terça-feira, 1 de dezembro de 2020

A fotografia

 



“Ou então pegas num álbum de fotografias, um álbum qualquer de uma pessoa qualquer, como eu, como tu, como toda a gente. E dás-te conta que a vida está ali nos diferentes segmentos que aqueles estúpidos segmentos de papel encerram sem a deixar sair dos seus acanhados limites. E no entanto a vida é coisa prenhe, impaciente, quer ir mais além daquele rectângulo, porque sabe que aquele menino vestido de branco, de mãos postas e com a fita da primeira comunhão no braço, amanhã (digo “amanhã” só para dizer um dia qualquer) há-de chorar às escondidas com vergonha de si próprio: uma pequena torpeza? Pequena ou grande, pouco importa, porque ela implica o remorso, e é dele que estamos a falar. Mas aquela fotografia feroz, mais severa que um vigilante, não deixa que a verdadeira verdade fuja dos seus escassos centímetros. A vida fica prisioneira da sua representação: serás o único a lembrar-se do dia seguinte.”


O título é meu, a fotografia também, mas o texto é de António Tabucchi, no seu livro “Está a fazer-se cada vez mais tarde” 

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