Dezembro é época de
tradições. Pelo menos nesta zona do globo.
Usemo-la e contemos
histórias ou estórias apropriadas.
Neste caso, um texto de
um excelente autor, maldito para uns, magnifico para outros.
E, se excluirmos algum
exagero aqui ou ali, certamente que reconhecerão o descrito.
Como a família da
Lurdinhas passou a consoada do ano passado:
Para estreitar os laços
familiares, não há nada que chegue à festa do Natal, lá isso é verdade, mas
espero que neste ano as coisas corram melhor do que o ano passado e não seja
preciso o meu pai ir mudar de roupa a meio do jantar por ter apanhado em cheio
com o galheteiro do azeite nos cornos, atirado pela minha mãe que o topou a
apalpar o cu à D. Filomena, uma prima da minha madrinha que veio de Angola e
vive numa pensão em Almirante Reis e anda a estudar para manicure.
A minha mãe ficou bera e
com razão, não é por ser minha mãe, esteve quase a dar-lhe o fanico e só
gritava: «Tirem-me essa puta da frente! Tirem-me essa puta da frente!» Mas
quando as pessoas são educadas, as coisas acabam por compor-se e bastou tirarem
a D. Filomena de ao pé do meu pai para ficar tudo em sossego. No fim até
estiveram as duas a falar de crochés e da telenovela, que nessa altura dava na
televisão, e a D. Filomena ofereceu-se para tratar os pés da minha mãe, assim
que acabasse um curso de calista que andava a tirar ali para os lados da Fonte
Luminosa.
Essa bronca portanto foi
o menos; o pior veio a seguir quando a minha avó teve a infeliz ideia de
perguntar à prima Otília que presente de Natal é que lhe tinham dado os patrões
do escritório onde ela trabalha e a parva descaiu-se a dizer que, do senhor
Benjamim, recebeu um jogo de calcinhas e soutien em nylon, e do senhor Canelas,
um vibrador-masturbador japonês, muito bonito, todo transistorizado.
Ora, ao ouvir isto, o
Fernando, que é o marido da Otília e tinha metido na boca uma grande garfada,
engasgou-se, engoliu uma data de espinhas de bacalhau, cuspiu o resto no prato
do meu avô e desatou ao bofetão à mulher: «Sua cabra! Sua ordinária!» e a dizer
que ia enfiar o vibrador pelo cu do Canelas acima e partir os cornos ao
porcalhão do Benjamim.
E a palerma da Otília, em
vez de se calar, como era a obrigação dela, cresceu para o marido que até
parecia uma leoa: «Tire as patas de cima de mim, seu cabrão! Você é que tem
cornos e dos grandes, ouviu?» E ele, todo a tremer: «Eu?! E ainda o dizes,
grandessíssima puta?» E a Otília: «Pois digo para vergonha tua, que nem és
marido nem nada! Se não fossem os meus patrões não sei o que seria de mim?». E
desatou a chorar baba e ranho e então o Fernando agarrou na faca de cortar o
bolo-rei e toda a família se pôs a gritar «Ai que ele mata-a! Ai que ele
mata-a!», mas o meu pai tirou-lhe a faca e o tio Arnaldo obrigou-o a sentar-se
na cadeira, deu-lhe palmadinhas nas costas e disse-lhe: «Não ligues ao que ela
diz, pá, que as mulheres são todas umas putas», e ele ao ouvir estas boas
palavras, ficou mais sossegado e até alargou um furo ao cinto para continuar a
comer.
O pior é que a tia
Palmira não gostou da conversa do marido e começou a refilar que não queria
confusões, que se as outras eram putas ela era uma mulher séria, que quem não
se sente não é filho de boa gente, etc., etc., mas o tio Arnaldo que é um
bocado bruto atirou-lhe logo esta a matar: «Escusas de armar em séria, que
todos sabem que andaste enrolada com o Gonçalves da farmácia quando ele te
tratou do eczema»; e ela, logo: «E tu com a Gracinda da peixaria, que até
escamas de pargo trazias para casa nas cuecas!» E o tio Arnaldo, muito fodido:
«As escamas de pargo não são aqui chamadas para nada, porra!» E, ao dizer isto,
deu tal murro num prato de filhoses que saltou calda para todo o lado e até eu
fiquei com o cabelo enchapoçado dela. E o meu pai que ia acudir pela tia
Palmira, esteve vai não vai para apanhar outra vez com o galheteiro, pois a
minha mãe tinha-o sempre debaixo de olho; enfim, só visto!
O que valeu para que a
festa de Natal não ficasse estragada foi a minha madrinha impor-se, visto ser
ela a dona da casa, e avisar que não consentia faltas de respeito, que aquilo
ali não era nenhuma taberna e que achava uma sacanice estarem a encher o
bandulho à custa dela, com a comida cara como estava, e a portarem-se que nem
javardos em vez de se mostrarem agradecidos. «Ou comem de bico calado ou vai
tudo para o olho da rua!» disse ela e ninguém refilou; durante algum tempo só
se ouviu mastigar, até que o senhor Aguinaldo, o sacana do velhote que está
amigado com a minha madrinha e que até aí só abria a boca para meter para
dentro, resmungou lá do canto que no olho da rua já nós devíamos estar há muito
e que se a família dele fosse ordinária como a nossa já a tinha rifado. Um gajo
bera, palavra de honra; não são coisas que se digam assim na frente das pessoas
e ainda gostava de ver que merda de família é a dele; cheira-me que é para ali
uma ciganada cheia de putas, chulos, sovaqueiras e arrebentas.
Mas a minha mãe, que tem
muito jeito para compor as coisas quando não está com a bolha, disse que o melhor
era a minha madrinha abrir a televisão, que tem programas muito bonitos no
Natal, porque as conversas não fazem falta para nada e a gente não estava ali
para conversar mas para comer e que assim as crianças sempre estavam mais
distraídas. Foderam-me!
Foi assim que tive de
gramar duas horas de chachadas como essa porcaria das canções do Natal, das
entrevistas do Natal, das tradições do Natal, dos votos de Natal e até dos
anúncios do Natal, sem ter feito mal a ninguém. Não é que eu goste de chavascal
e sarrafada, mas, mal por mal, ainda preferia ver os parentes todos à porrada e
a descobrir o cu uns aos outros do que ver a merda da televisão.
Texto: by José Vilhena
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