terça-feira, 27 de agosto de 2019

Talvez



Virá o dia, estou certo, em que talvez diga como o mestre disse:
“Este ano fiz doze boas fotografias. Foi um bom ano!”

Até que esse dia surja, garanto que vou continuar a tentar.

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Privacidades



É uma conversa que, volta e meia, vem à baila. E eu uso os mesmos argumentos de sempre.
Fala-se do vício do telemóvel e de como tanta gente é incapaz de passar sem ele. Mais: como as conversas são interrompidas de súbito, só porque o aparelhómetro de um dos interlocutores tocou. A premência de querer saber quem está a ligar e a eventualidade, tantas vezes remota, de ser assunto urgente, tudo justifica. Mesmo a má educação.
O meu argumento, baseado na minha própria atitude, é sempre o mesmo: atendo o aparelho se puder e quiser. E se puder e quiser interromper o que estou a fazer. E há coisas que não interrompo, nem que a vaca tussa.
Para reforçar este argumento, costumo perguntar se quando estão na casinha atendem o telemóvel. A maioria diz-me que sim, mas sempre achei que era uma forma de me calarem, o que não é fácil.
Hoje cheguei a outra conclusão.
Estava eu aqui entretido a fazer o que imaginam quando oiço um telemóvel tocar. Sabia não ser o meu e pensava-me sozinho, pelo que imaginei que alguém o havia deixado ali. Toca uma segunda vez, e eu tranquilo com a minha ocupação. Não chegou a tocar terceira vez.
De dentro de uma das privadas, nas minhas costas, oiço alguém atender e encetar uma conversa que, e devido ao revestimento do local e consequente acústica, nada tinha de privacidade.
Tive tempo de lavar as mãos e secá-las, tudo com calma, e a tal conversa, bem fútil por sinal, continuou com a maior das naturalidades, por aquilo que deduzi do tom que ouvia.
Vou, decididamente, mudar de argumento, que o que tenho ouvido parece ser verdade. E passar a usar um de maior peso:
Se quando estão deitados, em plenos deleites com quem deitado também está, também interrompem a função.

Sempre quero saber quem terá a coragem de dizer que sim!

By me

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Definições



O que é estar de bem com o mundo e a Vida?
Dirão os cientistas que é um processo que acontece aqui dentro. Outros dirão que é algo que se passa mais abaixo, no peito. Alguns outros ainda afirmarão que é tudo isso mais aquilo que acontece no cosmos.
Eu diria que, seja qual for a definição e onde tal aconteça, tanto pode ser uma questão de minutos, de duas horas ou de toda uma existência. E que é difícil de afirmar com rigor de que se trata. 
Mas certo é que há momentos que resultam exactamente nisso e que o sabemos quando os vivemos!

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Sombras



Aquilo que o Homem tem feito ao longo dos milénios é tanto e tão variado que seria fútil tentar saber tudo. No campo das artes, das ciências, do pensamento, nas evoluções e regressões sociais.
Perante a inutilidade de tudo tentar saber, resta a cada um de nós optar por saber aquilo que entende por importante para a sua vida. Profissional ou pessoal. E, igualmente importante, saber onde está o saber caso venha a disso necessitar. 
Acessoriamente, as escolas orientam estes saberes e aprendizagens nos diversos campos, fornecendo ao estudante as bases daquilo que passarão toda uma vida a aprender. 
Será papel do pedagogo escolher estes saberes básicos e disponibiliza-los ao estudante por uma ordem lógica, bem como satisfazer as curiosidades que possam advir dos saberes adquiridos. Tal como deve permitir que o estudante saiba onde e como ir buscar mais saber ou conhecimento: bibliotecas, pessoas, web, museus, locais de investigação… Dizia alguém que, nos tempos que correm, o importante não é saber mas antes saber onde o saber está e querer ir buscá-lo.
Claro que o que será básico num dado campo de actividade será não-básico, talvez mesmo supérfluo, noutros campos. E este é, também, o papel do pedagogo: definir prioridades na aprendizagem do estudante.
No entanto, saberes existem que são comuns a todas as vertentes do conhecimento básico. A tabuada, o primeiro rei da nacionalidade, o teorema de Pitágoras, o oceano que banha o seu país, a sua língua e uma língua generalizada… Talvez que não básicos para a actividade profissional, mas para viver integrado na organização social que o envolve.
Um destes dias constatei que um jovem com curso na área da comunicação audiovisual ignorava por completo o que fosse a “Alegoria da Caverna”. Sabia que Platão fora um filósofo antigo, ainda que não de que época ou civilização, mas não sabia nem o nome nem a história ou conceitos nela descritos.
Fiquei boquiaberto! Como é possível alguém ter uma formação profissional sólida neste campo sem conhecer os primórdios da sua criação, do seu pensamento, do conceito de realidade e representação?
Tratei de, em duas penadas, colmatar aquela falha, mas tive pena de quem me estava a ouvir. Não são coisas que se expliquem (ou se aprendam) em duas penadas. Até porque o saber necessita de ser digerido.
Mas fiquei a pensar que andamos a formar gente que saberá utilizar a ferramenta com que trabalha, mas que ignora os conceitos que lhe estão inerentes para além daquilo que vêem no ecrã do computador. 
Pergunto-me o que irá acontecer a esta geração, quando já tiver a categoria de avós, bem como aquilo que será disponibilizado aos seus netos pelos pedagogos. 
Talvez que só saibam reconhecer uma sombra e que desconheçam por completo a tridimensionalidade ou as cores. 

