quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

A aliança


 


Um photógrapho é um recolector das histórias dos outros. Um cronista também. Diferencia-os a luz da tinta. Mas que dizer de um photocronista?

Esta história, que aqui grafo tal como me recordo da sua oralidade, foi-me contada em primeira-mão:

 

“Vivia sozinho e o meu orgulho impedia-me de ir pedir ajuda aos pais, apesar de, naquela altura, os pagamentos da empresa onde trabalhava estarem atrasados. Naquele dia não tinha dinheiro nem para tomar um café. Revirei tudo em casa em busca de uma moedinha que fosse e nada.

Acabei por me meter no carro e ir a casa de uma amiga, que me poderia emprestar algum, pouco, para os dias que ainda faltavam até vir o guito.

Mas acabei por me enganar no caminho e entrei na via-rápida no sentido oposto. Com a pouca gasolina que tinha, não sabia se daria para inverter a marcha mais à frente, pelo que decidi continuar e ir a casa de uma outra amiga, que me haveria de ajudar.

Não estava em casa. Mas estava lá uma amiga dela. Não nos conhecíamos, mas já ouvíramos falar um do outro. Ajudou-me.

É hoje a minha mulher.”

 

E se isto não é uma bonita história de necessidade, coincidências, solidariedade e final feliz, adequada a qualquer época em geral, incluindo a que atravessamos, não sei o que o será.

 

Nota adicional  - Esta fotografia é da mão e da aliança de um dos dois protagonistas da história contada. Não é uma grande fotografia, mas foi o que consegui fazer quando o encontrei de novo, por entre os afazeres do ofício.

Poderia talvez fazer uma melhor, quiçá usando a minha própria aliança e melhor trabalhando luz e fundo. Mas não seria factual, podendo sê-lo.

Mas entre uma fraca fotografia factual e uma boa fotografia fictícia, prefiro a primeira. Que, mais importante que uma “boa” fotografia, para um photocronista importa a realidade. Ou passaria a ser um photorromancista.

Além do mais a minha aliança tem outras histórias que, por enquanto, guardo para mim.


By me

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