A história tem já uns
quantos de anos, mas hoje voltou-me à memória.
Num centro comercial sou
abordado por uma senhora. Já velhinha, parecendo-o ainda mais pela sua pequena
estatura, parou, olhou-me de frente e perguntou:
“É pintor?”
Fiquei meio à toa. Nada
em mim o poderia indicar. Talvez, mas só talvez, o chapéu de aba bem larga que
usava na época, junto com o meu sempiterno colete e o saco fotográfico às
costas. E respondi-lhe:
“Não, minha senhora. Não
o sou.”
“Ah! Então é escritor.”
Afirmou convicta.
“Também não. Mas sou
fotógrafo, se isso ajuda.”
“Pois, eu sabia. É um
artista.”
“Nem tanto, nem tanto”,
tentei dizer-lhe, mas sem sucesso, que já se afastava no seu passo miudinho.
E, como estava de costas,
não o posso assegurar, mas creio que levava um sorriso de satisfação por ter
acertado.
E é este o mal dos seres
humanos: para tudo têm que encontrar uma classificação, um rótulo, um
compartimento mental onde encaixar o que vêem e conhecem. E pouco importa o
rigor da relação entre denominação e realidade: desde que classificado, é
quanto basta.
E, por tudo quanto é
lado, os rótulos imperam: ele é o –ista, ele é o –crata, ele é o –eiro… desde
que haja um sufixo é quanto basta.
Conheço boa gente que,
assumindo-se de direita, tem atitudes bem mais de esquerda que alguns
esquerdista que também conheço. E alguns destes que, dizendo-se de esquerda,
fazem inveja a alguns direitistas de renome.
Por mim, os rótulos que
me possam pôr pouco me importam. Intitulo-me de Acráta, mas podem chamar-me de
batata-frita. Não serão eles, os rótulos, que me farão desviar do que penso e
sou.
E, sendo que sou “do
contra”, quanto mais teimarem em classificar-me, em encaixar-me num qualquer
conceito pré-definido, mais gozo tenho em defraudar as expectativas.
A factura é pesada, por
vezes. Desde a não promoção por não ir exercer o meu ofício, à borla, para um
partido, até aos castigos não formais por ser objector de consciência perante
imoralidades ou inverdades.
Os tempos são de rótulos,
clássicos ou novos. Aplicaveis a muitos ou a um restrito número de pessoas ou
organizações. Mas, apesar disso (ou até por causa disso) continuo a não querer
um rótulo, que sou o que sou muito para além do que querem que seja.
Mas se me quiserem mesmo
colocar uma etiqueta, antes daquela que me porão no dedo do pé, chamem-me
batata frita.
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