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domingo, 25 de agosto de 2019

O roubo da e na esquadra



Quem me contou a estória afiançou-me como sendo verdade e tendo acontecido aqui, algures nos finais dos anos 50, princípios dos anos 60. E como quem ma contou morava nas imediações, até acredito nela.
Um dia o chefe da esquadra da zona terá dito para um seu subordinado que passasse na relojoaria ali da rua para que eles fossem buscar o relógio de parede da esquadra. Andava ele a atrasar-se (ou seria adiantar-se?).
Certo é que, mais tarde nesse mesmo dia alguém se apresentou na esquadra de polícia, dizendo que vinha buscar o dito relógio. E levou-o. Para onde ninguém sabe, que o tipo não vinha a mando do relojoeiro. Seria um larápio que estaria na loja quando o recado foi dado, a preparar talvez um trabalhinho, e aproveitou a ocasião.
Falsa ou verdadeira, a estória, serve ela para mostrar que as coisas mais audazes se fazem quando menos se espera e com a maior das naturalidades, ou tudo falha.
Mas, a ser verdadeira a estória, 50 anos depois alguém roubou a esquadra onde se teria passado o insólito acontecimento. A pressão urbanística e imobiliária, aliada à idade provecta da esquadra, fez com que fosse derrubada – só a esquadra – para criar este simulacro de rua, que nem sei se terá ao menos nome, para acesso ao bairro das Olaias, por trás.
Ficou assim, com este aspecto, como se alguém tivesse tirado uma fatia do bolo mesmo antes de colocar na mesa. 
O relógio terá ido, até porque efémero o tempo; a esquadra também, até porque já não fazem prédios como antigamente. Ficou a memória de uma estória rocambolesca que, sendo verdade, é divertida; não o sendo, ficamos todos com pena que não o seja.

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Um olhar - copy/past



Processo de representação gráfica efémero, pelo menos efémero enquanto popular, foi o da miniatura.
Em medalhões, broches, tampas de relógios e mesmo em anéis, os abastados ou não tanto traziam consigo a imagem de quem gostavam ou diziam gostar.
Em desenho de traço ou silhueta, pintada ou gravada em laca, esmalte ou prata, foi o antecessor da fotografia no que toca ao retrato portátil.
A sua divulgação surge nos finais do séc. XVIII e foi rapidamente ofuscada pelo novo processo - a fotografia – supostamente fiel e muito iconográfico. E mais barato.
Depois das primeiras experiências e invenções, bastava ser rigoroso quanto à aplicação das técnicas e fórmulas para que se satisfizesse e surpreendesse o cliente. E orgulhoso possuidor. E exibidor! E admirador!

Nos tempos que correm as miniaturas voltaram a ser populares.
Mas, ao invés de estarem gravadas num medalhão ou escondidas na tampa traseira de um relógio de bolso, estão gravadas electricamente nos bites e bytes das câmaras fotográficas, nos discos rígidos ou nas memórias dos telemóveis.
O ritual antigo de puxar por um fio de ouro e extrair pudicamente de dentro do colo feminino a imagem, ou o abrir a carteira de dentro da bolsa ou bolso e desdobrar o porta-fotografias de plástico ou, mais remotamente, de mica, morreu!
Hoje, saca-se do telele, liga-se o ecran e aí estão elas, as fotografias da namorada/o, rebentos ou netos. E, se se aceitar tecnologias mais pesadas, nada como recorrer a uma dessas “canetas-memória”, ligá-las a um computador e, por magia fosfórica, ver as imagens dos entes queridos. Ou ainda, pô-las a correr pelas auto-estradas E-mailicas ou sociais.
Claro está que os telemóveis são roubáveis e os sticks de memória perdíveis entre o prato de carne e a sobremesa. Mas são cópias, as imagens – pelo menos espero que o sejam. Não é grave! Haverá sempre a possibilidade de as copiar de novo, de criar novos ícones em tudo idênticos aos primeiros pelo simples processo de copy/past ou send.

Mas, no meio de toda esta tecnologia, nestas transferências energéticas de um integrado para outro, onde ficam os afectos?
A um óleo, pastel, miniatura esmaltada ou papel fotográfico, é possível atribuir valores afectivos simbólicos. Esta folha de papel representa aquela pessoa.
São únicos: a pessoa e o seu significante!
A matéria de suporte da imagem assume e fica impregnada de carinhos e dedadas. As tonalidades, os tamanhos e as texturas tornam-se tão íntimas quanto o corpo da pessoa amada.
E quando o suporte não existe de facto?
Quando a sua existência depende de um click e a energia se transforma noutra coisa qualquer?
Quando é repetível até ao infinito, sem que se perca um só detalhe ou electrão?
Serão os afectos também repetíveis?
Ou deletáveis?
É possível fazer copy/past de um sentimento? De um amor ou de um ódio? De um carinho ou afago?

Nesta sociedade de informação onde a imagem é rainha, não será que a sua super-abundância e facilidade de processamento e repetição um extinguir da sua importância?

By me

sábado, 24 de agosto de 2019

Linguagens




Alguém um dia me irá explicar, como se eu fosse mesmo muito burro, porque raio dizem viaturas  quando falam de combate a incêndios e falam em meios aéreos nas mesmas circunstâncias.
Ou bem que são meios terrestres e meios aéreos ou bem que são viaturas e aeronaves.
Organizem-se na linguagem!

