Por vezes
há que ser rigorosamente nada ortodoxo!
Aquela
turma era um pouco mais “indisciplinada” que o habitual. Coisa que me agradava
e agrada, já que nas áreas criativas a indisciplina é vital: há que ser
indisciplinado na vida para deixar a criatividade crescer e ganhar raízes.
Haverá que quebrar regras, mesmo que as de uma sala de aula, para ir mais
longe.
Claro está
que haverá sempre algum limite para este tipo de indisciplina. Em particular
dentro de uma sala de aula, onde a “criatividade” individual não deve
atrapalhar em demasia o trabalho do colectivo. Colegas ou professores.
Naquele
dia, ou por ser primavera, ou porque as hormonas estivessem mais
descontroladas, ou porque o fim de semana se aproximava, ou fosse lá porque
fosse, a coisa estava mais difícil.
Os do
costume, sentados atrás como habitualmente, estavam a ultrapassar as marcas. Eu
bem tentava “acalmar as hostes”, com uns chamar de atenções, uns comentários
mais incisivos, um levantar de voz… mas a coisa estava difícil.
Até que, a
certa altura e já meio desesperado e não querendo usar das medidas
disciplinares que o ambiente escolar permite, me lembrei disto: um apito que
jazia num dos bolsos do colete, comprado uns dias antes para uma fotografia.
Peguei
nele, pousei-o na mesa mesmo a meu lado e ficámos a namorarmo-nos por um
pedaço. Até que, já sem outros recursos, o usei. Com força. A plenos pulmões. A
ponto de até os meus ouvidos me doerem.
Fez-se um
silêncio sepulcral naquela sala. Isso e um montão de olhos espantados virados
para mim, a tentarem perceber que raio de maluquice me haveria ter atingido.
Quando os
tímpanos deixaram de zumbir, expliquei à turma o que estava a acontecer, o como
aqueles lá de trás estavam a impedir que os demais aprendessem e como esses
mesmos estavam a impedir que eu fizesse o meu trabalho de os ajudar a aprender.
E que havia e há momentos para a indisciplina e rebeldia, como já lhes havia
demonstrado e até incitado, mas que outros havia e há em que o respeito pelos
demais se sobrepõe.
Depois de
uma pausa para digerir a situação, alguns deles fizeram exactamente aquilo que
eu sabia que fariam: pediram desculpa aos colegas. Por meio de algumas
gargalhadas que todos soltámos.
Por
estranho que possa parecer a alguns mais incautos e que não conheçam este tipo
de estudantes e adolescentes, o caso foi remédio quase santo. Durante algum
tempo – semanas - quando a idade e a rebeldia os levava a excederem-se em sala,
eram os outros que os lembravam do apito do maluco do prof JC. E entravam na
normalidade livre que pretendíamos, sem peias nem mordaças, mas com respeito
pelo trabalho do colectivo.
É evidente
que nesse dia ouvi das boas dos colegas na sala de professores. Que o belo do
apito se tinha ouvido em todo o edifício. E, explicadas as causas e as
consequências, ficaram a olhar de lado para mim, uma vez mais. Pondo em dúvida
a minha própria sanidade mental e a eficácia do método.
Mas certo
é que se assistissem ao que se passava connosco portas adentro ou portões afora,
e se verificassem os resultados no que a aprendizagem diz respeito,
verificariam que a ortodoxia não será a melhor abordagem quando falamos em
criatividade e descoberta de novos e pessoais caminhos.
Nota
adicional: não encontrei uma fotografia do tal apito, que tenho por aqui
algures.
Recorro a
esta outra, também de arquivo. Acredito que se tivesse usado uma flauta, tocada
lentamente e baixinho e mesmo que desafinado, o efeito teria sido o mesmo.
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