A primeira vez que
tive conhecimento do I-Ching tinha eu uns 19 ou 20 anos. Constava de um romance
de ficção científica e achei graça ao que dele descrevia – conteúdo e teoria. Mas
tinha eu um mundo inteiro para aprender e descobrir, e guardei o I-Ching naquela
gaveta do cérebro onde arquivamos os assuntos pendentes mas não urgentes.
Talvez dez anos
depois encontrei um pequeno opúsculo sobre o tema.
Continha ele uma
descrição mais que abreviada de um resumo sobre o I-Ching, com os textos dos
Hexagramas compactados a uma ou duas frases. E eu, que pouco ou nada sabia do
assunto, recordei a minha juventude e o que havia guardado e fiquei ainda mais
curioso. Só que, desta vez, fui investigar.
E fui encontrar o
Livro das Mutações, traduzido do Chinês para Alemão por Richard Wihelm,
traduzido para Português por Alayde Mutzenbecher e Gustavo Alberto Corrêa
Pinto, com prefácio de C. G. Jung. Este último nome dava alguma credibilidade
ao que via, pelo que o li por inteiro.
Por “inteiro” entenda-se
toda a parte introdutória e explicativa referente à primeira parte – métodos e
teorias – e, da segunda parte, as explicações sobre o desenvolvimento dos
textos originais. E pu-lo em prática por muitas vezes.
O que me leva, a
mim agnóstico, materialista e com tendências algures entre Marx e Bakunine, a
dar crédito ao I-Ching?
Para já, o facto
de o ser e de o I-Ching não se basear num determinismo divino ou estrelar. Baseia-se,
antes sim, num conceito que eu mesmo defendo: “Tu podes assim tu queiras!” ou,
por outras palavras, “O futuro depende de ti e dos teus actos!” E o Livro das
Mutações não nos fala senão daquilo que estamos preparados para ou somos
capazes de fazer num dado momento, considerando os prós e os contras. É uma
consulta ao “Eu” realmente íntimo, presumindo que é usado seriamente.
Por outro lado, a
teoria que justifica o seu funcionamento: a criação de energia na mente, a
concentração prolongada sobre um dado assunto, a capacidade de canalizar essa
energia assim gerada para a matéria. Tudo isto é perfeitamente consentâneo com
as minhas próprias teorias, algumas baseadas no que aprendia aqui e ali, outras
realmente originais. Não que outros não possam já ter pensado o mesmo e até dissertado
sobre o tema, mas ainda não o encontrei.
Do que li, nas
diversas publicações que consultei também, duas abordagens são possíveis: o uso
de moedas como interface com o Livro das Mutações, ou varetas.
Depois de ter
usado as moedas durante algum tempo, acabei por adoptar as varetas, que têm
como vantagem a lentidão do processo, permitindo uma maior concentração na
questão e um maior fluxo energético. As moedas permitem uma maior rapidez, com
uma menor transmissão energética no momento da consulta e obrigando a que seja
o seu proprietário a usa-las em exclusivo.
O elo mais fraco
em toda a teoria do I-Ching são os textos dos Hexagramas. Porque estão eles
certos e porque, perante uma dada circunstância, são uns e não quaisquer outros
os aplicáveis?
Por um lado porque
acredito que os antigos e os antigos dos antigos, bem como os antepassados dos
antigos dos antigos, foram pensando com base em observações e teorizando. E que
os seus descendentes foram, aos poucos, confirmando e afinando o que deles
recebiam até constatarem que mais não havia a mudar. Há quem chame a isto de “sabedoria
popular”, só que, neste caso, escrita.
Por outro, se os
textos dos Hexagramas foram concebidos numa época e local em que a estrutura
social se baseava num regime feudal e bem hierarquizado, em que a guerra era
parte integrante do quotidiano das gerações, em que a natureza e as suas
manifestações eram exemplos a seguir, não vejo em que medida isso seja
diferente dos dias de hoje. Excepto que sabemos mais sobre as moléculas, sobre
a gestão das energias e de como as canalizar para as armas, e que os senhores
feudais mudaram de nome para banqueiros, presidentes e empresários.
Quanto ao
derradeiro aspecto que diferencia as duas sociedades – o papel da Mulher – só muito
recentemente na escala da história do género humano, ela passou a assumir um
papel público e notório.
Com base em tudo
isto tenho feito as minhas próprias consultas ao Livro das Mutações. Espaçadamente,
talvez nem uma meia centena de vezes ao longo dos últimos vinte anos.
Como em muitas
outras questões de fé – e o I-Ching também o é – consulto-o em momentos de
decisão difícil: quando confrontado com encruzilhadas na vida, sérias, e em que
tenho dificuldade em escolher um caminho. Não em busca de algo ou alguém que me
indique por onde seguir, mas antes perceber as minhas próprias motivações e
tendências.
Uma época houve,
logo de início, em que anotei as questões colocadas e os Hexagramas
correspondentes, as linhas fortes e as linhas fracas. Tempos passados, revi as
anotações, as circunstâncias e as decisões que então tomei. E respectivas
consequências. Nunca achei que me tivesse enganado.
Claro está que o
simples facto (muito cientifica e psicologicamente falando) de ter estado, a
cada consulta, perto de uma hora concentrado e meditando sobre a questão em
causa, origens e consequências, pode estar na raiz de uma decisão acertada
sobre o caminho a seguir. Provavelmente estará, mas o I-Ching ajudou-me, acho
eu, a encontrá-lo.
Não é assunto – o
Livro das Mutações – de que eu fale muito. Se, por um lado, dá um bocado de
trabalho explicar o seu funcionamento e, nos tempos que correm, qualquer coisa
que necessite de mais de cinco minutos de explicação é um enfado para quem
ouve, por outro não me apetece ser olhado ainda mais como um espécime raro e
merecedor de tratamento de excepção por parte dos que me rodeiam.
Mas lá acontece o
tema vir à baila. E, entre os presentes, lá vem um ou outro que quer
experimentar. O que eu aceito, ainda que não incentive.
É que, não só não é
como ir à feira popular como, não sabendo eles as rotinas de manipulação das
varetas, tenho que ser eu mesmo a fazer as divisões secundárias. E para isso, e
para que a minha própria mente e energia não interfira no processo, obrigo-me a
esvaziar-me por completo, concentrando-me em algo de branco, imenso e vazio,
deixando como único elo de ligação com o que me rodeia o acto de dividir as
varetas. Posso assegurar que é algo de esgotante e que recuso terminantemente
fazer mais que uma ou duas vezes por semana.
No entanto, e bem
curioso, a esmagadora maioria dos que quiseram consultar o Livro das Mutações
confidenciaram-me, mais tarde, que a experiência os tinha assustado e que não
gostariam de repetir. Quer seja porque o facto de pensarem seriamente num
assunto importante os assustou, quer seja porque a interpretação dos textos que
leram os incomodou, certo é que se tentasse fazer negócio com o I-Ching não
teria clientes repetidos.
Em qualquer dos
casos, quer seja uma viagem solitária, quer seja com alguém a servir de
suporte, sugiro que pelo menos uma vez na vida se mergulhe a sério no I-Ching.
Do que daí advirá…
bem, é uma viagem ao interior de cada um.
By me
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