quarta-feira, 29 de maio de 2019

Ainda sobre a abstenção




Há um montão de gente, de políticos a comentadores, de jornalistas a cidadãos anónimos, que acusam jornalistas e políticos do índice de abstenção neste último acto eleitoral.
Não me espanta que este tenha acontecido. E por quatro razões distintas.
Por um lado os políticos que se candidataram pouco fizeram para mostrar as suas ideias. Ideias novas ou ideias inovadoras. Pouco falaram do que fizeram, enquanto pessoas ou enquanto grupos, para que o que de bom aconteceu e evitar o que de mau aconteceu. Aquilo que mais se viu ou ouviu foram guerras de alecrim e manjerona, ataques pessoais ou partidários, alguns de muito baixo nível, diga-se de passagem.
Por outro lado, a comunicação social, o tal quarto poder mas que não democrático porque não sufragado, deu mais enfase às tais guerras e questiúnculas que aos programas ou ideias. Tanto nas reportagens feitas como nos debates e comentários. E se é certo que a comunicação social é um negócio e há que vender para que dê lucro, também tem deveres sociais e éticos. Alguns dos quais francamente ultrapassados.
A isto somam-se os próprios cidadãos. A descrença que têm no sistema e nos comportamentos dos intervenientes leva ao desinteresse. O conceito “é tudo farinha do mesmo saco” faz com que se sinta que não adianta participar se o resultado é sempre o mesmo, por vezes nem mudando as moscas.
Por fim, e não menos importante, a forma como o sistema está organizado. Temos uma democracia representativa, em que as decisões são tomadas por uma elite, em que os cidadãos atribuem a essa mesma elite o poder de as tomar, enjeitando responsabilidades. Porque não podem participar nelas que não aquando do acto eleitoral. As consultas populares, referendos ou outras, são mal acolhidas pela classe dominante, que lhe retira poder. E os cidadãos, ao não poderem participar na vida e decisões públicas, encolhem os ombros e afastam-se.
A isto junte-se também o não ser transmitido aos jovens, ainda antes de terem idade de votar, a noção da real importância de se participar nos actos da sociedade. Culpa do sistema, que não investe na educação nesta área. Culpa dos familiares que, eles mesmos, estão desmotivados.
Tal como as revoluções não se fazem por decreto, também a participação cívica não acontece por legislação obrigacional. É algo que tem que vir de dentro, em que cada um tem que entender que participar nas decisões e actos públicos é construir hoje o futuro. Nos impostos, na segurança, na saúde… em todos os aspectos que envolvem o estado e a sociedade. Mas também na demais legislação que regula os comportamentos, incentivando ou proibindo. Do código da estrada às relações comerciais, da liberalização das relações afectivas à gestão dos condomínios… As leis, que regulam as relações entre os cidadãos, não podem ser decisões de uma elite privilegiada, as mais das vezes alheada dos reais anseios e necessidades dos cidadãos.
Têm que ser eles, pelo voto e pela participação activa, que devem intervir e regular.
A democracia representativa é, em última análise, a antítese da liberdade de viver, apenas permitindo que os “comuns” escolham os seus algozes. E, sem irem aos actos eleitorais, ainda fazem com que sejam eles mesmos, os políticos, a decidirem a “distribuição do bolo”, no lugar de sermos nós a cortar as fatias e a distribui-las.

By me

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