quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Ortodoxias ou talvez não


 


Por vezes há que ser rigorosamente nada ortodoxo!

Aquela turma era um pouco mais “indisciplinada” que o habitual. Coisa que me agradava e agrada, já que nas áreas criativas a indisciplina é vital: há que ser indisciplinado na vida para deixar a criatividade crescer e ganhar raízes. Haverá que quebrar regras, mesmo que as de uma sala de aula, para ir mais longe.

Claro está que haverá sempre algum limite para este tipo de indisciplina. Em particular dentro de uma sala de aula, onde a “criatividade” individual não deve atrapalhar em demasia o trabalho do colectivo. Colegas ou professores.

Naquele dia, ou por ser primavera, ou porque as hormonas estivessem mais descontroladas, ou porque o fim de semana se aproximava, ou fosse lá porque fosse, a coisa estava mais difícil.

Os do costume, sentados atrás como habitualmente, estavam a ultrapassar as marcas. Eu bem tentava “acalmar as hostes”, com uns chamar de atenções, uns comentários mais incisivos, um levantar de voz… mas a coisa estava difícil.

Até que, a certa altura e já meio desesperado e não querendo usar das medidas disciplinares que o ambiente escolar permite, me lembrei disto: um apito que jazia num dos bolsos do colete, comprado uns dias antes para uma fotografia.

Peguei nele, pousei-o na mesa mesmo a meu lado e ficámos a namorarmo-nos por um pedaço. Até que, já sem outros recursos, o usei. Com força. A plenos pulmões. A ponto de até os meus ouvidos me doerem.

Fez-se um silêncio sepulcral naquela sala. Isso e um montão de olhos espantados virados para mim, a tentarem perceber que raio de maluquice me haveria ter atingido.

Quando os tímpanos deixaram de zumbir, expliquei à turma o que estava a acontecer, o como aqueles lá de trás estavam a impedir que os demais aprendessem e como esses mesmos estavam a impedir que eu fizesse o meu trabalho de os ajudar a aprender. E que havia e há momentos para a indisciplina e rebeldia, como já lhes havia demonstrado e até incitado, mas que outros havia e há em que o respeito pelos demais se sobrepõe.

Depois de uma pausa para digerir a situação, alguns deles fizeram exactamente aquilo que eu sabia que fariam: pediram desculpa aos colegas. Por meio de algumas gargalhadas que todos soltámos.

Por estranho que possa parecer a alguns mais incautos e que não conheçam este tipo de estudantes e adolescentes, o caso foi remédio quase santo. Durante algum tempo – semanas - quando a idade e a rebeldia os levava a excederem-se em sala, eram os outros que os lembravam do apito do maluco do prof JC. E entravam na normalidade livre que pretendíamos, sem peias nem mordaças, mas com respeito pelo trabalho do colectivo.

É evidente que nesse dia ouvi das boas dos colegas na sala de professores. Que o belo do apito se tinha ouvido em todo o edifício. E, explicadas as causas e as consequências, ficaram a olhar de lado para mim, uma vez mais. Pondo em dúvida a minha própria sanidade mental e a eficácia do método.

Mas certo é que se assistissem ao que se passava connosco portas adentro ou portões afora, e se verificassem os resultados no que a aprendizagem diz respeito, verificariam que a ortodoxia não será a melhor abordagem quando falamos em criatividade e descoberta de novos e pessoais caminhos.

 

Nota adicional: não encontrei uma fotografia do tal apito, que tenho por aqui algures.

Recorro a esta outra, também de arquivo. Acredito que se tivesse usado uma flauta, tocada lentamente e baixinho e mesmo que desafinado, o efeito teria sido o mesmo.

 

By me

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