Imagem roubada da net
By me

O nó




Arrumações dá nisto: tropeçarmos em coisas de que nem nos lembrávamos ou mesmo sabíamos que ainda existiam.
No meio do pó dos livros (saiba-se que foi, também, o nome de uma excelsa livraria em Lisboa) e do pó das caixas, mesmo fechadas, eis que encontro duas preciosidades do passado: dois cartões de estudante, distando entre si um ano apenas.
Trata-se do cartão do Liceu D. Leonor, um do ano 74/75 outro do ano 75/76, altura em que frequentei os antigos 6º e 7º anos dos liceus, já então chamados de “curso complementar dos liceus”.
Poupo-vos ao triste espectáculo de me verem sem bigode. Ainda o não tinha deixado crescer na altura e, desde que veio, nunca mais saiu. Tal como vos poupo à evolução do olhar dos 16 para os 17 anos. Não apenas a natural evolução da adolescência, mas uma adolescência vivida naqueles anos, rica de acontecimentos e emoções como poucas, de então para cá. E patente no olhar e o ricto ainda sorriso.
Mas não vos poupo a este pequeno mas sintomático detalhe: o haver ou não gravata.
Se a memória me não falha, ambas as fotografias foram feitas no mesmo fotógrafo em Lisboa. Existiu durante muitos anos, foi sendo modernizado, com outro nome e com o acrescento de “estúdio digital” na tabuleta. Ainda por lá fui perguntar e soube que os actuais donos são os filhos do que me fotografava, e que já se preparam para se reformar. Dos arquivos de então, já se havia perdido a memória.
Mas o que acaba por ter graça é que no verão/outono de ‘74, altura em que a primeira foi feita, ainda subsistia um dever de usar gravata num documento importante. Que o retrato, feito no fotógrafo, era algo de importante! Um ano depois, no verão de ‘75, já a gravata era coisa do passado, que se não usava senão… nem eu sei bem quando.
Ficou-me um semi-hábito. Tenho umas dezenas de gravatas, a esmagadora maioria com o mesmo tema e por brincadeira. Raramente as usei, e sempre as mais discretas e em ocasiões em que fiz questão de não destoar: num ou noutro casamento, num funeral, por dever de ofício numa sessão solene com o papa João Paulo II e, confesso, quando está frio. Que a gravata é para isso que serve: proteger o pescoço.

Sobre as fotografias de passe, do seu uso e do seu fazer, tenho uma ou duas teorias que, em tendo eu tempo e disposição, as passarei para o papel, com respectivas ilustrações.
Mas que nos contam histórias, assim as saibamos ler, disso não haja dúvidas!
E vivam as arrumações e os tropeções, que nos justificam uma pausa apetecida mas não merecida.



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sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Embustes caridosos




A histeria colectiva está aí, como seria de esperar.
Cheios de boas intenções, de que o inferno está cheio, divulgam-se imagens à toa, com frases piedosas, sem se ter a certeza da veracidade, nos factos e no tempo, do que se exibe.
No caso específico desta imagem, agora roubada de uma página de uma rede social, trata-se de uma foto-montagem.
A imagem tem já uns anitos, sendo fácil encontra-la.
Na imagem original não existia fogo.
E, mesmo que houvesse fogo, nunca seria relativo aos actuais fogos do Brasil, já que esta espécie de macaco não existe no continente americano, mas apenas no sub continente indiano.
Faz sentido que nos preocupemos com questões ambientais, e outras, que estão a prejudicar o mundo como o conhecemos e a comprometer o que queremos deixar para os vindoiros.
Mas, ao menos, assegurem-se que o que se mostra é real. A realidade já é de si mesma demasiado horrível para que seja preciso inventar ou mentir.

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À fé de quem sou




Foi há uns dias.
Fui ter com uma pessoa que trabalha ao dia no mesmo local onde ganho a vida e disse-lhe que se repetisse o que havia feito trataria de encontrar forma de lá não voltar.
Não tenho poderes de contratação ou o seu oposto. A minha influência nesse campo mais não será que como consequência do meu tempo de casa e experiência. E se tenho estado presente em concursos de admissão, nunca estive em condições opostas. E não quero estar, que decidir da vida de outros, nomeadamente o impedir que possam ganhar o seu sustento, é de uma responsabilidade tremenda.
Mas o ofício tem éticas que não podem ser ultrapassadas. O respeito pelos colegas, o respeito pelos que convidamos a participar no que fazemos, o respeito pelos destinatários do nosso trabalho, é algo que levo muito a sério. Tão a sério que se sobrepõe a muitos outros aspectos. Incluindo o ganhar a vida.
Se tornara ver ou saber aquele fulano (e um outro que há uns três ou quatro anos fez igual e a quem disse o mesmo), farei tamanha peixeirada, gritarei tão alto, incomodarei tanta gente dentro e fora de portas, que não mais ali voltarão a ganhar a vida.
Para alguma coisa servirão os anos de profissão e a cor das minhas barbas.
E quero mesmo que estas pessoas, e quaisquer outras que façam equivalente, vão directas para o cesto da gávea.

By me


Se




Não poderemos nunca saber com rigor o que aconteceria se. A cada esquina da vida temos que tomar decisões e aqueles caminhos que não tomamos levar-nos-iam a situações sobre as quais apenas podemos especular. Nunca saberemos ao certo.
E isto é tanto mais verdade quando na equação incluímos mais gente. Não sei o que dirão os matemáticos e os seus cálculos de probabilidades, mas duvido que tenham certezas.
Por isso mesmo, nunca saberei o que teria sido se não tivesse encontrado a minha amiga, companheira, esposa, amor. Da mesma forma que não sei o que teria acontecido se não me tivesse aceite na sua vida. Apenas posso especular sobre isso.
Mas uma coisa eu sei: estou fantasticamente feliz por tal ter acontecido, por estar a seu lado, por ser o meu apoio e poder eu ser o seu apoio, por partilharmos o que nos vai acontecendo sem nos preocuparmos com o que teria acontecido se.
Sei que os deuses se divertem a brincar com os projectos dos Homens. Mas agradeço-lhes o terem feito cruzar estas nossas duas vidas.

By me

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Outras escritas




Encontrar quem se pronuncie sobre os temas do dia é fácil.
Política, social, desporto, ambiente… Todos possuem opinião sobre o que acontece, sobre o que outros dizem ou fazem, todos são capazes de elogiar ou criticar.
Enfim, criticar todos fazem, agora elogiar é bem mais difícil de encontrar.
Em qualquer dos casos, basta ouvir as conversas nos cafés, ou aceder às redes sociais, para vermos que as tónicas dominantes têm origem nos media. Jornais, televisões, rádios, redes sociais… Basta que tenha suco, bom ou mau, para que propague, replique, adultere, acrescente… Mas as origens são as mesmas.
Raro, mas raro mesmo, é encontrar conteúdos (nos cafés, nos transportes públicos, nas pausas de trabalho, nas redes sociais…) que sejam originais, que não tenham por origem aquilo que outros disseram, fizeram, produziram. Que não esteja na ordem do dia, que não seja “moda”.
Àqueles que são capazes de fazer, dizer ou pensar diferente, que são capazes de acrescentar algo de novo e não dependente dos ditames jornalísticos, o meu aplauso.
É desses que necessitamos para sairmos do “mais do mesmo”, do marasmo intelectual.
Já foste diferente hoje?



By me

Câmaras




Ao contrário de uma câmara de reverberação, onde acontecem ecos ou reprodução de sons com atrasos controlados, a câmara anecóica é um espaço onde não há sons.
Melhor dizendo, é um espaço onde não penetram sons mas que também não ecoam os sons que lá se possam produzir, como os do próprio corpo. Há quem lhe chame de câmara surda.
E não é fácil estar no seu interior, existindo apenas os sons que o próprio produz, sem ecos. O silêncio absoluto, o “zero som” é muito mais incomodativo que a escuridão total. Que o ser humano não produz luz mas produz som, dos zumbidos dos ouvidos ao batimento cardíaco.
Dizem os especialistas que estar numa câmara anecóica perfeita é uma experiência terrível, onde o mais resistente aguentou uma hora, não mais.
Como complemento a esta experiência, recorde-se que nascemos “cegos”, vindos de uma existência sem luz mas onde o som chega, e que o último dos cinco sentidos a desvanecer-se é o da audição.
Por mim, que sou um ser da imagem (real e luminosa ou mental) o som é um complemento à existência. Mas, com qualquer outro ser vivo, o silêncio total (e já estive numa câmara surda) é algo difícil de viver.
Em qualquer dos casos, e para os citadinos, é uma experiência sui generis estar no campo a “ouvir o silêncio”. Ou em plena urbe, de noite e na rua, durante um apagão eléctrico, onde todas as máquinas param, deixando de produzir sons ou vibrações. Dos ares condicionados aos frigoríficos e aparelhos de comunicações.
E, ao fim de um pedaço nestas condições, acabamos por ser nós mesmos a produzir qualquer som audível, para fugir ao silêncio incomodativo. Trauteando uma modinha, por exemplo. Ou o clássico “assobiar no escuro”.
Podemos fechar os olhos e fugir a informações visuais. Dificilmente suportamos o silêncio ou as “agressões” sonoras.
Num mundo onde a imagem impera, fruto das actuais tecnologias, é bom não esquecermos isto.

Imagem roubada da net
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terça-feira, 20 de agosto de 2019

Asneiras




Um destes dias cometi uma asneira. Grossa.
Melhor dizendo, fiz algo que valeu por duas asneiras: uma pelo que fiz, outra porque já sabia que era asneira e insisti.
Tentei explicar a alguém os fundamentos de uma dada objectiva: para que serve ou é usada, quais os motivos técnicos de assim ser e quais os respectivos problemas.
Asneira!
Asneira porque já conhecia a pessoa e, mais que querer aprender, queria exibir-se pelo possuir aquela peça, pouco comum, diga-se de passagem.
E asneira porque este tipo de pessoas, mesmo que queira saber algo, não querem saber fundamentos ou algo que vá mais para além do que como se usa. As razões de ser dos seus aspectos são-lhe inúteis, entendo-as como enfadonhas e supérfluas. É-lhes pouco importante saber o porquê, limitando-se a “brincar” com o que têm, sem perceberem que, sabendo-o, podem ir muito mais longe: na profissão ou na criatividade.
O mesmo acontece em inúmeros grupos na internet e com a maioria de quem procura respostas nos tuturials em vídeo nos youtubes que por aí há.
Exemplo estúpido ou não tanto: Alguém procura saber como desapertar determinada peça, que por mais que tente não consegue. E alguém explica que aquela peça desaperta para a esquerda. Chega de saber. Não importa saber que, naquela peça e pelo tipo de movimento a que é sujeita, haverá que ter a rosca invertida para que não se solte ao usar. Claro está que quem perguntou e não aprendeu tudo, terá um dia a peça no chão porque mal usada e mal apertada.
Os manuais de instruções existem para serem lidos mas também como base a conhecimentos complementares e mais aprofundados. Os que ignoram os manuais de instruções, os que procuram o conhecimento pela rama e colado com cuspo, os que desdenham do saber, limitando-se a papaguear o que mal ouviram e a copiar no lugar de entenderem o que outros fazem, nunca irão longe, dificilmente subindo para além da fasquia da mediania.
Não os lamento, porque o que importa é que sejam felizes ao alcançarem os objectivos a que se propõem. Mas cada vez tenho menos vontade de lhes abrir novos horizontes.

Em jeito de complemento, sempre acrescento que a objectiva em questão era uma Nikon 24mm tilt and shift, rara, dispendiosa e bela.



