terça-feira, 30 de abril de 2019

Moto continuo



O Moto Continuo, ou Movimento Perpétuo, é algo que o Homem procura há muito.
Um movimento ininterrupto, sem necessidade de usar energia externa ou combustível, e que esse movimento seja passível de ser usado como forma de energia para uso em prol do Homem.
Claro está que a Ciência tem demonstrado através daquilo que sabe, e de que faz lei, que o Moto Continuo é impossível. Atritos, perdas térmicas e outras minudências técnicas impedem que a energia produzida seja maior que a energia aplicada.
Aquilo que conhecemos de mais próximo ao Movimento Perpétuo será o movimento dos astros e as forças de atracção e repulsão entre eles.
No entanto, julgamos saber que mesmo isso é finito, já que presumimos que toda as estrelas (ou corpos celestes emissores de luz ou outras formas de energia) cedo ou tarde se esgotam e se apagam ou explodem.
Portanto, perpétuo coisa nenhuma. Não há movimentos, e consequentes energias, perpétuos!
Claro que podemos sempre tentar definir o conceito de”perpétuo”: À escala da vida de um ser humano? À escala da existência da humanidade? À escala, calculada, da idade da Via Láctea e do que dela podemos prever que ainda existirá?
Donde, o Moto Continuo ou Movimento Perpétuo não pode existir porque o próprio conceito de “Perpétuo” não passa de um sonho teorizado, derrubado pela especulação científica.
Mas devo confessar que me agrada a impossibilidade da existência do Movimento Perpétuo. Porque se assim é quando aplicado a dois ou mais pedaços de matéria, quiçá energia também, nos referentes espaço/tempo, então o Movimento Perpétuo também não é aplicável ao Homem, porque parte integrante, e não excepção, do universo que conhecemos e especulamos.
E haver movimentos criados pelo Homem que sejam perpétuos é algo que me assusta para além do terror.
Que um movimento que seja perpétuo, seja ele científico, esotérico ou estético, acaba por se tornar numa sensaboria, num conservadorismo atroz, numa situação que, pareça embora uma contradição, não o é: um movimento intelectual perpétuo acaba por se tornar imóvel e imutável, deixando de ser movimento, ainda que perpétuo.
Agrada-me assim, de sobremaneira, que o Movimento Perpétuo não exista. Que o Homem se sinta tentado em quebrar os rumos e impulsos do passado e procurar novas fronteiras, dentro e fora de si, que procure inovar contra todos os que se acomodaram aos pseudo Moto Contínuos criados no pensamento.

Abaixo o Movimento Perpétuo! Acima o fim das coisas e o nascimento de novas ideias. Eu mesmo e o universo incluídos!

By me

domingo, 28 de abril de 2019

Certezas


Das poucas coisas de que tenho certezas, esta é uma delas
Ninguém irá escrever na minha lápide fúnebre “aqui jaz um tipo de bom feitio”!


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Afirmações




O Homem é gregário! Sobre isto não sobram dúvidas. É-o para procurar a força que o grupo dá e é-o para encontrar a segurança que o grupo oferece. E, acessoriamente, é-o porque o Homem é uma animal que comunica e necessita de um igual para comunicar.
Mas o Homem necessita também de se afirmar no grupo em que se insere. Afirmar-se como pertencendo ao grupo e afirmar-se como alguém especial no grupo.
Pouco importa que este grupo seja no campo da política, do desporto, da religião ou filosofia ou das artes. Ele diz que é adepto de, praticante de, crente em e, ao dizê-lo, procura os adeptos de, os praticantes de, os crentes em com os quais se identifica e com quem pode partilhar interesses.
Mas também diz que é o maior adepto de, o melhor praticante de, o mais fervoroso crente em. E fazem-se competições, avaliações, demonstrações para provar que não só se pertence ao grupo como, dentro dele, se é especial.
Há ainda uma outra forma de grupo com a respectiva identificação e consequente tentativa de afirmação no seu seio: a posse! A posse de bens móveis ou imóveis define grupos de possuidores. E o gosto pela posse do possuído ou pela sua utilização. A evidência do indivíduo no meio do grupo de possuidores é aferida pelas qualidades do que se possui: a maior biblioteca, o melhor carro, o luxo da dómus, a tecnologia.

No caso da fotografia sucede o mesmo.
Podem-se considerar dois, talvez três tipos de grupos: os que gostam de ver fotografia e os que gostam de fazer fotografia.
A afirmação individual dentro do primeiro grupo passa pelo conhecimento que se tem sobre autores, técnicas, estéticas e história e pela posse de documentação sobre isso. Quantidade e qualidade: muitos livros, muitas fotografias, trabalhos de mestres, obras de mestres.
Já a identificação e afirmação no grupo dos que fazem fotografia se pode dividir em dois sub-grupos: os que possuem os meios técnicos de a fazer e os que possuem qualidade no que fazem.


