As tendências liberais –
ou neo-liberais como lhes chamam hoje – têm vantagens! Presumivelmente libertam
o indivíduo à sua livre iniciativa, ao seu livre arbítrio (lá vem a Bíblia e
outros livros “sagrados” à baila), permitindo que cada um faça o que entenda
dentro das leis instituídas e das regras sociais aceites.
Também sabemos como os
regimes totalitários (de esquerda ou de direita) foram e são perniciosos ou
como algumas leis (porque impostas e não aceites, como o caso da lei seca nos
USA) falharam redundamente.
O papel do estado e do
governo é, entre outros factores, legislar e regulamentar actividades
existentes, de forma a, sem coertar as liberdades individuais, obstar ou
impedir actividades ou comportamentos que sejam considerados perniciosos para a
sociedade.
Supostamente, os
reguladores e legisladores são representantes da opinião e sensibilidades da
população que os escolhe e elege.
Um dos exemplos da
regulação e definição do que é ou não pernicioso para sociedade é o que
acontece com as drogas. Muitas das que são proibidas por provocarem
dependência, destruição orgânica e tráfico com os consequentes crimes
associados, são usados como constituintes em fármacos. São estes, bem como
outros que não provocando dependência podem ser perigosos, são administrados,
tomados e vendidos segundo regras estritas como vigilância médica, exigência de
receita e, nalguns casos, apenas em internamento hospitalar.
O mesmo sucede, por cá,
com as armas. Indústria e comércio poderosos, a sua venda, posse ou uso estão
fortemente condicionados por leis, licenças, épocas e locais.
A sociedade condiciona o
uso do que produz aos benefícios ou prejuízos que tal produção provoca.
Claro está que,
fortemente incitados pela iniciativa individual ou privada, pela sede do lucro
ou pela falta de escrúpulos, pessoas, grupos ou empresas há que procuram por
todos os meios como escapar às regras delimitadoras, indiferentes às
consequências que a sua actividade possam provocar nos incautos que consumam os
seus produtos ou serviços. A muitos chamam de “Criminosos”, a alguns de
“Empreendedores” e a uns poucos de “Homens de sucesso”!
Uma das actividades que
funciona quase incólume, irregulada e inconsequente é a da comunicação social.
O “quase” significa a
existência de algumas leis e regras, bem como códigos deontológicos. A
pornografia, a incitação à segregação social seja de que estilo for, o excesso
de violência e outras vertentes estão mais ou menos regulamentadas.
De igual forma, existem
códigos de conduta aplicáveis a jornalistas e à sua actividade. Não mentir,
inventar, ocultar ou evidenciar opiniões em desfavor de outras, ser isento na
abordagem aos temas tratados, ouvindo e mostrando as partes em desacordo…
No entanto, sabemos nós
profissionais da matéria, que é relativamente fácil contornar estas
regulamentações ou códigos.
O volume de som, o
equilíbrio de tonalidades ou o ruído ambiente condiciona a atenção que é dada
ao que se escuta; A perspectiva ou escala de plano com que é mostrada pessoa ou
objecto condiciona a empatia do espectador; Os jogos de luz e contraste, por
vezes muito subtis, fazem carregar ou aligeirar os discursos explícitos ou
implícitos a que se assistem; As posições relativas em cenário dos diversos
intervenientes (alturas de cadeira ou mesas, fundos móveis ou estáticos)
provocam tranquilidade ou o inverso nos espectadores…
Estas subtilezas nem
sempre são institucionais. Dependem, muitas vezes, das simpatias de um técnico,
de um realizador, de um jornalista ou de um editor. Por vezes são difíceis de
definir mas de eficácia garantida!
Estas manipulações da
opinião pública – porque é disto que se trata – passam incólumes nas malhas da
regulamentação ou fiscalização. Ou mesmo do público em geral.
Dirão os pró-neo-liberalismo
que este tipo de actividades subsistirão apenas enquanto o público consumidor
continuar a consumir. Havendo multiplicidade de escolha e não sendo a
comunicação social – neste caso a televisão – obrigatórios ou imprescindíveis
ao consumo, o público poderá sempre mudar de produto – estação – ou mesmo não
consumir de todo, desligando o televisor.
Pois sim, isso seria
verdade se! Se o consumo de televisão não fosse, nos tempos que correm,
equiparável ao consumo de drogas!
O público mais avisado, seja
qual for o seu estrato social, pode certamente fazer este tipo de opções. Muda
de canal, vasculha os que recebe por cabo ou sonda os que chegam de satélite.
Mas isto será uma pequena
parte de quem consome televisão! Que para boa parte da população, a TV é o
refúgio diário que contrabalança as atribulações da existência. Apresentam-lhe
novelas cor-de-rosa, ou filmes fantásticos ou documentários exóticos, onde
podem esquecer o custo de vida, os impostos, as horas de labuta e as
frustrações de consumo. Em boa parte, a TV substitui as conversas de família, a
passagem de testemunho entre gerações, a partilha de experiências humanas e
próximas.
E as estações de TV,
sabedoras desta realidade, introduzem nos noticiários as desgraças, crimes e
corrupções, recebidas como exorcismo às próprias desgraças pessoais. E usam o
poder que detêm sobre o público para o influenciar e moldar, jogando com as
audiências e publicidades para garantir o negócio. E com a dependência que o
público, seja qual for o seu estrato social, tem da “caixa que mudou o mundo”!
É que, pergunta-se,
quantos serão os lares que, por opção, não possuem televisor? Ou quantos serão
as famílias que consomem menos de uma hora diária ou que não a têm ligada
durante as refeições comunitárias?
E a teledependência é tão
grave ou perniciosa quanto a toxicodependência. O problema está em que os
traficantes de televisão não são objecto de legislação e punição como são os
traficantes de droga. Mas, por outro lado, os traficantes de droga não são
eleitos, não são políticos nem governantes ou legisladores. Que se saiba!
A questão do livre
arbítrio e da liberalização da produção e consumo de comunicação social e de TV
passa, antes de mais, por uma verdadeira consciência do consumidor sobre os
efeitos nefasto do que o seu consumo pode produzir.
E isto não existe. Ainda!
By me
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