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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

19 de Agosto




No dia da fotografia, uma fotografia sobre fotografia.
Em cima da cama, abro uma das malas. Uma das que tenho com material fotográfico, entre câmaras, objectivas, flashs, fotómetros e demais parafernália.
Cada um destes itens chegou à minha posse porque, na altura, era o que queria ter, o que encontrei no mercado e o que a minha modesta bolsa conseguiu pagar.
De um modo ou do outro, cada uma destas peças, de película ou digital, automáticas ou completamente manuais, tem uma história na minha vida em torno da imagem. Umas com mais uso, outras nem tanto. Mas todas com uma relação de afectividade marcante.
No entanto, hoje em dia, fotografo essencialmente com uma 50mm, ocasionalmente com uma zoom topa-a-tudo ou, mais raro ainda, com uma 600mm. Quando quero “apanhar” objectos pequenos, a minha 90mm faz a festa. E, se são muito pequenos, o fole ajuda.
Pergunto-me, frequentemente, para quê tudo o resto.
Porque os afectos àquilo com que fiz o que fiz existem. E se não nos descartamos de pessoas, pondo-as à venda, o mesmo em relação àqueles que se me moldaram à mão e à cara, materializando melhor ou pior o que a minha mente viu através dos meus olhos.
Não vendo nenhuma peça.
Cada uma delas é uma amiga, mesmo que já reformada e sem funcionar.
Tal como as imagens que produzi ao longo dos anos, também estas peças de equipamento fazem parte da minha história.
E estou arrependido de todas aquelas que vendi, em momentos de maior aperto.
Onde esta mala costuma estar arrumada, outras estão. Contendo parte de mim, tal como os arquivos de negativos, de positivos e digitais.
Perguntem-se, quando quiserem vender uma peça de equipamento, se o resultado da venda não será perderem um pouco de vós mesmos, ainda que isso possa conduzir a up-grades que, supõe-se, irão melhorar o vosso desempenho.



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domingo, 18 de agosto de 2019

25 ton




Pelo menos nesta tampa dizem-nos, sem codificações difíceis de entender, qual a carga máxima possível.



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Valores



A dar fé nas diversas teorias, o dinheiro é o equivalente dos diversos valores. 
Uma hora de trabalho vale tanto dinheiro, uma peça de horticultura vale tanto dinheiro, um pedaço de terra ou um edifício vale tanto dinheiro.
E é tanto verdade que o dinheiro é uma equivalência entre diversos valores que até as partes do corpo humanos têm cotação em dinheiro: em havendo um acidente ou um atentado com perda de um membro, ele vale tanto dinheiro, tal como a visão, ou a fala ou mesmo o órgão sexual. O corpo humano tem uma tabela de valores em dinheiro.
Mas esta equivalência foi bem mais longe: atribuíram valores ao que não existe. São os chamados “danos não patrimoniais”. O medo de repetir uma certa ocorrência vale tanto dinheiro, a insónia devido a um desacato vale tanto dinheiro, até o desgosto de perder um parente num acidente vale tanto dinheiro.

No entanto, raios me partam se os meus sentimentos valem dinheiro. Amores e desamores, frustrações e expectativas, lágrimas e sorrisos não se substituem por um dado valor em dinheiro. Seja ele qual for.
Nem mesmo para comprar bebida para afogar as mágoas, que elas sabem nadar.
Acredito, no fundo do meu ser, que se excluíssemos o dinheiro e os valores de equivalência da civilização acabaríamos em poucas gerações com boa parte dos males que hoje nos afectam.

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Segurança



Foi há uns dias.
Liguei o televisor num desses canais temáticos e foi mesmo a tempo de apanhar o fim de um programa. A voz masculina que se ouvia afirmava, em tom apocalíptico, que devemos usar as tecnologias para vivermos em segurança contra o terror.
Mudei de canal para um outro que nos mostrava uns quaisquer animais que, com a tranquilidade secular, comiam, trepavam às árvores e cuidavam das crias.
É que tenho para mim que esse tal terror se diverte à brava com as tais medidas de segurança da tecnologia – vigilância, inspecção, suspeição – já que elas, as medidas, mais que garantirem a segurança de quem nelas confia, alimentam o tal estado que o terror deseja: medo.
A cada passo que damos, em cada palavra que proferimos, por cada pensamento que temos, ficamos sempre com a sensação que o terror deles se poderia aproveitar contra nós, mas que os vigilantes, que cada vez mais tudo conseguem saber e sobre tudo conseguem agir, nos garantem que podemos estar descansados que eles nos protegem.
E vamos dando graças por eles, os vigilantes, lerem a nossa correspondência, escutarem as nossas conversas, espreitarem os nossos gestos escrutinarem as nossas bagagens. E os nossos medos, assim alimentados e assim tranquilizados, mantêm-nos na dependência deles, dos vigilantes, para gáudio do tal terror.
Que já nada precisa de fazer, que nós mesmos nos encarregamos de nos aterrorizar.
Paulatinamente vamos cedendo na nossa privacidade, na nossa condição de indivíduos autónomos, capazes de decidir das nossas vidas, em prol de uma sociedade castrante e castrada, qual rebanho que deixa os cães morder as canelas, conduzindo-nos para um redil gradeado e farpado.
Cada vez mais tenho a certeza que os tais do terror vestem fatinhos caros, falam para as câmaras e assinam decretos.

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Singelo




Este projecto ou colectânea de fotografias das tampas que pisamos tem duas origens:
Por um lado porque acho que devemos prestar atenção ao que nos cerca, incluindo onde pomos os pés. Tanto por questão de óbvia segurança, como por percebermos o mundo em que nos inserimos e prestarmos a devida homenagem a quem, de algum modo, embeleza o quotidiano.
O segundo motivo é mais divertido:
Um dia um colega veio perguntar-me se eu já teria reparado que as tampas de esgoto têm gravado a referência da estrada a que pertencem. Nunca tinha dado por tal e achei estranha a coisa. Insistiu mesmo, que tinha encontrado tampas com a inscrição EN124, aludindo, certamente, à estrada nacional 124.
Fui investigar, que não gosto de pontos de interrogação flutuando por cima da cabeça, e fiquei sabendo que se trata de uma referência às características técnicas da tampa, entre outras a sua robustez e capacidade de carga.
E, com esta dúvida esclarecida, comecei a prestar atenção a elas, às tampas, e a ver como algumas são bonitas, nos desenhos que possuem, enquanto outras, não sendo feias, são singelas nos relevos que possuem, cuja função será o garantir alguma tração a quem passa, a pé ou sobre rodas.
Esta, estou em crer, será a campeã de singeleza.



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A língua e os discursos




Dizer “Mais de sessenta vítimas mortais” ou “Sessenta e seis vítimas mortais” é quase a mesma coisa. Quase!
É que 66 é um número exacto, que não dá azo a segundas interpretações. É o frio rigor dos números.
Já dizer “mais que” permite que quem disso toma conhecimento interprete a seu modo, podendo ir de 61 a 69. E o próprio termo “mais” dá uma enormidade ao valor, dando uma carga subjectiva de “muito”, “grande valor”, “excesso”.
Sejam 60, 66, ou qualquer outro valor de vítimas mortais, será sempre demasiado. Uma que fosse seria demais.
Mas virem a terreiro os políticos tirar dividendos da tragédia é, no mínimo, desonesto. E muito pouco humano.


By me

sábado, 17 de agosto de 2019

A explicitude e o seu oposto



O trabalho que tive em explicar a um profissional da imagem que a comunicação visual não tem que ser clara, explícita, inequívoca!
Esse é um dogma que se transmite em quase todas as escolas, manuais e workshops.
Mas não é verdade! Pelo menos não é uma verdade absoluta, universal.

Se falamos de consumo rápido de imagens – fotográficas, videográficas, cinematográficas – esse dogma aplica-se. Simplicidade na forma para facilitar o acesso ao conteúdo.
Mas posso querer eu, enquanto fotógrafo, não ser assim tão explícito. Querer obrigar quem vê o que faço a não entender de imediato, a parar para perceber, a questionar e questionar-se naquilo para onde olha e a, mais que olhar, ver.
O desconcerto na leitura, a dúvida, a procura de significado… também isto é comunicação, visual no caso da fotografia.
Dir-me-ão, talvez, que esta forma de comunicação reduz a muito poucos os que a lêem, na medida em que a dificuldade de acesso ou de interpretação, nos tempos que correm e com a rapidez de consumo de conteúdos, afasta os mais apressados ou menos curiosos.
Mas talvez nem sempre eu queira comunicar com esses, pouco me importando se entendem ou não. Ou melhor: ficando satisfeito se o entendem mas nada preocupado com o seu oposto.
Fazer diferente, mesmo que fora dos códigos habituais de comunicação, é uma necessidade que a todos assola de quando em vez.
A diferença entre a grande maioria dos que usam a fotografia e de alguns que também a usam, é que estes, nestes casos, pouco se importam com a reacção ou interpretação do público. “Likes” e “Coments” são “Cenas que não os assistem”.
Fazem-no e exibem-no porque lhes apeteceu, porque foi assim que alinharam a cabeça, o olho e o cérebro. E não para que outros gostem, ou mesmo que interpretem, entre dois clicks ou o passar rápido das páginas de um site ou revista.

Se o objectivo de um fotógrafo for a comunicação de massas, o chegar a todos, o fazer passar uma mensagem, o ganhar apreço ou dinheiro, mesmo que seja com uma pasta de dentes ou com um pôr-do-sol, esqueça-se tudo o que disse acima. Sigam-se as regras da academia, as fórmulas e os algoritmos, as modas e as convenções.


Mas se o objectivo for colocar a sua alma no que faz e mostra, pouco preocupado com as interpretações ou opiniões de terceiros…

By me

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

A janela



Foi do lado de lá desta janela. Ou talvez da do lado, não posso já garantir.
Mas foi do lado de lá que, naquela segunda-feira, pelas 8.30 da manhã, pela primeira vez fiquei frente-a-frente com uma turma de alunos. Sozinhos, eles e eu.
Para eles era uma estreia, já que se tratava do primeiro dia de um ano escolar e estavam no primeiro ano de um curso profissional onde esperavam vir a aprender um ofício. Um ofício que queriam ou supunham querer.
Mas, mais que para eles, que toda a sua vida tinham sido alunos em turmas, era a minha primeira vez daquele lado da secretária. Com todos os receios que o peso da responsabilidade e a consciência da minha ignorância naquela actividade acarretavam. Talvez mesmo, mais que receios, roçava o pânico.
E, à medida que eles iam entrando na sala, cada um deles sozinho e a descobrir o que era aquilo, eu, de pé em frente da secretária e sorrindo para eles, olhava-os e o medo crescia. Que, na expressão de cada um e uma, na pose de cada um e uma, eu via ou tentava descobrir quem eram e ao que vinham. Mas, pior ainda, era ir adivinhando demoníacas tropelias e terríveis dificuldades no relacionamento aluno/professor. Passados todos estes anos, tenho que confessar que estive quase a abandonar a sala e o trabalho!
No entanto, e por um qualquer motivo, deixei-me ficar, venci os medos quase pânicos e, findos uns dias de convivência, apercebi-me do quanto estava enganado.
Ao contrário do que havia visto, aquela era uma turma de rapaziada e raparigada excelente, ávidos de aprender e desejosos de trabalhar. Foi óptimo ter estado com eles!
Resta-me saber quem, daquele ano lectivo, mais lucrou e aprendeu: se eles enquanto alunos, se eu enquanto ajudante de aprendizagem. Que foi exactamente nesse ano, o primeiro, que entendi e aprendi a diferença entre ajudar a aprender e ensinar.
Claro que, e para além disto e de tudo o mais que fui entretanto aprendendo com os alunos, ficou-me a certeza que não devemos dar crédito à primeira impressão com uma turma. Ou com um individuo. Que essa primeira impressão depende do nosso próprio estado de espírito, bem como do daqueles que avaliamos. E que, nesse processo de recíproca abordagem, em regra ficam escondidas as melhores facetas.
Dar tempo ao tempo e oportunidade de cada um se descobrir, se desvendar, de dar o seu melhor e o seu pior. E aí sim, fazer ou ir fazendo um juízo sobre o grupo ou pessoa. É uma boa regra que deve ser seguida sempre!
Claro que o “Sempre”, tal como o “Nunca”, são conceitos que nunca devem ser seguidos sempre. Até porque, por vezes, a primeira impressão acaba por se revelar a mais correcta, por mais tempo e esforço que se use no aprofundar o conhecimento.
Foi o caso de um aluno que tive, passados anos e noutra escola. Desde o primeiro dia que não tive boa opinião a seu respeito. Enquanto cidadão, enquanto aluno, enquanto futuro profissional. E, do que recordo das reuniões de professores, era a opinião generalizada.
Acabo agora por o reencontrar neste mundo maluco dos audiovisuais. Não o reconheci de imediato, para vergonha minha, e foi ele que mo recordou. E, se também então não recordei a opinião que tinha formado dele, a consulta aos arquivos, então em papel, refrescou-me a memória.
E tive a tristeza de constatar que essa opinião era correcta. O que dele vi a trabalhar bem como o que dele vi enquanto mero cidadão veio, sem sombra de dúvidas, na linha do que havia sentido anos atrás. Mais valia que, quando abandonou o curso a meio, já não sei porque motivos, tivesse seguido uma qualquer outra actividade onde, para além de ganhar a vida, o fizesse com mais qualidade e brio.
Mas, por outro lado, fiquei satisfeito. Foi o facto de ele ter abandonado o curso, bem como mais um ou dois ao longo dos anos que com jovens trabalhei, que fez com que o meu objectivo se mantivesse impoluto: Não reprovar um aluno! Que em algum sendo mais fraco na aprendizagem apenas iria exigir mais esforço da minha parte. Afinal, é para isso que se está numa escola: para aprender, sendo essa a função dos que lá estão a “ensinar”.
Porque “Escola” é isso mesmo: O abrir das janelas sobre o futuro e mostrar aos alunos os horizontes que dali se vislumbram. As portas que se abram, os caminhos que se tracem e os horizontes que se atinjam, isso, já não depende de nós. Serão eles que o farão!

By me

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Conceitos



“… Quando não houver verdadeiro impacto, não haverá arte. Quando a forma artística não é capaz de provocar o desconcerto no espírito do espectador e não o obriga a mudar de forma de pensar, não é actual.”

Antoni Tàpies, in “A prática da arte”, Edições Cotovia
Imagem: by me

Liberdade



O conceito “A minha liberdade termina onde começa a do outro” é um absurdo!
A liberdade não termina. A liberdade não tem limite, ou deixa de o ser. Ponto final!
A liberdade é o eu fazer o quero fazer, sem amarras ou peias.
Se assim não for, mais não será que liberdade condicional, como vemos nos filmes.

Acontece que eu não quero interferir com a liberdade dos demais.
Faz parte da minha liberdade o querer que os outros sejam livres. A minha liberdade depende de os outros serem igualmente livres. É uma decisão minha, livre e autónoma. Não imposta por um qualquer dogma ou conceito vindo de fora.

Talvez que seja nesta questão, que aparenta ser apenas semântica, que reside toda a diferença.

By me

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Um olhar sobre o olhar



De arquivo de há dez anos

Foi coisa que sempre tive pudor em fazer: fotografar um cego.
Como diabo se pede a alguém para fazer algo que não poderá saber o que é?
Já me é particularmente difícil fotografar alguém sem o seu conhecimento e consentimento. Para além das eventuais questões legais, que as há, sempre se me pôs a questão de, ao fazê-lo, estar abusivamente a entrar na intimidade do fotografado. Mesmo que na rua, mesmo que no meio de uma multidão, existe uma privacidade, um recato que há que respeitar.
Agora fotografar um cego? Não apenas se me afigura muito mais difícil, como nem sequer sei como lhe pedir para tal!

Esta questão, que sempre me incomodou um niquinho, tomou proporções bem maiores nas últimas trinta horas.
Nestes dois dias usei, para o regresso a casa, uma estação de caminho de ferro que nunca uso em início de tarde. E, curiosamente, em ambos os dias, dou comigo a auxiliar cegos, meio perdidos naquela confusão de uma grande estação, com inúmeras escadas e acessos. Auxiliei-os nas suas necessidades imediatas, bem como nas seguintes, acabando por os conduzir a pontos ou lugares bem para além ou ao lado dos meus próprios trajectos.
O que me permitiu manter alguma conversa com eles (dois homens ontem, uma senhora hoje) e que, em circunstâncias normais, poderia acabar com um retrato ou um “olhar”.
Mas, apesar desse contacto de quase uma hora cada, sempre estive com pudor em lhes propor semelhante coisa. Como diabo se lhes pode pedir para fazer uma coisa que eles mesmos não sabem o que é, nem virão a saber?

Se eu fosse pessoa para acreditar num destino pré-concebido, até poderia pensar que estas duas situações incomuns e fortuitas para mim, em dois dias consecutivos, seriam alguma premonição para o fazer. Mas não sei se, amanhã tropeçar noutro cego, terei a coragem ou o atrevimento para lho pedir.

E não! Na imagem não está um cego, ainda que use óculos para ver melhor. Apenas o olhar de um amigo que gostaria de ter agora por perto para lhe perguntar que faria ele nestas circunstâncias.

Platonismo fotográfico



A minha primeira câmara fotográfica digital foi uma Mavica, fabricada pela Sony.
A escolha por esta marca e modelo não foi à toa e, ainda hoje, estou convencido que foi bem feita. Para além de possuir uma objectiva mediana com um bom poder de zoom, tinha também foco manual, condição de base para qualquer câmara que compre.
Mas o principal motivo da escolha, então, foi outro. Ainda que tivesse menor resolução que outras então no mercado, o suporte da imagem era uma disquete de 31/2. E esta era – ainda que já não – lida em qualquer computador, sem necessitar de instalar qualquer software especial. Nos tempos que correm, com os cartões e com os sistemas operativos existentes e o reconhecerem qualquer leitor de memórias, o problema não se põe. Mas, na altura, era complicado.

Claro que uma primeira câmara digital leva a que se façam inúmeras imagens a propósito de tudo e de nada. E se há local onde isso pode ser feito é lá onde trabalho, onde há algum tempo morto, cenários e condições de luz incomuns e gente disposta a ser fotografada ou a partilhar das experiências. Intervenientes e colegas.

Uma ocasião cruzei-me com uma ex-colega. Há muito que não nos víamos mas a relação então mantida foi forte e, apesar dos anos passados, sobreviveram algumas memórias agradáveis.
A meio do jantar, recorda ela que ainda possuía uma fotografia que lhe tinha feito. Estaria ela a comer um gelado mas eu, mais tarde no PC, tê-lo-ei apagado, ficando um retrato invulgar e, segundo ela, engraçado e de guardar.

Admito que não recordava o episódio e que ainda não tive tempo de pesquisar os arquivos para a encontrar. Mas o facto de ter sido recordada pela retratada e de ainda guardar a imagem, leva-me a algumas cogitações.

Será que uma boa fotografia é aquela que mostra o que os olhos vêem?
Será que uma boa fotografia é aquela que mostra impolutamente aquilo que a objectiva projecta no alvo?
Será que a fotografia, mostrando algo de concreto e sendo um retrato, tem que ser objectiva?
Será que uma fotografia que “mente” deverá ser considerada como uma má fotografia ou como uma “não-fotografia”?
Será que eu, ao manipular em laboratório digital a fotografia, estive a fazer algo de diferente daquilo que faço com o enquadramento, deixando de fora deste tudo aquilo que não interessa?
Será que a fotografada, passados todos estes anos, se recordaria ou conservaria uma fotografia feita casualmente em que estivesse a comer um gelado?

Tenho para mim que a fotografia não mente!
Apenas mostra aquilo que o seu autor quis mostrar, directamente da luz para o suporte ou com tratamento pelo caminho. E a uma fotografia não tem que corresponder a realidade objectiva mas antes a realidade subjectiva do fotógrafo e do fotografado. Por que a realidade é apenas aquilo que fizermos dela e nada mais.
Não seria Platão, na sua caverna, um fotógrafo do seu tempo?

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segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Memórias




Recordo, nos idos de ’74 e ’75, de filas intermináveis para abastecimento de combustível. E de pão. E de leite. E, se a memória me não falha, de água, por via de umas “avarias” nas condutas.
Este mapa com a indicação de onde ainda há e já não há gasolina teria sido útil então.
Mas, tal como há quarenta anos, também hoje os açambarcadores estão impunes, sendo eles os responsáveis em parte pela escassez que se sabe.
Só que, obviamente, não se recomenda usar armas de fogo junto de bombas de combustível. É pena.



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Mestres




No âmbito da minha profissão tive três mestres. Curiosamente, todos se chamavam José.
Qualquer um deles era muito bom naquilo que fazia, cada qual de seu jeito e com bases culturais absolutamente distintas: um baseava o que dizia e fazia em conceitos comunicacionais e meio esotéricos, outro tinha uma cultura académica fantástica e o terceiro primava por quase não ter lido um livro sobre o ofício, sendo um intuitivo espantoso.
Mas todos tinham uma característica em comum: modéstia. Modéstia no que faziam, sempre em busca de se superarem; modéstia no que diziam e explicavam, procurando sempre usar o elogio em vez da crítica.
Nunca lhes chamei “mestre” em presença. Rebelar-se-iam e ficariam zangados comigo, ao invés de se sentirem elogiados.

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domingo, 11 de agosto de 2019

Tampas




São aquelas coisas a que não prestamos atenção.
Tal como as pedras da calçada, não olhamos para as tampas que pisamos ao caminhar ou conduzir. E só damos por elas quando primam pela ausência ou quando estão mal assentes, ameaçando um trambolhão.
Acho interessante, para além do que está por baixo de cada uma, o que de cada uma vemos.
É que, sabe quem conduz, o ferro liso é escorregadio. Mais ainda quando molhado. Por isso, quem encomenda deve pedir que a superfície seja rugosa. De algum modo rugosa. A ponto de evitar acidentes.
O que torna a coisa interessante é ver os diversos padrões, decididos ou propostos pelas fundições, ou pedidos por quem encomenda. Isto e as indicações nelas gravadas: desde a identificação daquilo que está tapado, ao fabricante, às especificações técnicas, expressas por códigos… Nalguns casos, as datas de fabrico.
Sugiro que prestem atenção ao local onde põem os pés. Para evitar acidentes e para se divertirem com os detalhes anónimos e ignorados que a civilização produz. Por vezes, pequenas obras de arte, literalmente espezinhadas.



By me

Viva quem faz!



Nome próprio: Vânia
Idade: 23 anos
Sinais exteriores: Mulata, magra, cabelo curto
Sinais interiores: honesta

Como sei eu isto tudo? Porque vi, ouvi e perguntei.
Estava a trocar dois dedos de conversa com uma mocinha amiga, numa lojinha de comes e bebes ali para os lados da gare do oriente, quando ela surge.
Interrompendo a conversa, porque cheia de pressa, vinha devolver cinco euros que tinha recebido em excesso no troco de uma compra, uns vinte minutos antes.
Metediço como sou, meti conversa e soube o que queria saber. Mais não necessitava. Nem mesmo o retrato.
É que, nesta sociedade ego-centrista, exemplares destes são raros. E a melhor, a única, recompensa que ela quis e teve, foi o ver a satisfação da minha amiguinha com o erro corrigido.

By me