quarta-feira, 16 de junho de 2021

O retrato




Se há campo difícil na fotografia é o retrato. Pelo menos é o que eu penso.

Qualquer retrato é sempre o ponto de vista do fotógrafo, a sua interpretação do fotografado. Quer se trate do que é visível aos olhos da cara, quer se trate do que é visível aos olhos da alma. E nem sempre se consegue conjugar as duas formas de ver com aquilo que o fotografado vê de si mesmo com os olhos da cara e com os olhos da alma.

Uma das abordagens é tentar perceber como o fotografado se vê e tentar plasmar isso mesmo. Para agradar ao cliente. Mas nem sempre isso coincide com o que vemos. Eu diria que as mais das vezes.

Outra abordagem é transpor para o suporte o que vemos, assumirmos o papel de “artistas” e tentar convencer o retratado que aquilo é “arte”. E que a arte não se discute. Nem sempre resulta.

E quando ambas visões não coincidem ou não são reciprocamente aceites a frustração surge. De parte a parte, mesmo que se diga ou oiça “está bom”.

É aqui que o trabalho de quem fotografa se torna complicado: encontrar o ponto de equilíbrio entre a sua arte e a aceitação por parte do fotografado.

E isto passa, quantas e quantas vezes, por saber interpretar os sinais que são mostrados. Pela conversa, pela indumentária ou arranjo piloso, pelo ofício ou circunstâncias do acto fotográfico. E por tentar perceber o que o fotografado gostaria de ser ou parecer.

(Pausa para piada – O fotógrafo tenta que o fotografado sorria. Este recusa. O fotógrafo insiste e o cliente continua a recusar, até que explica: “A fotografia é para efeitos profissionais e eu sou agente funerário”.)

Por outras palavras, e para além do domínio da técnica e da estética, a fotografia exige um bom domínio de psicologia e de relações públicas. Todos os fotógrafos necessitam disto, mas nenhum como o de retrato.

 

Tentem fotografar (e entregar “na hora”) gente que se passeia num jardim e prestem atenção ao que é dito e à linguagem corporal quando o retratado vê a sua imagem. E, nesta observação, tentem perceber que tipo de uso será dado à fotografia ou, se preferirem, a quem ela será mostrada.

É um exercício divertido e particularmente didáctico quanto ao comportamento humano.

 

Na imagem: a minha câmara À-Lá-Minuta, uma turista tailandesa que quis ser retratada, o fotógrafo e o jardim. A ordem de importância dos elementos é arbitrária.


By me

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