sempre que usar de uma perspectiva particularmente próxima, para conseguir só os olhos e não todo o rosto. Que muitos e muitas não queriam o registo deste.

Várias coisas sairam com graça desta série de fotografias.

Por um lado, e em não havendo maquiagem ou óculos, na maioria dos casos é difícil dizer se se trata de homem ou mulher. A idade percebe-se pelas rugas, agora o género...

Por outro lado, as circunstâncias em que a fotografia era feita. Desde logo a questão da luz: uma luz contrastada, com o sol a descoberto e directo no rosto, provoca sombras que entendia por “feias” e que evitava. O que levava a ter que orientar o modelo nesse sentido, o que nem sempre foi fácil.

Por outro ainda, e se a luz não era forte, a profundidade de campo. A proximidade com que as imagens foram feitas fazia com que qualquer alteração de distância, por pequena que fosse, fizesse sair de foco as pupilas ou as pilosidades. Donde, usar um diafragma razoavelmente fechado. Mas manter um tempo de exposição suficientemente curto para garantir a nitidez. E sem acrescentar grão com o aumento da sensibilidade. Com o acréscimo de, sendo um pedido invulgar, feito por um desconhecido, não haver muitas oportunidades para repetir o “boneco”. Foram muitas as que descartei mais tarde, por não estarem tecnicamente aceitáveis.

O que acaba por ser quase hilariante ao ver esta série hoje, é que é isto que vemos das pessoas, devido à pandemia e ao uso de máscara.

E o uso de máscara faz com que dois desconhecidos, ao serem apresentados, tenham que imaginar o resto do rosto. O que, em certas circunstâncias, pode ser incómodo ou incorrecto.

Todas as fotografias terminavam com um pedido adicional: o nome. E, acrescentava eu, a minha câmara é mal-educada e dá números às pessoas. E as pessoas não são números. E finalizava, já com o caderninho na mão para a anotação, que usaria o nome que me dessem, verdadeiro ou não.

Alguns eram verídicos, percebia-se pela facilidade com que o diziam. Outros fictícios e também era notório o facto. Outros ainda fantasiosos ou divertidos.

Neste caso, o nome que me foi dado foi “Manta”, vá-se lá saber porquê.


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Photographia e o acto photográphico




Eis-me a fotografar e a fotografia resultante. Ou, vistas as coisas por uma ordem natural de leitura, eis uma fotografia e o acto de fotografar.

Pese embora o resultado deste jogo fotógrafo/câmara/fotografado seja algo de agradável de ver, que os “olhos da lua” (a private joke) até que são bonitos, o que se vê na imagem de baixo é uma agressão!

Ter uma coisa daquelas, comprida que nem um cano de arma, apontada para nós, sem que saibamos muito bem o que vai resultar, sem saber o que quem está do outro lado está a ver de nós e como o está a ver, acrescido desta proximidade, é uma agressão!

A fotografia, hoje banalizada visto que não há cão nem gato que não possua uma forma de a fazer, é uma forma de intrusão, de agressão. E a banalização do acto de fotografar torna-nos a todos permissivos. Em fotografar ou ser fotografado. Quer se trate de uma fotografia assumida e descarada como esta, ou qualquer outra, tantas vezes feita na discrição de uma teleobjectiva potente ou de uma câmara minúscula e dissimulada. Para já não falar em todas as câmaras de vigilância que, pela força do hábito, já nem vemos. Mas que nos fotografam, videografam, registam e arquivam o que somos ou aparentamos ser, com ou sem que tenhamos consciência disso.

Uma intrusão na vida de cada um!

Por mim, tenho um hábito do qual, até hoje, não advieram dissabores, bem pelo contrário: raramente fotografo alguém sem ter algum tipo de permissão para tal. Tão explícita quanto neste caso ou, em alternativa, com um olhar cúmplice prévio e um gesto demonstrativo do acto. A expressão de quem a tal se dirige é, em regra, quanto basta para me dizer se o posso fazer ou não. Que procuro respeitar.

Enquanto fotógrafo e cidadão, sei o quão agressivo pode ser e é uma fotografia (ou vídeo ou cinema). Talvez que isso explique a generalidade dos assuntos por mim abordados. Que procuram retratar o ser Humano sem que dele use e abuse, como acontece nos tempos que correm.


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domingo, 9 de janeiro de 2022

O que somos?




Somos uma caixinha onde guardamos o nosso passado.

Mas não se esqueçam de deixar espaço para o futuro!


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Fim do dia na colina




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Inquietude




Fica-me aquela pergunta inquietante, num tempo em que os recursos são escassos:

Por que é que temos que gastar o pouco que temos em termos de saúde (equipamento, gente, medicamentos...) com aqueles que, podendo proteger-se, se recusam a fazê-lo?


