quinta-feira, 5 de maio de 2022

Conversas




Dizer a um foto reporter ou fotojornalista que tenho uma malapata com o World Press Photo é complicado.

Por um lado porque esse concurso/certame/negócio é como que o prémio Nobel da fotografia. Ser por ele laureado será, talvez, a maior ambição de quem exerce o ofício.

Por outro, porque explicar o porquê não é nem fácil nem rápido.

A qualidade das fotografias nunca as coloco em causa. São sempre soberbas.

Mas os critérios que levaram à selecção do que foi a concurso e nos é exibido é que é particularmente duvidosa, do meu ponto de vista.

O concurso mostra-nos fotografias de reportagem para a imprensa. E o que é que a imprensa nos mostra, pelo mundo fora? Fotografias de temas chocantes, polémicos, violentos mesmo, ainda que por vezes não se veja uma gota de sangue. Desastres, acidentes, guerra, sofrimento, confrontos... é disto que a grande maioria da imprensa vive, vende e mostra.

Mas a fotografia de imprensa não é só isto. A imprensa especializada, quer se trate de moda, decoração, arquitectura, indústria, social ou o que quer que seja, também nos mostra fotografias de reportagem, nalguns casos de grande qualidade, e que são liminarmente excluídos do certame. Porque não fazem parte dos jornais de grande tiragem, das agências internacionais e ocupam um lugar minimalista nos escaparates.

E a vida registada pelos fotógrafos de imprensa é muito mais que apenas o lado negativo geralmente mostrado.

Claro que a isto haverá que acrescentar o motivo de a imprensa, ou os media em geral, venderem tantas imagens ou assuntos com violência. Implícita ou explícita.

E aqui temos que sair da fotografia em particular para entrar no ser humano, que é quem consome, e paga, o que é publicado. E os media são negócio, por muito romantizado que possa ser o ofício.

O bicho-homem passa a sua existência a lutar pela sobrevivência. Alimentação, abrigo, saúde, relacionamentos... bem mais de metade do seu tempo acordado é usado nisso. Nem sempre com sucesso, nem sempre satisfatoriamente. Aliás, as mais das vezes, frustrantemente. E mais ainda quando quando confrontado com uma sociedade de consumo que lhe impõe padrões de felicidade que passam pela compra permanente de bens ou serviços muitas vezes acima das suas possibilidades.

Os media, seja em papel, seja em electrónica, mostram-lhes que há quem esteja pior. Porque está em guerra, porque teve um acidente, porque está hospitalizado, porque a casa ruiu ou ardeu... e mostram-lhes com detalhes, pela palavra ou pela imagem, isso mesmo. Incluindo as fofocas e as lutas não sanguíneas, como o desporto ou a política.

E o ser humano médio, ao constatar que há quem viva pior, quem tenha menos sorte, quem seja vítima social ou natural, sublima com isso as suas próprias frustrações. “Afinal, a minha vida não é tão má quanto isso!”, “Há quem viva pior!”, “Que sorte que o incêndio não chegou aqui!”, “Ainda bem que ninguém da minha família usa aquela estrada!”, “Aqueles com que me identifico são os maiores!”.

E precisa dos media, com imagens, para provar isso e sentir-se menos mal na sua vida de contrariedades e dificuldades.

Os foto reporteres vendem para os jornais. E têm que satisfazer os clientes. Os jornais, por sua vez, seguem as preferências de quem os compra, ou não terão vendas nem anunciantes. E se os consumidores gostam de tragédias, escândalos, vitórias e derrotas, relatos de guerra ou de catástrofes... pois é isso que lhes vamos mostrar e contar. E é isso que compram a quem faz as fotografias que usam.

O Word Press Photo é o espelho dos assuntos preferidos pelos consumidores medios e que os media satisfazem. Não retrata toda a actividade dos fotógrafos que trabalham para a imprensa e que fazem excelentes trabalhos. Tanto fotografias soltas quanto trabalhos elaborados.

Quando este certame/concurso/negócio, que dá pelo nome de World Press Photo, se debruçar sobre toda a fotografia de imprensa e não maioritáriamente sobre as tragédias, as vitórias e as derrotas, terá em mim um visitante atento e frequente. Até lá, fico de parte e não o alimento com a minha presença e o preço do meu bilhete.

 

Explicar tudo isto a um fotógrafo de reportagem não é coisa fácil, já que estão mentalmente formatados para venderem o seu trabalho. E são honestos no que fazem e pensam.


By me

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