sábado, 26 de junho de 2021

Truque d'algibeira




Por muito criativos e livre-pensadores que possamos ser, o certo é que há leis e regras das quais não conseguimos fugir. Fotografia incluída.

E há duas leis básicas que, mesmo que não pensemos nelas, imperam na nossa actividade: a lei do inverso do quadrado da distância e a lei da reflexão.

Diz a primeira que a luz varia numa proporção geométrica em função da distância e equaciona-se assim: I=1/D², em que “I” é a intensidade e “D” a distância da fonte de luz ao ponto de medição. Por outras palavras, se duplicarmos a distância teremos um quarto da luz e não metade. Tal como se triplicarmos a distância teremos um nono da luz.

A segunda é igualmente simples e aprendida nos bancos da escola: o ângulo de incidência é igual ao ângulo de reflexão. Bem o sabemos ao olhar ou fotografar uma superfície polida, como água, metais ou cristais.

Tanto uma como outra lei podem ser úteis ou atrapalhar-nos a vida e convém saber dominá-las em nosso proveito.


A última vez que tive que fotografar quadros foi a pedido de uma amiga pintora que pretendia guardá-los embrulhados mas manter um registo para catálogo.

Haveria, assim, que os reproduzir com o máximo de fidelidade, deixando completamente de parte qualquer abordagem criativa ou interpretativa. O que ali importava era o trabalho da autora e eu mais não seria que um foto-copiador rigoroso.

Duas questões básicas se levantavam: a luz e a perspectiva. A matéria-prima e a ferramenta do fotógrafo!

Quanto à luz, haveria que respeitar as cores e tonalidades das telas.

Fontes de luz equidistantes de um lado e do outro do cavalete onde seriam fotografadas fariam o trabalho: garantir a uniformidade da sua iluminação, não criando zonas de maior ou menor intensidade luminosa. Afinal, a escolha dos brilhos e contrastes das tintas nas telas fora escolha da autora e não minha.

No entanto, haveria que garantir um outro aspecto subtil: sombras. Muito suaves mas perceptíveis.

Isto porque alguns dos trabalhos eram feitos com óleo e este tem textura. E é preocupação do pintor, e sua característica pessoal, a espessura do óleo na tela. Demonstrando a sua técnica e dando nuances escolhidas e pretendidas. As sombras, ténues mas existentes, demonstram-no.

Por outro lado, haveria que garantir a fidelidade de cor. Claro que o digital permite isso com facilidade, tanto na calibração do registo como na correspondência entre a calibração e as fontes de luz usadas. A temperatura de cor haveria que ser fiel na captura. E na reprodução, que é aspecto que escapa ao fotógrafo.

Para o garantir, quer a reprodução fosse electrónica quer fosse em suporte de papel, incluí no enquadramento, um pouco mais largo que as telas, duas tiras de teste Kodak. Uma com gama de cinzentos, outra com escala cromática. Não importa quem ou como irá reproduzir as fotografias. Se aqueles tons e cores, sabidos e calibrados, forem reproduzidos correctamente, todo o quadro estará fiel.

Quanto à perspectiva, alguns aspectos haveria que considerar.

Desde logo o haver espaço suficiente para que a proximidade não alterasse a geometria das telas. No mínimo uns três metros bem medidos, ou bem mais, dependendo do tamanho da tela. Nem a perspectiva nem o recurso a uma grande angular seriam prejudiciais à fidelidade da reprodução.

Em seguida, o garantir a perpendicularidade da objectiva à tela, com o mesmo fito. E, aqui, um pequeno truque de algibeira (factual) que facilita este exigência e recorre de uma das leis básicas da óptica: o ângulo de incidência é igual ao de reflexão.

Colocando um pequeno espelho, mesmo que de bolso, encostado à tela, considerando que as costas do espelho são paralelas à sua superfície frontal, e garantindo que ele se encontra ao centro do quadro, procurar o ponto onde vemos nele a reflexão da objectiva e câmara que estamos a usar.

Nesse momento temos a certeza absoluta que a objectiva está perpendicular ao espelho. E estando ele paralelo à tela…


O fotógrafo é um criativo na sua actividade. Procura satisfazer a sua necessidade de reproduzir no suporte que usa aquilo que pretende. Vendo com os olhos da cara ou com os olhos da alma.

Mas em fotografia técnica, em que é bem mais importante o desejo do cliente que a nossa criatividade, há que saber as regras e leis e usá-las em nosso proveito.


Por vezes, fotografar é ser um foto-copiador. E nada de errado há nisso!


By me

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