Porque me pediram a
opinião sobre um conjunto de fotografias, acabei por “dar ao dedo” e
escrevinhar o que abaixo se encontra. Talvez que, para muitos, seja mais que
sabido. Mas talvez que para alguns seja novidade.
Eis uma brincadeira que
costumo fazer, quando estou com um grupo de gente e estamos a falar de imagem,
composição, estética, comunicação… essas coisas. E que tanto é válido em
ambientes formais como em informais.
Tento descrever uma
situação hipotética: um trajecto numa carruagem de metropolitano. No centro da
cidade, em antevéspera de Natal, fim da tarde. As composições vão à pinha,
entre gente e embrulhos bonitos, dentro ou fora de sacos.
E peço aos presentes que
simulem estar na mesma carruagem nessas circunstâncias: de pé, agarrados aos
varões, chocalhando ou não.
E, enquanto eles mimam
situação, eu ralho com eles: é garantido que, nas condições descritas, não vão
ter todo aquele espaço entre eles. E insisto que reproduzam o que supõem que
aconteça, todos bem encostadinhos uns aos outros, no aperto de uma carruagem de
metro super apinhada.
Aqui fazem-no e o
resultado é o esperado, que trato de lhes fazer notar: por muito próximos que
estejam, corpo com corpo, é certo e sabido que voltam a cara para o lado,
garantindo uns vinte centímetros livres em frente do nariz. Mesmo que fiquem
com ele apontado para o ombro.
Passada a brincadeira e o
momento de aperto, explico-lhes sem mais delongas: todo o ser vivo (e até os
objectos inanimados) têm um espaço próprio, que lhes pertence. Espaço esse que
é sagrado e cuja intrusão ou é consentida (afago, maquilhagem, dentista…) ou é
considerado uma agressão, que se evita.
Por outro lado, pouco nos
importa o espaço que exista nas costas. Mais perto ou mais longe, e a menos que
haja uma eventual situação de perigo, não lhe damos importância alguma.
A este espaço próprio
damos o nome de “ar”. O “ar” que cada um necessita para respirar ou existir.
Na feitura de imagem,
animada ou não, este espaço ou ar deve ser respeitado. Entenda-se, no entanto
que o termo “deve” é relativo: pode não ser respeitado, sendo que mesmo isso
tem significado.
Em termos práticos,
imagine-se alguém de perfil. Com pouco espaço em frente do nariz, igual ou
inferior ao que tenha atrás da cabeça, e haverá uma sensação de aperto, de abafamento,
de falta de ar. Mas bastará que lhe seja dado mais ar em frente do nariz e logo
passará a ter uma espécie de conforto.
O mesmo se passa com
objectos. Inanimados ou não. Ver um ciclista em andamento com mais ar atrás que
à frente e a interpretação que será dada, as mais das vezes, será a de que irá
“estampar-se” na berma do enquadramento. Por outro lado, em tendo mais ar à sua
frente, sentiremos que está andar e que está tudo bem.
Mesmo um objecto
inanimado necessita de ar. Uma cadeira, por exemplo, é usada pela frente, pelo
lado oposto às costas. E, a menos que haja alguma mensagem meio escondida, se
quisermos dar conforto a essa cadeira, haverá que respeitar esse espaço à
frente da cadeira. Tal como um copo, com espaço acima, do lado da boca e não em
baixo, na base.
Não há fórmulas absolutas
nem regras inquebráveis. Há, antes sim, a necessidade de o produtor de imagem
saber como ela é interpretada pelo público em geral e agir em conformidade.
Presumindo que o objectivo da imagem é comunicar, agradando de algum modo a
quem veja o trabalho.
Na sequência disto – de
tudo ter um “ar” que lhe é próprio - acaba-se por chegar à conclusão que o
centro da imagem será, talvez, o local menos “certo” para colocar algo. A
menos, claro, que o “ar” em causa seja direccionado para a objectiva e que mais
nada exista em redor que necessite de equilíbrio.
Em termos de exercício ou
brincadeira, escolham num qualquer objecto. Pequeno ou grande, amovível ou não.
Estudem-no ou analisem-no de modo a perceber de que lado e como é usado. E
fotografem-no diversas vezes, umas respeitando esse “ar”, outras negando-o.
De seguida, consultem
gente que não sabe do exercício e questionem-nos sobre qual das imagens é mais
agradável, mais tranquila, mais estável. Ou, de outra forma, confrontem-nos com
quatro ou cinco imagens e peçam para que escolham uma, justificando se
possível.
Talvez que cheguem a
algumas conclusões elucidativas de como as imagens são lidas em geral e de como
podemos nós, quebrando o normal, conduzir o espectador a leituras e emoções
controladas por nós.
Os meus cinco cêntimos.
1 comentário:
Lindo,adorei a pedagogia. Obrigado eum abraço.
Enviar um comentário