quarta-feira, 22 de maio de 2019

Em honra de




Eram as minhas primeiras férias enquanto trabalhador. Tinha assinado contrato no ano anterior e o desejo de mochila às costas e interrail na mão concretizava-se.
Embarquei sozinho em Santa Apolónia com destino a Londres, onde tinha previsto e agendada uma visita a uma famosa empresa do meu ramo. O resto do tempo seria um errar pela ilha, com alguns pontos e rotas pensados mas nenhum rigidamente definido.
Claro que os jovens, mesmo que viagem solitários, acabam por se agregar. E foi o caso. Algures entre Coimbra e a fronteira já quase todos haviam mudado de compartimentos na longa composição, juntando-nos por empatias insuspeitas.
Acabei por seguir até Paris com Americanos, Brasileiras e Suecos. Grupo que se desfez na passagem para França, que a mudança de bitola ferroviária implicava mudança de comboio e o nosso estava particularmente atrasado. Nada que espante então ou agora.
Em qualquer dos casos, e para além das demais peripécias dessa viagem inicial, recordo o contacto íntimo com uma canção.
Recém-lançada então no Brasil, duas das brasileiras conheciam-na de cor, letra e música. Por cá era ainda pouco conhecida, que os mercados musicais não são como os de hoje e a internet ainda era uma utopia só por alguns raros sonhada.
Juntei a minha harmónica ao violão de uma delas e foi o que aprendemos, tocámos e cantámos ao som do pouca-terra. Gente de aquém e além mar, falantes de português ou não, que fomos tratando de traduzir a letra na medida do possível para americanos e suecos. A força da música, mesmo que desafinada como foi tocada, junto com a enormidade da força da letra, fez com que todas as arestas se limassem. Depois…
Bem, depois foi o que se sabe da história da música e o que não se sabe do destino daqueles oito que ocuparam aquele compartimento mais uns quantos que a nós se juntavam pela música, pelos comes e pelos bebes que, sem restrições de qualidade ou quantidade, íamos partilhando.
O tema musical? “Geni e o Zepelim”, criado e interpretado pelo magnífico e agora honrado Chico Buarque.
Por cá, então, o seu tema que marcava pela mensagem directa e inconfundível, era o “Tanto mar”. Belo e bem datado, uma espécie de agradecimento, elogio e pedido de ajuda política ao “país irmão”.
Mas o “Geni e o Zepelim” ultrapassarão fronteiras e calendários na memória colectiva e na minha. Tal como “Mulheres de Atenas”.
Hinos que ainda hoje estão actuais.


Imagem roubada da net
By me

Sem comentários: