Quando acontece eu abrir
o meu canivete para fazer algo simples como abrir uma carta ou descascar uma
peça de fruta e alguém por perto dizer “Chega isso para lá que tenho medo!”,
costumo fazer uma brincadeira.
Dizendo-lhe “Vou-te
mostrar algo”, aproximo a lâmina da sua cara. Na vertical e com o gume virado
para mim.
Naturalmente que a
reacção é a esperada: ou recuam, ou fecham os olhos, ou ficam rígidos…
De seguida acrescento
“Agora espera”. E aproximo à mesma distância uma esferográfica que, entretanto,
tirei do bolso.
A reacção também é a
esperada: coisa nenhuma. Nem recuo nem manifestação de receio ou medo.
E continuo eu:
“Repara: apesar de me
conheceres, de teres alguma confiança em mim e de saberes que não te iria fazer
mal, tiveste medo da lâmina. Mas não tiveste medo algum da caneta. E, no
entanto, em menos de coisa nenhuma, poderia espetar-ta no pescoço, antes que
pudesses reagir.”
Assim é com tudo o que
existe: por si mesmos os objectos não são perigosos!
É o uso que lhes damos
que poderá, ou não, ser perigoso ou nefasto.
Um canivete, sabemo-lo,
tanto pode servir para abrir uma garganta, para descascar uma maçã ou para
talhar na madeira uma flauta.
Tal como uma caneta tanto
pode servir para assinar uma declaração de guerra, preencher um impresso ou
escrever um poema.
E, em última análise,
sempre se pode concluir que a caneta é mais perigosa que um canivete, já que
nos defendemos deste mas não daquela.
Em querendo, pode-se
ainda usar uma velha analogia: “O poder da pena sobre a espada”.
O mesmo se pode dizer
sobre a fotografia. Por si mesma ela não fará mal a ninguém. Mais ainda, temos
a opinião generalizada que a fotografia e o acto de fotografar são questões
técnicas ou artísticas, inócuas portanto.
No entanto, num bucólico
jardim e numa tarde primaveril, tanto posso fotografar uma flor de uma árvore
como posso afastar as folhas e discretamente fotografar o casal de namorados
que ali se encontram à revelia do conhecimento das respectivas caras-metades.
A fotografia, por si
mesma, nada tem de mal.
Mas quando a usamos para
quebrar a privacidade de terceiros, para entrar abusivamente na intimidade de
outrem, torna-se pérfida, odiosa, tão maléfica quanto qualquer outro objecto.
Uma ocasião fui
fotografar fantasmas. Para o fazer como queria, a técnica implicava o uso de um
tripé e nele a câmara orientada para zonas onde passem pessoas. Nada discreto,
portanto.
Pois no jardim onde o
fiz, vários foram os adultos que, acompanhando crianças pequenas, olharam para
mim e para a câmara e tripé com ar agressivo. Suponho que pensaram que eu
estaria a fazer imagens dos pequenotes. E, nos tempos que correm, isso é
“politicamente incorrecto”. Creio que nada disseram ou fizeram porque não me
viram a espreitar pelo visor. Mas que as suas caras demonstraram desagrado, lá
isso demonstraram.
Felizmente, para mim e
para quem estava comigo, não se aperceberam que a câmara estava a ser usada com
um longo cabo disparador, de fabrico caseiro, e que se eu quisesse fazer as
imagens que eles temiam não dariam por nada.
Quando não, lá teria eu
que desmontar a tralha, mostrar-lhes o que tinha registado e explicar-lhes que
procurava fantasmas. Inócuo, portanto.
A ferramenta nunca é
perigosa. O uso que lhe damos é que sim!
Na imagem o comando e respectiva ficha do disparador caseiro.
By me
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