Viviam eles numa casa de
lavoura, no limite da aldeia e a electricidade não chegava lá. Ainda. Portanto,
o rádio funcionava a pilhas.
Quando por lá ia, nas
férias de verão, era uma das minhas companhias das tardes infindas, em que o
calor apertava cá fora, mas o fresco provocado pelas caiadas e grossas paredes
convidava a uma sesta musical.
Quando eu por lá não
estava, onze meses e tal por ano, o rádio era ligado apenas duas vezes por dia,
para que se ouvisse o “teatro radiofónico”, o antecessor das telenovelas de
hoje. Mas quando o catraio lá estava – eu – o consumo de pilhas era
substancialmente maior, pelo que ficava eu encarregue, da minha semanada, de as
pagar, compradas na venda da aldeia, onde se ía umas duas a três vezes por
semana, em busca de algum feijão, arroz, talvez sal, e dois ou três dedos de
conversa com os patrícios. Claro que havia o dia em que vinha o homem do peixe,
na sua motocicleta e anunciado de longe pela sua corneta.
E porque é que o rádio,
na minha ausência, só se ligava para o teatro radiofónico? Porque o que mais
que lá se contava, as notícias, eram sempre iguais: alguma inauguração
governamental, informações, raríssimas, sobre a guerra lá longe, nas colónias,
a previsão meteorológica, o vencedor do festival da canção e, casos bem raros,
algum discurso ao país do títere. Nada de importante, que a política estava
limitada à União Nacional, o partido sempiterno no governo. Não podíamos saber
o que outros pensavam, os que outros diziam, o que outros faziam. E votar,
então, se bem que não obrigatório, era quase que inconsequente, que os
resultados se sabiam de antemão: vencia a União Nacional.
Os tempos mudaram, a
electricidade chegou à casa de meus avós, foi acrescentado ao rádio, já não sei
por quem, um transformadorzito, eu deixei de lá ir de férias, que a
adolescência queria outras aventuras, e a União Nacional deixou de existir.
Veio a Democracia, a
possibilidade de podermos decidir sobre o nosso próprio futuro, de escolhermos
os nossos governantes, de ouvirmos na rádio e na TV o que outros fazem, dizem,
pensam.
O rádio está aqui,
testemunha muda porque já não funciona, do que foi, do que é e da transição dos
tempos.
E se hoje temos os que
temos, vivemos como vivemos e sofremos o que sofremos, não culpemos o rádio,
que ainda tem a capinha diligentemente costurada por minha avó.
Culpemo-nos a nós mesmos,
que podendo saber o que outros pensam, dizem, fazem, continuamos a escolher –
quando vamos escolher – os mesmos de sempre. Mantemo-nos – ou muitos de nós –
apáticos, não optando por mudanças realmente sérias, mas tão só por
pequeníssimas nuances, que mais disto ou mais daquilo acabam por ser mais do
mesmo.
Já não nos juntamos, à
luz do candeeiro de petróleo, a ouvir o teatro radiofónico. Das notícias,
quando as ouvimos, optamos pelas das catástrofes lá longe, preferencialmente,
que nos sublimam os nossos problemas. Vibramos com as revoltas nos países
ditatoriais, mas somos incapazes de resolver os nossos próprios problemas.
Porque continuamos convencidos que o acto eleitoral está previamente decidido,
entre o A e o B, e que, seja qual for o resultado, as consequências serão as
mesmas.
Este rádio está mudo,
agora. Mas de cada vez que para ele olho, ali na estante, grita-me ele que as
mudanças estão na minha mão – na nossa mão – quer nas urnas quer no quotidiano.
E que devemos passar de meros ouvintes do teatro radiofónico para o palco dos
acontecimentos. De passivos a activos!
Que mais que ouvir a
rádio devemos fazer ouvir a nossa voz! E fazer cumprir a nossa vontade!
By me
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