quinta-feira, 30 de maio de 2019

Auxiliares de memória




Leio um artigo sobre fotografia de “eventos”. Aniversários, casamentos, etc.
Começa ele com: “Festa é sinónimo de alegria, descontracção, união, lindas decorações e muitos sorrisos espontâneos, não é mesmo? Mas o que seriam esses momentos se eles não fossem eternizados? Parte fundamental de qualquer evento, a fotografia só tem ganho status com o passar dos anos. É ela a responsável por trazer tudo à tona novamente para ser curtido e compartilhado.”

Eu sou fotógrafo. Pelo menos gosto de me pensar assim. Não ganho a vida com ela, mas encho a alma com ela.
Mas uma coisa eu garanto: aquilo que não fica na minha memória do que vivo a cada instante não se torna mais importante por ser fotografado.
Quando precisamos de fazer registo material das vivências para que as não esqueçamos, isso significa que o que vivemos tem pouca importância. Por si mesma ou porque outros acontecimentos vieram relativizar os significados e/ou importâncias.
Indo um pouco mais longe, a futilidade dos dias que correm, o termos que dar importância pública a cada acontecimento ou correndo o risco de sermos menorizados pelos que connosco o viveram, torna-nos ávidos coleccionadores de memórias fosfóricas, relegando bem para segundo plano a capacidade de recordar mais tarde o que não foi registado. A nossa vida, com essa avidez da fotografia de cada instante, acaba por ficar resumida ao que foi fotografado, ao fazermo-nos fotografar, ao que vemos que outros fotografaram. E aquele sorriso lindo mas fugaz, aquele paladar subtil mas inebriante, aquele som que se ergueu no meio da cacofonia ambiente… tudo isso perde importância. Por muito belo que seja. Confiamos a nossa memória ao auxiliar visual do instantâneo, ignorando os instantes significativos que vivemos.

Repito que quem escreve estas linhas faz da fotografia um dos alimentos da alma.



By me

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