domingo, 8 de maio de 2022

Copy/past




 Processo de representação gráfica efémero, pelo menos efémero enquanto popular, foi o da miniatura.

Em medalhões, broches, tampas de relógios e mesmo em anéis, os abastados ou não tanto traziam consigo a imagem de quem gostavam ou diziam gostar.

Em desenho de traço ou silhueta, pintada ou gravada em laca, esmalte ou prata, foi o antecessor da fotografia no que toca ao retrato portátil.

A sua divulgação surge nos finais do séc. XVIII e foi rapidamente ofuscada pelo novo processo - a fotografia – supostamente fiel e muito iconográfico. E mais barato.

Depois das primeiras experiências e invenções, bastava ser rigoroso quanto à aplicação das técnicas e fórmulas para que se satisfizesse e surpreendesse o cliente. E orgulhoso possuidor. E exibidor! E admirador!


Nos tempos que correm as miniaturas voltaram a ser populares.

Mas, ao invés de estarem gravadas num medalhão ou escondidas na tampa traseira de um relógio de bolso, estão gravadas electricamente nos bites e bytes das câmaras fotográficas, nos discos rígidos ou nas memórias dos telemóveis.

O ritual antigo de puxar por um fio de ouro e extrair pudicamente de dentro do colo feminino a imagem, ou o abrir a carteira de dentro da bolsa ou bolso e desdobrar o porta-fotografias de plástico ou, mais remotamente, de mica, morreu!

Hoje, saca-se do telele, liga-se o ecran e aí estão elas, as fotografias da namorada/o, rebentos ou netos. E, se se aceitar tecnologias mais pesadas, nada como recorrer a uma dessas “canetas-memória”, ligá-las a um computador e, por magia fosfórica, ver as imagens dos entes queridos. Ou ainda, pô-las a correr pelas auto-estradas E-mailicas ou sociais.

Claro está que os telemóveis são roubáveis e os sticks de memória perdíveis entre o prato de carne e a sobremesa. Mas são cópias, as imagens – pelo menos espero que o sejam. Não é grave! Haverá sempre a possibilidade de as copiar de novo, de criar novos ícones em tudo idênticos aos primeiros pelo simples processo de copy/past ou send.


Mas, no meio de toda esta tecnologia, nestas transferências energéticas de um integrado para outro, onde ficam os afectos?

A um óleo, pastel, miniatura esmaltada ou papel fotográfico, é possível atribuir valores afectivos simbólicos. Esta folha de papel representa aquela pessoa.

São únicos: a pessoa e o seu significante!

A matéria de suporte da imagem assume e fica impregnada de carinhos e dedadas. As tonalidades, os tamanhos e as texturas tornam-se tão íntimas quanto o corpo da pessoa amada.

E quando o suporte não existe de facto?

Quando a sua existência depende de um click e a energia se transforma noutra coisa qualquer?

Quando é repetível até ao infinito, sem que se perca um só detalhe ou electrão?

Serão os afectos também repetíveis?

Ou deletáveis?

É possível fazer copy/past de um sentimento? De um amor ou de um ódio? De um carinho ou afago?


Nesta sociedade de informação onde a imagem é rainha, não será que a sua super-abundância e facilidade de processamento e repetição um extinguir da sua importância?


By me

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