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sábado, 8 de janeiro de 2022

Fim do dia na cidade



 

A noite é escura. O sol escondido justifica-o

Mas a noite humana é mais que apenas escura: é contraste.

Como não gostamos da escuridão, inventámos forma de a alumiar, de diversas formas. E nós, fotógrafos, se a queremos mostrar, usamos esse mesmo contraste. Tal como os pintores.

Mas a natureza, mesmo sem a intervenção humana, dá-nos esse contraste. No fim do dia, em que o sol baixo nos dá zonas de sombra e penumbra, tal como nos dá zonas de iluminação generosa, o contraste é notório e difícil de trabalhar.

Numa cidade de colinas como Lisboa, o final do dia é isso mesmo: zonas que ainda recebem a luz solar e zonas onde esta quase não chega. E onde só a capacidade de adaptação da visão é capaz de discernir objectos, pessoas e espaços.

Dentro de um elétrico, num fim de dia, entre duas colinas e emparedado por prédios seculares, difícil será tudo mostrar sem introduzir luz adicional. Mas isso seria estragar a ambiência vivida.

E cumprimentos a Rafael Santos, guarda-freio de ofício e por amor ao ofício. Pergunto-me quantas colinas os seus velhinhos elétricos sobem e descem, com turistas em busca do pitoresco e residentes que só deste modo chegam a casa.


By me

Em torno de uma fotografia

 


 

Imaginemos que queremos falar a uma plateia num auditório e que o fazemos em murmúrio.

A menos que seja usado um sistema de amplificação de som, a maioria não ouvirá que dizemos.

O mesmo acontece com a imagem: O tamanho da imagem conta!

Esta fotografia vista num ecrã de computador ou impressa em 13x18 terá toda a sua mensagem perceptível. Vista num telemovel o mais provável é perder o seu eventual impacto, ao serem pouco visíveis os pombos no tejadilho.

E se a fotografia é tudo aquilo que medeia entre o que o fotógrafo vê e o que o público vê, se o primeiro não considerar o segundo algo no acto de comunicar se perde.

Sabemos que uma fotografia é observada durante bastante mais tempo se exibida numa galeria do que na web. E que, entre uma coisa e outra, ficam livros e revistas.

As fotografias, ao serem vistas e entendidas na web e, ainda pior, em ecrãs pequenos, forem complexas, com pequenos detalhes, quase é garantido que serão ignoradas. E um fotógrafo não quer que o seu trabalho seja ignorado.

Tem isto por consequência que a produção fotográfica, no seu consuma mais normal actualmente, se transformou em algo simples de ler e de entender: linhas simples, poucos detalhes de forma ou de luz, exclusão de múltiplos planos...

O consumo digital da imagem fotográfica está a transformar a sua produção, reduzindo-a à sua mínima expressão. Usando um termo forte, está a estupidificar o fotógrafo.

A menos que, claro está, o fotógrafo não se preocupe tanto com os agrados que possa ter e trate de fazer aquilo que a alma lhe diz para ser feito. Que se preocupe mais com a sua própria satisfação que com o acolhimento que possa ter por parte do público.

Mas isto não só não dá dinheiro como não dá popularidade. E se um alimenta o estômago, a outra alimenta o ego.


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sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Fim do dia na avenida



 

É verdade que sim: um pôr do sol é bonito.

São as cores saturadas, é o seu brilho a roçar ou cortado pela linha do horizonte, será um eventual primeiro plano para localizar o espectador...

Mas terão que concordar que um pôr do sol, por muito bonito que seja, é quase igual a outro pôr do sol. Principalmente se ele acontecer no mar.

No entanto, eu prefiro ver o pôr do sol por aquilo que ele ilumina. Por outras palavras, fotografar de costas para o sol e registar as paisagens ou assuntos recebendo esses últimos raios de luz, com sombras prolongadas ou altas.

Os meios tons que isto permite, ou os altos contrastes inevitáveis são que procuro registar, tirando partido de uns, de outros ou dos dois em simultâneo.

Fotografo o pôr do sol de costas para ele, tal como sou o tal que prefere fazer retratos com o sol atrás do retratado e não de frente para ele. Há quem diga que sou do contra.


