Há um montão de gente, de políticos a comentadores, de
jornalistas a cidadãos anónimos, que acusam jornalistas e políticos do índice
de abstenção neste último acto eleitoral.
Não me espanta que este tenha acontecido. E por quatro
razões distintas.
Por um lado os políticos que se candidataram pouco fizeram
para mostrar as suas ideias. Ideias novas ou ideias inovadoras. Pouco falaram
do que fizeram, enquanto pessoas ou enquanto grupos, para que o que de bom
aconteceu e evitar o que de mau aconteceu. Aquilo que mais se viu ou ouviu
foram guerras de alecrim e manjerona, ataques pessoais ou partidários, alguns
de muito baixo nível, diga-se de passagem.
Por outro lado, a comunicação social, o tal quarto poder mas
que não democrático porque não sufragado, deu mais enfase às tais guerras e questiúnculas
que aos programas ou ideias. Tanto nas reportagens feitas como nos debates e
comentários. E se é certo que a comunicação social é um negócio e há que vender
para que dê lucro, também tem deveres sociais e éticos. Alguns dos quais
francamente ultrapassados.
A isto somam-se os próprios cidadãos. A descrença que têm no
sistema e nos comportamentos dos intervenientes leva ao desinteresse. O
conceito “é tudo farinha do mesmo saco” faz com que se sinta que não adianta
participar se o resultado é sempre o mesmo, por vezes nem mudando as moscas.
Por fim, e não menos importante, a forma como o sistema está
organizado. Temos uma democracia representativa, em que as decisões são tomadas
por uma elite, em que os cidadãos atribuem a essa mesma elite o poder de as
tomar, enjeitando responsabilidades. Porque não podem participar nelas que não
aquando do acto eleitoral. As consultas populares, referendos ou outras, são
mal acolhidas pela classe dominante, que lhe retira poder. E os cidadãos, ao
não poderem participar na vida e decisões públicas, encolhem os ombros e afastam-se.
A isto junte-se também o não ser transmitido aos jovens,
ainda antes de terem idade de votar, a noção da real importância de se
participar nos actos da sociedade. Culpa do sistema, que não investe na
educação nesta área. Culpa dos familiares que, eles mesmos, estão desmotivados.
Tal como as revoluções não se fazem por decreto, também a
participação cívica não acontece por legislação obrigacional. É algo que tem
que vir de dentro, em que cada um tem que entender que participar nas decisões
e actos públicos é construir hoje o futuro. Nos impostos, na segurança, na
saúde… em todos os aspectos que envolvem o estado e a sociedade. Mas também na
demais legislação que regula os comportamentos, incentivando ou proibindo. Do
código da estrada às relações comerciais, da liberalização das relações afectivas
à gestão dos condomínios… As leis, que regulam as relações entre os cidadãos,
não podem ser decisões de uma elite privilegiada, as mais das vezes alheada dos
reais anseios e necessidades dos cidadãos.
Têm que ser eles, pelo voto e pela participação activa, que
devem intervir e regular.
A democracia representativa é, em última análise, a antítese
da liberdade de viver, apenas permitindo que os “comuns” escolham os seus algozes.
E, sem irem aos actos eleitorais, ainda fazem com que sejam eles mesmos, os
políticos, a decidirem a “distribuição do bolo”, no lugar de sermos nós a
cortar as fatias e a distribui-las.
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