Uma das tiranias da sociedade é o nome.
Os pais, ou os padrinhos, atribuem um nome ao
recém-nascido e é algo que ele carregará até ao fim dos seus dias.
É certo que os humanos precisam de catalogar o que
conhecem. Quer seja por nomes, quer seja por números, querem dar a tudo –
objectos, conceitos, universo – uma identidade própria para que, em a isso se
referirem, esse vocábulo seja inconfundível.
O nome de cada pessoa, memorizado e impresso até à
náusea, fará parte da vida de cada um.
Claro que a escolha do nome de quem chega não é
pacífica.
Há culturas que fazem questão que o nome atribuído
seja o de um antepassado que não tenha mácula. Outras escolhem o nome por
ocorrências ou circunstâncias significativas aquando da concepção ou
nascimento. Pais há que procuram um nome que não esteja (ou esteja) na moda.
Outros que o nome possa ter um diminutivo (um segundo nome) que seja “fofinho”
e agradável de pronunciar. Conheci de perto um idoso que, sendo amiúde
convidado para padrinho lá na sua aldeia, escolhia os nomes dos varões da lista
de mortos da Grande Guerra, que ia riscando à medida que usava para não se
repetir.
No entanto, neste catalogar de crianças, raramente há
a preocupação de saber se o nome atribuído é ou será do agrado de quem o
possui.
Claro que o bebé terá dificuldade, senão
impossibilidade, de se pronunciar. E terá que carregar a escolha de outros para
sempre.
No entanto, há culturas que atribuem ao recém-nascido
um nome provisório. Ele é mantido até que o seu portador atinja uma idade ou maturidade,
convencionada ou reconhecida, para que possa escolher o nome pelo qual passará
a ser identificado. A sistematização de arquivos e tratamento de dados opõe-se
ferozmente a tal prática, que lhes estraga os livros de assentos e registos,
obrigando a correcções e adendas.
O caso mais mediático recente prende-se com identidade
de género que o portador tem e na mudança correspondente. E na idade mínima em
que tal mudança será possível do ponto de vista legal.
E temos ainda, menos formal mas bem mais popular, as
alcunhas. Com base em características físicas ou de comportamento, nem sempre
animadas de boas intenções e muitas vezes com alguma perversidade, são
sugeridos nomes pelos quais os demais identificam o individuo. Muitas vezes nas
suas costas, como se de um insulto escondido se tratasse. E trata.
Tal como há os nomes carinhosos com que o individuo é
tratado no seu círculo mais fechado, onde os afectos são mais fortes e
positivos e onde este “rebaptizar” é aceite e desejado.
E há ainda aqueles que, por este ou aquele motivo,
decidem assumir, mesmo que não legalmente, um outro termo que os identifique. E
têm que se bater para tal, por vezes com atitudes menos cordatas.
Eu sou um destes últimos.
Há quase quarenta anos, e por motivos
político-profissionais, insisti em passar a ser tratado por JC. Não será uma
adulteração, já que se trata de iniciais de nomes que possuo. E, passados
alguns anos e algumas discussões em torno disso, passei a insistir que não
usassem pontos a seguir a cada letra.
Tendo conseguido ser tratado por tal vocábulo, este
deixou de ser um conjunto de iniciais para passar a ser uma identidade
completa, autónoma, fechada.
Apenas nas circunstâncias formais, como registos de
identidade, bancos e afins, sou tratado pelo nome que me foi atribuído à
nascença.
Que, tal como “não fui ouvido do acto de que nasci”
como disse o poeta, me acompanhará como uma sombra.
A vida de cada um, tal como a sua identidade, deverá
depender do próprio. Dos seus actos, dos seus sonhos, das suas decisões. O nome
incluído.
Liberdade também é isto!
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