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quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Iconógrafo




Em regra, os fotógrafos andam de um lado para o outro, em busca do melhor assunto, da melhor paisagem, para fazerem a sua arte.
Alguns desses trabalhos são de cortar a respiração.
Eu gostava de ser assim: de poder ir para onde me apetecesse, fotografar aquilo que quero, sabendo que irei encontrar a luz boa de que gosto sobre assuntos que me cativam.
Mas não posso. Por este ou por aquele motivo não posso. Tempo para as deslocações, forma de me deslocar, custos… não posso.
Vai daí, aos poucos, encontrei uma outra forma de fazer fotografia. Não será espectacular, não será de cortar a respiração com as luzes, cores, paisagens ou modelos… mas asseguro que correspondem ao meu estado de alma no momento em que a faço e no momento em que a trato.
Por vezes estou num qualquer lugar, banalíssimo, como uma paragem de autocarro, ou a tomar café ou mesmo num momento de higiene interior. E, de súbito, tenho aquela vontade de ilustrar aquele assunto que me assalta a alma. É um impulso tão intenso quanto a vontade de fumar um cigarro. Ou mesmo bem mais animal: como o de tossir. E até parece que rebento se o não fizer.
E é neste momento que tenho o meu prazer imagético: onde estou, ou num raio diminuto de 30 ou mesmo 100 metros, encontrar algo que corresponda ao que penso ou sinto. E a forma de o fazer.
Muito frequentemente isso é feito com uma câmara de bolso. Que me acompanha para onde quer que vá, sempre pronta a ser usada, pese embora as limitações técnicas que tem. Outras vezes, e tendo comigo a DSLR com todas as suas potencialidades, de uma forma mais elaborada, sendo mais fácil brincar com a luz, quer criando ou recriando ambientes, que usando-a para realçar este ou aquele aspecto.
Depois, há o jogo da perspectiva: de que forma, em função de uma dado pensamento, e dependendo do assunto e das potencialidades técnicas do momento, consigo eu fazer o registo que quero? E quantas vezes, não o sendo possível na altura do disparo, faço-o na mesma sabendo que terei – e como – que o alterar depois para obter o que quero.
E esse depois também é divertido.
Em estando eu tranquilo, sem pressas ou pressões, acontece umas horas mais tarde, em frente do computador que tenho em casa. Dois bons ecrãs (por vezes três) rapidez no processamento, luz ambiente controlada em termos de intensidade, incidência nos ecrãs e cor, o conforto da minha cadeira… tudo como eu o quero.
Outras, a pressa em acabar o que me vai na alma não se conforma com essa espera. E recorro ao meu portátil. Ecrã pequeno, com uma superfície que reflecte com facilidade a luz ambiente, adulterando contrastes e cores. Sentado num jardim, no treme-treme do comboio, acabado de entrar num café, entre dois momentos de trabalho… é onde me apetece e como o consigo fazer.
Não são obras-primas, nem sequer merecem ser expostas numa parede. Por vezes nem mesmo numa rede digital.
Mas uma coisa eu garanto: de um modo ou de outro, divirto-me encontrando soluções fotográficas onde quer que seja, com o que quer que seja.
Mesmo não indo longe, em busca das paisagens, modelos e luzes de cortar a respiração.

Talvez que eu não seja um fotógrafo, mas antes um iconógrafo. Que o que produzo são ícones do que me vai na alma.


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terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Dia não




Hoje parece ser dia não!
Não acredito nos líderes mundiais. Não acredito nos líderes nacionais. Não acredito nos líderes partidários. Não acredito nos líderes sindicais. Não acredito nos líderes.
Amanhã também será dia não.
E continuará a ser até encontrar um – um só que seja – que demonstre por actos reais que o seu objectivo é em prol dos cidadãos e não da elite a que pertence.

E pouco me importa que carimbo tenha: esquerda, direita, cima ou frente.

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Sob a influência de Miró




Não adianta estarmos com ilusões: nós somos o resultado das nossas vivências.

E por vivências entenda-se a cultura em que nos inserimos, a interacção com os outros, o que vemos, o que ouvimos, o que aprendemos, os conceitos éticos e estéticos, o que fazemos...

Do ponto de vista criativo, não acredito que alguém crie alguma coisa a partir de coisa alguma. De algum modo, a sua vivência conduziu àquele resultado, mesmo que disso não se aperceba. E não importa o suporte do que se cria: permanente ou efémero. Permanente como como um quadro, ou uma escultura ou um livro, efémero como uma música ou uma dança.

Fazemos ou criamos o que fazemos ou criamos porque juntámos todos os pedaços na nossa vida e construímos a partir daí.

Eu não sou diferente. O que faço é o resultado do que fiz, vi, ouvi, li...

E sei disso, tal como sei que preciso de pistas, de aumentar o que vou juntando cá dentro, para fazer diferente do que fiz até agora. Mesmo que esse diferente seja absolutamente igual ao que fiz até agora.

Nesse procurar pistas, há um lugar onde, em estando por perto, não perco uma visita: a Fundação Miró em Barcelona. Das várias vezes que estive nessa espantosa cidade não deixei de por lá ir e gastar meio dia deambulando por entre as peças expostas: as do mestre, as dos seus contemporâneos e seguidores e as que a direcção da fundação entende por merecedoras de ali estarem temporariamente.

