Publiquei por aqui esta
imagem há uns tempos.
Coloquei-a no contexto de
uma discussão/conversa sobre a veracidade de algumas fotografias e provoquei
quem a viu a procurar o seu autor, data e demais informação. Aqui fica alguma
coisa sobre ela.
Foi produzida em meados
dos anos 50 do séc. XIX, por Óscar Gustave Rejlander e tem o nome, ao que sei,
de “Two ways of life”.
E não se lhe pode chamar
de “fotografia”. Em boa verdade, entendo-a como “imagem fotográfica”.
Esta diferenciação advém
do facto de cada uma das figuras humanas que aqui vemos terem sido fotografadas
individualmente e posteriormente terem sido essas fotografias justapostas ou
sobrepostas, naquilo a que hoje damos o nome de edição, pós-produção ou
fotomontagem.
A importância desta imagem,
bem como a de tantas outras deste autor e de outros da época (meados do Séc.
XIX) prende-se com o que se queria contar e o contexto cultural da altura.
A fotografia ainda era
técnica recente, sendo que a comunicação visual se baseava na pintura, gravura,
miniaturas, etc. A questão da veracidade da fotografia ainda não se tinha
levantado, sendo que se estava ainda no início de uma outra, estéril, e que
ainda hoje alimenta algumas conversas: arte ou técnica. Na altura a técnica
ainda vencia.
Assim, não sendo
prioritário o assegurar a veracidade do mostrado, havendo o hábito de produzir
e/ou ver representações pictóricas que, mais que fieis, se preocupavam com o
iconografar ideias ou sensações, a fotomontagem era perfeitamente aceitável.
Não se esperava que o mostrado fosse uma “cópia da realidade”.
Torna isto esta imagem
menos importante ou bela? Nada disso, penso eu!
Foi usada para fazer uma
alegoria à vivência humana. Fantasia, baseada em parte nos relatos bíblicos e
na moral vigente, procura à boa maneira da pintura, mostrar contar aquilo que
se quer contar sem imposições técnicas e sabendo que haverá tempo para a
observação e consequentes elacções. Indo mais longe, sabendo que ninguém irá
para ela olhar e sentir-se enganado por falsidades factuais. Bem mais
importante que o representado é o seu significado.
O tempo passou, as
técnicas fotográficas evoluíram e, com elas, a questão da veracidade passou a
ser um tema importante: conta a fotografia a verdade dos factos? Pode ela
falsear o que aconteceu?
A esmagadora maioria do
público que consome fotografia hoje espera ver uma fotografia como uma “cópia
da realidade”. Sabemos que não o é, quanto mais não seja porque apenas
representa um dos cinco sentidos e é bi-dimensional, no lugar de
quadri-dimensional.
Mas o público não espera
ser enganado na factualidade do que lhe é mostrado. A menos que…
A menos que, em olhando
para um trabalho, encontre pistas, sejam quais forem, que lhe digam que não se
trata de uma “fotografia” mas sim de uma “imagem fotográfica”. Por outras
palavras, que aquilo que lhe é mostrado não resulta apenas da acção da luz no
material foto-sensível, mas sim uma alteração da factualidade, inserindo,
acrescentando, inventando ou subvertendo aquilo que a objectiva mostrou.
Trata-se de uma utilização
das técnicas fotográficas perfeitamente aceitável, razoavelmente bem
interpretadas pelo público e sem enganos e subterfúgios.
Claro que quem produz
este tipo de imagens procura, com recurso a todas as técnicas disponíveis,
inventar o todo ou parte do que mostra de modo a que se assemelhe no possível a
uma “fotografia”.
O problema (se algum)
levanta-se na perfeição desse embuste.
Se ele é executado ao
limite, não deixando pista alguma sobre o ser uma “imagem” e não uma
“fotografia”, em sendo descoberto a questão da criatividade, da “arte”, da
capacidade artesanal do seu autor perde-se por completo, sobrevindo apenas o
facto de o público ter sido enganado.
Bem divulgados têm sido
os casos de “imagens” apresentadas como ”fotografias” e que foram denunciadas e
excluídas do contexto pretendido: concursos e imprensa.
Óscar Gustave Rejlander
foi um mestre no que fez. Tal como muitos outros, então e agora.
Não apenas na perfeição
técnica e estética do que produziram, mas porque não se esqueceram da questão
ética, velha de séculos, sobre o que é a “verdade”.
Tenho para mim que uma
excelente, ou mesmo boa, “imagem fotográfica” é aquela que nos consegue enganar
até certo ponto, deixando-nos pistas para o desengano. As que ultrapassam este
limite são embustes, falsidades, mentiras, com as quais não gosto de conviver.
Sugiro que aqueles que se
dedicam a fazer “imagens fotográficas” pensem seriamente nisto: se querem ser
conhecidos por contarem uma história ou uma estória (real ou ficcionada) ou se
aceitam o risco de ficarem com o rótulo de mentirosos. Se preferirem a primeira
possibilidade, sugiro que deixem no vosso trabalho pistas, mais evidentes ou
não tanto, sobre a “não verdade” do que mostram e o se tratar de “imagens
fotográficas”
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