quarta-feira, 14 de agosto de 2019
Platonismo fotográfico
A minha primeira câmara fotográfica digital foi uma Mavica, fabricada pela Sony.
A escolha por esta marca e modelo não foi à toa e, ainda hoje, estou convencido que foi bem feita. Para além de possuir uma objectiva mediana com um bom poder de zoom, tinha também foco manual, condição de base para qualquer câmara que compre.
Mas o principal motivo da escolha, então, foi outro. Ainda que tivesse menor resolução que outras então no mercado, o suporte da imagem era uma disquete de 31/2. E esta era – ainda que já não – lida em qualquer computador, sem necessitar de instalar qualquer software especial. Nos tempos que correm, com os cartões e com os sistemas operativos existentes e o reconhecerem qualquer leitor de memórias, o problema não se põe. Mas, na altura, era complicado.
Claro que uma primeira câmara digital leva a que se façam inúmeras imagens a propósito de tudo e de nada. E se há local onde isso pode ser feito é lá onde trabalho, onde há algum tempo morto, cenários e condições de luz incomuns e gente disposta a ser fotografada ou a partilhar das experiências. Intervenientes e colegas.
Uma ocasião cruzei-me com uma ex-colega. Há muito que não nos víamos mas a relação então mantida foi forte e, apesar dos anos passados, sobreviveram algumas memórias agradáveis.
A meio do jantar, recorda ela que ainda possuía uma fotografia que lhe tinha feito. Estaria ela a comer um gelado mas eu, mais tarde no PC, tê-lo-ei apagado, ficando um retrato invulgar e, segundo ela, engraçado e de guardar.
Admito que não recordava o episódio e que ainda não tive tempo de pesquisar os arquivos para a encontrar. Mas o facto de ter sido recordada pela retratada e de ainda guardar a imagem, leva-me a algumas cogitações.
Será que uma boa fotografia é aquela que mostra o que os olhos vêem?
Será que uma boa fotografia é aquela que mostra impolutamente aquilo que a objectiva projecta no alvo?
Será que a fotografia, mostrando algo de concreto e sendo um retrato, tem que ser objectiva?
Será que uma fotografia que “mente” deverá ser considerada como uma má fotografia ou como uma “não-fotografia”?
Será que eu, ao manipular em laboratório digital a fotografia, estive a fazer algo de diferente daquilo que faço com o enquadramento, deixando de fora deste tudo aquilo que não interessa?
Será que a fotografada, passados todos estes anos, se recordaria ou conservaria uma fotografia feita casualmente em que estivesse a comer um gelado?
Tenho para mim que a fotografia não mente!
Apenas mostra aquilo que o seu autor quis mostrar, directamente da luz para o suporte ou com tratamento pelo caminho. E a uma fotografia não tem que corresponder a realidade objectiva mas antes a realidade subjectiva do fotógrafo e do fotografado. Por que a realidade é apenas aquilo que fizermos dela e nada mais.
Não seria Platão, na sua caverna, um fotógrafo do seu tempo?
By me
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