O poder, o verdadeiro poder, não é possuir dinheiro.
O verdadeiro poder, e para dar um exemplo meio absurdo, é
acordar de manhã e pensar: “Quero que toda a gente tenha a cabeça rapada como
um careca. Eles e elas.” E, pouco tempo depois, toda a gente ter a cabeça
rapada.
Este é o verdadeiro poder.
O dinheiro e as armas são apenas as ferramentas que permitem
exercer o poder. O poder sobre os outros.
Podem-se usar diversos argumentos para o exercício do poder.
Ou diversas estratégias. Desde o “Eu é que sei” até “Eu vos protegerei dos
perigos”, desde o controlo sobre a comida e outros bens até à propaganda
orientada.
O poder, o verdadeiro poder, é algo que pode ser exercido ou
ambicionado por uma pessoa ou por um conjunto de pessoas. Se for por um
conjunto de pessoas alargado a toda a população chamam-lhe democracia. Se for
exercido por uma só pessoa, chamam-lhe autocracia. Se for apenas um pequeno
grupo de pessoas tem o nome de oligarquia.
Regra geral, as autocracias e as oligarquias nunca se
satisfazem com o poder que têm, ambicionando ir mais longe no exercício do
poder e na amplitude ideológica ou geográfica. Diz-se que a ambição de poder é
desmesurada.
Indo mais longe, as autocracias, tal como as oligarquias,
acabam por ser ditaduras, em que as vontades de um ou de uns poucos se impõem
sobre todos os outros. Raramente pacíficas. Muito frequentemente crueis e
mortais.
Aquilo que estamos agora a assistir no leste europeu mais
não é que o confronto de várias ambições de poder, explícitas por parte de uns,
implícitas por parte de outros. Imposições de formas de vida e de pensar, de
organização da sociedade de acordo com parâmetros ideológicos, um país
autocrático, quiçá oligárquico, com sonhos de poder imenso, ataca um outro sob
pretextos de segurança e de direito histórico.
O atacado está interiormente dividido entre várias formas de
organização de sociedade, diametralmente opostas, umas ditatoriais, outras
pseudo democráticas. Em que as vontades e ideologias se confrontam desde há
tempos, querendo cada uma impor-se à outra, já não tanto por propaganda e
controlo dos meios de subsistência mas recorrendo a meios violentos. Sob o
olhar complacente das autoridades, que intervêm se e só se a sua autoridade
estiver posta em causa. O que torna este país presa fácil para quem não tem
escrúpulos na forma de atingir o verdadeiro poder. Pessoa ou país.
Nas costas deste todo um conjunto de países, supostamente
organizados, que passam o tempo a tentar regular as divergências internas,
sentindo-se ligeiramente incomodados quando as questões externas afetam o seu
conforto, mas pouco ou nada fazendo para as resolver na raíz.
Agora sentem-se ameaçados porque os problemas externos são
no seu quintal, correndo o risco de lhes entrar pela porta. E sentam-se a
discutir, muito democraticamente, como resolver aquele problema que lhes afeta
o sono. Não sei se por ruidoso se por pesar na consciência.
Enquanto os autocratas ou oligarcas forem exercendo seu
poder, o verdadeiro poder, enquanto o dinheiro correr a jorros para o alimentar
e as armas os sustentarem, continuaremos a ver países a atacar países, povos a
estrangularem povos, homofóbicos a esquartejarem gays, extremistas a exterminarem
quem veste ou pensa diferente.
O mundo insurge-se com o ataque russo à ucrânia. Já ninguém
fala no que acontece, há décadas, na palestina, ou no iemen, ou na patagónia.
E, no entanto, o que acontece é o mesmo: desejo de verdadeiro
poder. Independentemente da escala do que se faz para o obter. Só que não no
nosso quintal.
By me