Há uns anos, nove para ser mais rigoroso, tive um incidente
na via pública de que resultou ficar com uma mão partida.
Vítima inocente, e depois de falar com a polícia que
compareceu em força, em várias viaturas e de armas aperradas, lá fui tratar da
minha pobre mão, inchada e dolorosa, nos hospitais.
Sendo que não adianta chorar sobre leite derramado, tentei
tirar partido do episódio e do que se lhe seguiu, com alguns relatos e
fotografias, as possíveis para quem tem a mão esquerda engessada. Ou recorrendo
ao arquivo, como foi o caso desta.
“Foi mais ou menos a meio da semana passada. E ela foi tão recheada de peripécias tão inverosímeis, que começa a ser difícil fazer uma cronologia exacta.
Em
qualquer dos casos, estava eu numa sala de espera enorme de um serviço de
consultas externas hospitalares. Esperava eu ser atendido e tratar da minha
vida de doente e paciente. Serviu para mitigarmos reciprocamente a impaciência
o ter encontrado uma amiga, que ali também esperava vez, já em tratamento
continuado.
Quando o painel
brilhou o meu número avancei, confiante. Asneira!
Era a
minha vez, sim senhor, mas faltava-me um papel que deveria ter sido emitido por
quem ali me havia enviado.
“Mas
repare!”dizia eu. “Tem aí o exame radiológico, em formato de CD, onde constam
todos os elementos, desde a referência ao número do episódio clínico ao meu
estado de saúde. Se ligarem – telefone ou net – para o outro hospital, lhe
darão as informações de que carecem.”
A senhora
levantou-se, contrafeita, e foi lá dentro, falar não sei com quem. Regressou
irredutível:
“Falta-lhe
esse papel. Nada feito. Tem que lá voltar.”
Eu sei que
estas pessoas, por muito simpáticas e afáveis que sejam – e aquela estava a
sê-lo – mais não fazem que cumprir ordens.
“Chame lá
o seu chefe que falo eu com ele.”
Veio uma
chefa, ainda mais simpática e sorridente que a subordinada (por isso é que é
chefa) mas tão ou mais determinada a cumprir determinações quiçá superiores.
Nada
satisfeito com a expectativa de ter que percorrer cerca de 20km em três
transportes públicos diferentes, para cada lado, só por causa de um papel e da
“teimosia” daquelas duas, não resisti e proferi:
“Vou dizer
uma palavra feia!”
Criei uma
pausa teatral, dando tempo a que quem me ouviu – e foram vários – que
arremelgassem os olhos e sustivessem a respiração, e disse bem alto:
“Penico!”
Se,
naquele momento, ali se tivessem aberto uns quinze a vinte balões, não teriam
feito mais barulho no seu expirar!
Insisti no
absurdo da situação, na estúpida perda de tempo e dinheiro nesse meu ir e
voltar, mas nada consegui. E acrescentei:
“Vou dizer
outra palavra feia! Autoclismo!”
Os
sorrisos foram mais francos e aliviados, mas inconsequentes no sentido que eu
queria.
Antes de
abalar, paciente impaciente e inconformado, para onde me tinham mandado, estive
vai-não-vai para lhes atirar com o supra-sumo desta minha lista de impropérios,
contendo todos os “Rs” que o calão escatologico de salão permite:
“Retrete!”
Guardei-o!
A
imbecilidade Kafkaniana das regras dos Serviço Nacional de Saúde não merece que
eu perca o meu bom-humor.
Se outros
motivos não existissem, seria mais trabalho meu que deles, que é difícil tirar
o sono a quem apenas cumpre ordens e dedilha um teclado.”
Confesso que hoje, noutras circunstâncias e apesar de não
haver gesso envolvido nem zelosos cumpridores de normas e burocracias, me
apetece enxugar as lágrimas e dar bom uso ao vernáculo.
Não adianta coisa nenhuma, excepto o aliviar da alma. E isso
é importante que aconteça.
By me
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