domingo, 4 de fevereiro de 2024

Diatribe em torno de um prato vazio




A nossa existência está prenhe de códigos.

Conduta, vestuário, binário, morse, ... até o escrever é feito de códigos.

A alguns desses códigos nem prestamos atenção em demasia, como o falar, outros será particularmente grave não os seguir, como o de estrada.

Servem os códigos para organizar as relações entre pessoas, para que um acto de um seja bem interpretado pelos demais. Recordem a dificuldade em aprender caligrafia e ortografia, dois códigos bem mal seguidos nos tempos que correm.

A alguns desses códigos damos o nome genérico de etiqueta. E não me refiro às etiquetas apostas nos objectos, como roupa para identificar fabricante e qualidade, ou embalagens, para identificar preços ou valores.

Falo da etiqueta social, que rege comportamentos. A forma de cumprimentar um recém chegado, o cobrir ou descobrir a cabeça ao entrar num templo, quem se senta ao lado de quem a uma mesa de refeições.

E as mesas de refeições são um verdadeiro labirinto de etiquetas ou códigos sociais. Qual o copo certo para um determinado líquido, onde fica e qual é cada um dos talheres, de que lado se serve ou se retira a baixela...

Alguma desta etiqueta, como os restantes códigos, é muito condicionada pela geografia ou, se preferirem, pela cultura que a pratica. E aprendemos a etiqueta, ou o comportamento, desde pequeninos: como estar à mesa e o que fazer. Quem é o primeiro a sentar, mesmo quando todos já estão em redor, a posição das costas ou o lugar dos cotovelos, como segurar o talher...

Um desses conjunto de códigos refere o que fazer em terminando a refeição ou parte dela: o que fazer com os talheres.

Manda a etiqueta que devem ser colocados em paralelo, com o cabo para o mesmo lado. E que nunca, mas nunca, devem ser colocados cruzados, já que os códigos definem isto como “não gostei do que comi”. Coisa que será bem mal aceite por quem confecionou a comida ou os donos do lugar onde comemos: casa ou restaurante.

Há, no entanto, um código ou etiqueta que não é seguido em demasiados lugares, públicos ou privados: o comer-se o que consta de uma travessa ou terrina, ou mesmo tacho, comum a todos os comensais.

A refeição, desde sempre, é um local de partilha, de satisfação comum de uma necessidade básica. Um irmanar na ingestão de alimentos. E, nos tempos que vivemos, com as imposições laborais e horárias, um dos pouco momentos em que aquele pequeno grupo de gente está junto. Partilhando, para além da comida, as vivências e as ideias. Recentes ou distantes.

A não partilha de comida, ou de baixela, ou de talheres, ou mesmo se os pratos forem servidos fora do olhar de quem ali está sentado, é um modo de afastar ou separar aqueles que apenas naqueles momentos se partilham.

Toda a vida defendi a partilha. Como elemento de aproximação e igualização entre individuos ou grupos. É bem mais importante o partilhar que o dar. Até porque, em regra, dá-se o que sobra, mas o partilhar não define quantidade ou qualidade.

Quando se está num núcleo social, por pequeno que seja, e não se consegue que exista partilha, mesmo que muito se insista nessa tecla, o melhor é fazer uma de duas coisas: desistir do conceito ou desistir do grupo.

A minha opção foi a óbvia. Até porque “Burro velho...”

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm, 1:2,5


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