Venho de lá com a alma cheia. Não que entenda todas as obras. Muitas são as que, por mais que as veja, não lhes entendo significado. Mesmo lendo as legendas junto às obras ou ouvindo o audio-guia, muitas há que não entendo. Mas vibro!

De algum modo a esmagadora maioria do que ali encontro provocam-me emoções e essas são as que contam. As que nos moldam. As que nos acrescentam algo.

E sendo certo que o que vou fazendo em fotografia tem algum tipo de coerência ou linha condutora (terá que ter ou seria eu um louco varrido), as As horas ou dias que se seguem a uma visita a esse lugar quase mágico ficam bem marcadas nas fotografias que faço. Desviadas ou acrescentadas, como lhe queiram chamar. O meu olhar, os olhos da cara e os olhos da alma, é diferente antes e depois de lá ir.

Este é um desses exemplos.

Há já uns anitos que por lá não vou. Está a fazer-me falta para sair do meu próprio circulo vicioso.


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segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Quando a ética se sobrepõe à estética




É verdade que sim! Gosto de fotografar flores e folhas.

Gosto de ver a suavidade das suas texturas, gosto de registar os seus contornos trabalhados, gosto de sentir como a luz as atravessa, gosto de constatar como as suas nervuras se espraiam e desenvolvem.

Agora é garantido que nunca as fotografo em ambientes controlados! Aquela coisa de termos a luz como a queremos, de sabermos que o vento não as tira de foco e de podermos usar o tempo de exposição que entendemos sem que haja imagens tremidas… esse tipo de fotografias não faço!

E o motivo é razoavelmente simples: não me entendo dono do universo para poder decidir quais os seres vivos que devem morrer para meu deleite!

Matar um animal – mamífero ou insecto – ou uma planta – flor ou folhas – apenas porque me apetece fazer uma fotografia, numa espécie de orgasmo visual, isso é algo que me recuso fazer.

Se as condições o permitirem – luz, terreno, vento, perspectiva, técnicas – lá tentarei dar um arzinho da minha graça e trazer para casa um ícone daquilo de que gostei. E, se tiver arte e engenho, será quase tão bonito quanto o animal ou planta vivo de que gostei.

A alma também se alimenta. E, ao contrário do estômago, é de coisas vivas e belas. A morte pouco ou nada tem de belo, mesmo a de uma folha, se for eu a provocá-la!


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Conteúdos




Há uns anos valentes, numa das minhas idas aos “Encontros de Fotografia de Braga”, visitei uma em exibição na Fábrica Confiança.

Trata-se (ou tratava-se) de uma fábrica de sabonetes, sabões e shampôs, aquelas coisas que usamos para limpar o corpo.

Foi num domingo e fui o primeiro a visitar a exposição e usufruir das fotografias sem que outros visitantes me atrapalhassem com comentários ou a passarem à minha frente. Como eu gosto.

No final da ronda, meti conversa com o vigilante, que era um guarda da fábrica. Elogiei o edifício e ele gostou, contando-me que já ali trabalhava há tanto tempo que lhe perdera a conta. E convidou-me para “dar uma voltinha” pela fábrica, começando pelos armários onde guardavam exemplares de tudo quanto já tinham fabricado.

Foi uma viagem ao passado, pois ali revi embalagens de outros tempos, que me acordaram memórias de infância. Os sabonetes com figuras infantis, os que tinham um cordão para pendurar na beira da banheira, os quadrados, os ovais, os de pontas arredondadas, os dos hoteis... eram algumas centenas de exemplares, feita numa fábrica com muitas dezenas de anos.

Depois convidou-me a visitar a zona de produção propriamente dita. Máquinas, caldeiras, matéria-prima, zona de embalagem...

Fiquei aterrado! Toda aquela matéria-prima que não vos vou descrever, todo o processo de sabonária industrial, era tão “nojento” que me perguntei como é que eu usava aquilo para limpar o corpo, incluindo o rosto, e tratar da pele. Admito que o meu estômago encontrou espaço no meu ventre para passear e só não se manifestou para o exterior porque lhe dei ordens para isso.

Claro que continuo a usar sabões e sabonetes, sólidos ou líquidos. E a ficar satisfeito com o resultado e com os aromas. Tacto, visão e olfacto agradecem, sem pensar em mais. Mas quando recordo o que vi e cheirei...

 

Vem isto a propósito dos negacionistas e dos que se recusam a serem vacinados. Não sabem o que recebem no organismo e têm receio das consequências.

A esses, gostava de recordar a penicilina foi descoberta a partir de bolores, que os antigos usavam veneno de cobras para curar doenças e que ninguém questiona o conteúdo de uma aspirina ou creme para queimaduras. Já para não falar da quimioterapia.

 


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domingo, 2 de janeiro de 2022