quarta-feira, 28 de abril de 2021

A toxicidade das drogas - ingeridas ou vistas


 


As tendências liberais – ou neo-liberais como lhes chamam hoje – têm vantagens! Presumivelmente libertam o indivíduo à sua livre iniciativa, ao seu livre arbítrio (lá vem a Bíblia e outros livros “sagrados” à baila), permitindo que cada um faça o que entenda dentro das leis instituídas e das regras sociais aceites.

Também sabemos como os regimes totalitários (de esquerda ou de direita) foram e são perniciosos ou como algumas leis (porque impostas e não aceites, como o caso da lei seca nos USA) falharam redundamente.

O papel do estado e do governo é, entre outros factores, legislar e regulamentar actividades existentes, de forma a, sem coertar as liberdades individuais, obstar ou impedir actividades ou comportamentos que sejam considerados perniciosos para a sociedade.

Supostamente, os reguladores e legisladores são representantes da opinião e sensibilidades da população que os escolhe e elege.

Um dos exemplos da regulação e definição do que é ou não pernicioso para sociedade é o que acontece com as drogas. Muitas das que são proibidas por provocarem dependência, destruição orgânica e tráfico com os consequentes crimes associados, são usados como constituintes em fármacos. São estes, bem como outros que não provocando dependência podem ser perigosos, são administrados, tomados e vendidos segundo regras estritas como vigilância médica, exigência de receita e, nalguns casos, apenas em internamento hospitalar.

O mesmo sucede, por cá, com as armas. Indústria e comércio poderosos, a sua venda, posse ou uso estão fortemente condicionados por leis, licenças, épocas e locais.

A sociedade condiciona o uso do que produz aos benefícios ou prejuízos que tal produção provoca.

 

Claro está que, fortemente incitados pela iniciativa individual ou privada, pela sede do lucro ou pela falta de escrúpulos, pessoas, grupos ou empresas há que procuram por todos os meios como escapar às regras delimitadoras, indiferentes às consequências que a sua actividade possam provocar nos incautos que consumam os seus produtos ou serviços. A muitos chamam de “Criminosos”, a alguns de “Empreendedores” e a uns poucos de “Homens de sucesso”!

 

Uma das actividades que funciona quase incólume, irregulada e inconsequente é a da comunicação social.

O “quase” significa a existência de algumas leis e regras, bem como códigos deontológicos. A pornografia, a incitação à segregação social seja de que estilo for, o excesso de violência e outras vertentes estão mais ou menos regulamentadas.

De igual forma, existem códigos de conduta aplicáveis a jornalistas e à sua actividade. Não mentir, inventar, ocultar ou evidenciar opiniões em desfavor de outras, ser isento na abordagem aos temas tratados, ouvindo e mostrando as partes em desacordo…

No entanto, sabemos nós profissionais da matéria, que é relativamente fácil contornar estas regulamentações ou códigos.

O volume de som, o equilíbrio de tonalidades ou o ruído ambiente condiciona a atenção que é dada ao que se escuta; A perspectiva ou escala de plano com que é mostrada pessoa ou objecto condiciona a empatia do espectador; Os jogos de luz e contraste, por vezes muito subtis, fazem carregar ou aligeirar os discursos explícitos ou implícitos a que se assistem; As posições relativas em cenário dos diversos intervenientes (alturas de cadeira ou mesas, fundos móveis ou estáticos) provocam tranquilidade ou o inverso nos espectadores…

Estas subtilezas nem sempre são institucionais. Dependem, muitas vezes, das simpatias de um técnico, de um realizador, de um jornalista ou de um editor. Por vezes são difíceis de definir mas de eficácia garantida!

Estas manipulações da opinião pública – porque é disto que se trata – passam incólumes nas malhas da regulamentação ou fiscalização. Ou mesmo do público em geral.

 

Dirão os pró-neo-liberalismo que este tipo de actividades subsistirão apenas enquanto o público consumidor continuar a consumir. Havendo multiplicidade de escolha e não sendo a comunicação social – neste caso a televisão – obrigatórios ou imprescindíveis ao consumo, o público poderá sempre mudar de produto – estação – ou mesmo não consumir de todo, desligando o televisor.

Pois sim, isso seria verdade se! Se o consumo de televisão não fosse, nos tempos que correm, equiparável ao consumo de drogas!

O público mais avisado, seja qual for o seu estrato social, pode certamente fazer este tipo de opções. Muda de canal, vasculha os que recebe por cabo ou sonda os que chegam de satélite.

Mas isto será uma pequena parte de quem consome televisão! Que para boa parte da população, a TV é o refúgio diário que contrabalança as atribulações da existência. Apresentam-lhe novelas cor-de-rosa, ou filmes fantásticos ou documentários exóticos, onde podem esquecer o custo de vida, os impostos, as horas de labuta e as frustrações de consumo. Em boa parte, a TV substitui as conversas de família, a passagem de testemunho entre gerações, a partilha de experiências humanas e próximas.

E as estações de TV, sabedoras desta realidade, introduzem nos noticiários as desgraças, crimes e corrupções, recebidas como exorcismo às próprias desgraças pessoais. E usam o poder que detêm sobre o público para o influenciar e moldar, jogando com as audiências e publicidades para garantir o negócio. E com a dependência que o público, seja qual for o seu estrato social, tem da “caixa que mudou o mundo”!

É que, pergunta-se, quantos serão os lares que, por opção, não possuem televisor? Ou quantos serão as famílias que consomem menos de uma hora diária ou que não a têm ligada durante as refeições comunitárias?

E a teledependência é tão grave ou perniciosa quanto a toxicodependência. O problema está em que os traficantes de televisão não são objecto de legislação e punição como são os traficantes de droga. Mas, por outro lado, os traficantes de droga não são eleitos, não são políticos nem governantes ou legisladores. Que se saiba!

 

A questão do livre arbítrio e da liberalização da produção e consumo de comunicação social e de TV passa, antes de mais, por uma verdadeira consciência do consumidor sobre os efeitos nefasto do que o seu consumo pode produzir.

E isto não existe. Ainda!


By me

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