domingo, 19 de maio de 2019

De bestial a besta




O país está furioso com o homem!
Fazem-se campanhas contra os produtos que negoceia, protesta-se sobre o ter-se rido no parlamento, exige-se que pague o que deve, tiram-se-lhe as condecorações.
O país está furioso com o homem! A quem chamam de Joe Berardo, sem saberem que “Joe” não é o seu nome de baptismo.
No entanto fico sem saber se a fúria nacional, da populaça e dos importantes, se prende com a dívida e o desplante se contra os próprios furiosos. Se por ele os ter enganado se por eles terem deixado serem enganados.
É que, convenhamos, quando Berardo estava na mó de cima, com direito a entrevistas televisivas, homenagens presidenciais e inaugurações pomposas, não me recordo de ter ouvido ou lido sobre a origem da sua fortuna. Mesmo hoje, procurando na net, o mais que encontro é que saiu da Madeira pobre, foi para a África do Sul e fez fortuna em negócios. Destes, fala-se de umas minas, de uns hoteis, de um banco e pouco mais. Ah, e de ligações ao poder do Aparthaid. E, por cá, investimentos em bolsa. Enormes investimentos em bolsa.
Da lisura dos seus negócios, da forma como os seus lucros fabulosos surgiram, nada se diz. Discreto e opaco.
No entanto, quando regressou, qual filho pródigo, com dinheiro a rodos e obras de arte de encher olho, todos o veneraram. E, púdica e economicamente correcto, trataram de não aprofundar as reais origens. Não fora elas estragarem a festa do herói.
Agora, que se lhe descobriu a careca, que os seus esquemas correram menos bem ou que os bancos, aflitos com os seus negócios menos rentáveis, decidiram cobrar o que lhes fazia buracos nas contas, o bestial passou a besta.
E os cidadãos, anónimos ou de nomeada, escolheram-no como bode expiatório, como inimigo número um, como o culpado de todos os males. Esquecendo-se que um especulador ou um vigarista, um bom especulador ou um bom vigarista, não pede aos outros para entrarem nos seus negócios: encontra formas de as vítimas pedirem encarecidamente para neles participarem, com os olhos encadeados com a gula do lucro fácil e sem se preocuparem muito com a legitimidade daquilo em que se envolvem.
“Joe” Berardo foi um herói e agora é um proscrito. Elevado a herói pelo poder e pela populaça, agora amaldiçoado pelo poder e pela populaça. E a raiva que dele se tem prende-se mais ao facto de o poder e a populaça se ter deixado enganar, qual vítima do conto do vigário, que pelas dívidas que ele possui.
Cada acção contra “Joe” Berardo, institucional, legal ou popular, é um escapismo contra a inocência ou esperteza saloia de todos nós. Que não gostamos de ser enganados, a menos que lucremos com isso. E gostamos menos ainda que o vigarista (perdão, o empresário e especulador), nos olhe nos olhos e com um sorriso, nos acuse de palpavos.  

By me
Imagem roubada da net

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