Nota intercalar:
A fotografia de Daguérre tal como a imprensa de Gutemberg podem ser – e são – considerados marcos na história da comunicação e do desenvolvimento da humanidade. E se a imprensa veio substituir o trabalho elaborado e elitista dos copistas, fazendo com que a mensagem por códigos-padrão (escrita) fosse acessível a todos e em todos os lugares, a fotografia veio “paralelizar-se” com a pintura no acesso à mensagem gráfica sem códigos-padrão (imagem).
Simplificou os processos de produção da imagem, passando a ser possível a qualquer um a sua produção e globalizou o seu consumo, passando a ser possível um sem-número de exemplares, fiéis entre si, todos originais (ao invés da pintura), e fora dos museus e galerias privadas.
Indo mais longe, e com a simplificação das técnicas fotográficas, deixou de ser necessário ser-se um especialista para produzir fotografias. A indústria evoluiu no sentido de deixar ao consumidor apenas o trabalho de apontar e premir o botão, deixando o trabalho monótono e elaborado da revelação e impressão para os laboratórios e técnicos especializados.
Actualmente, com os suportes digitais, mesmo aqueles estão quase que condenados à extinção, já que câmara e computador pessoal se completam.
Acontece que a simplificação dos processos elaborados (hardware) não veio alterar profundamente os processos intelectuais (software) da criação da imagem.
Continua a ser necessário “Pensar” na imagem, imaginar o resultado final, saber-se o que se quer mostrar ou contar, conhecer como transformar a tridimensionalidade e os cinco sentidos na bidimensionalidade e na exclusividade da visão. E, neste campo, não há tecnologia que simplifique. Há que pensar e sentir, mesmo que não se pense ou sinta que se está a pensar ou sentir.
E não nos enganemos: Isto dá trabalho! Muito trabalho! É a tentativa e erro, é o estudo, são as inúmeras frustrações por cada satisfação, é a paciência, é a pré-disposição diária para o fazer…
Mas se pensarmos um pouquinho no comportamento humano chegamos à conclusão que o bicho-homem não gosta de trabalhar. Toda a evolução das civilizações e das técnicas foi e é no sentido de facilitar as tarefas, de minimizar o esforço, de aumentar a satisfação. Fotografia incluída!
Donde a lei, quase universal, do menor esforço não se coaduna com o trabalho físico e intelectual. Aquilo que se procura – uma forma fácil e sem esforço de fazer fotografia – é quase uma impossibilidade!

Temos assim que, no grupo humano dos fotógrafos, a evidencia do individuo se torna difícil porque trabalhosa.
Mais ainda, esta evidência não depende apenas do esforço do próprio mas também (e muito) do reconhecimento que o grupo lhe dá. Não basta fazer fotografias que agradem ao próprio: Têm que agradar ao grupo dos fotógrafos.
Mas o conceito “Agradar” é particularmente variável. Depende das correntes estéticas em voga, depende da opinião dos lentes académicos e daquilo que o mercado e negócio impõe.
Desta forma, aqueles que fotografam para “agradar”, que procuram o destaque no grupo, estão dependentes das variações culturais e das opiniões de quem influi. O ser-se bom não depende apenas do esforço próprio.
Resta assim, àqueles que se querem evidenciar na fotografia e que não conseguem ser reconhecidos pela sua actividade, gritarem bem alto “Eu posso fazer porque tenho a melhor ferramenta!”
Deixou de ser uma afirmação no grupo pelo desempenho para passar a ser pela posse. E esta, porque material e mensurável, é comparável. E o que tiver a câmara mais sofisticada, a objectiva mais potente ou luminosa ou o laboratório ou PC mais completo é um “mais” no grupo. Afirma-se como elemento de destaque!

Claro que, no meio desta análise bastante cínica e materialista, quiçá minimalista, falta incluir alguns elementos da espécie humana: aqueles que, pertencendo a um grupo, não se preocupam em o ser ou em serem especiais no seu seio.
São aqueles que fotografam apenas e só porque lhes dá prazer fazê-lo e não para reconhecimento no grupo dos que fotografam. E para quem o reconhecimento é um factor acessório e não vital. Usam a fotografia como forma de expressão pessoal como outros fazem com a escrita, a pintura e outras “artes” E se os outros gostam ou não, problema deles. E, muito naturalmente, não se preocupam em se afirmarem pela ferramenta que possuem!
Alguns desta categoria obtêm do grupo – e da humanidade – o reconhecimento de qualidades. Alguns mesmo acabam por tirar proveito disso, já que conseguem juntar a actividade que lhes agrada com a actividade que lhes dá o sustento.
Alguns outros só tarde na vida, senão mesmo depois de mortos, são objecto desse reconhecimento de qualidade.
A uns e outros, é dada a categoria de mestria!

E, em chegando a este ponto e porque mais não me apetece escrever por agora sobre o tema (e muito haveria para dizer), resta-me deixar uma afirmação:
Nenhum daqueles que são considerados “Bons fotógrafos”, façam ou não disso o seu objectivo ou ofício, o conseguiram sem muito trabalho. E sem conhecerem, em profundidade, o mundo e o Homem!


Imagem: “Um homem de caridade”, by Eugene Smith
 By me

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Oráculo radical



Vivemos num mundo de imagens. Algumas bem claras e inequívocas, como a fotografia, o cinema e o vídeo. Outras, meros códigos ou convenções, como os sinais de trânsito ou os ícones informáticos. Outras ainda de interpretação nem sempre imediata, como é o caso dos logótipos comerciais.
De uma forma ou de outra, este produzir e consumir imagem tem por objectivo a simplificação da comunicação. Dentro da linha de “uma imagem vale mil palavras!”
E a evolução e a complexidade da tecnologia também assim o impele e obriga. Quem se recorda, no caso dos computadores das linhas de comando complexas, com palavras, letras e sintaxe rigorosas? Hoje o consumidor banal desconhece-as, usando tão só imagens e códigos visuais coloridos. Tal como noutras máquinas, os painéis de controlo são essencialmente compostos de símbolos e ícones, no lugar de palavras ou letras. Gradual mas firmemente, a imagem vai substituindo a palavra escrita.
E se isto sucede nos comunicadores formais de grande volume (industriais, media, audiovisual), sucede também com os comunicadores de pequeno porte mas a quem se destinam os primeiros: os consumidores individuais.
A tecnologia da imagem (fotografia, vídeo, infografismo) está ao alcance de quase qualquer um nas sociedades ocidentais, sendo que a sua posse e uso se torna quase que um símbolo de posição social, tal como o automóvel ou a marca de roupa que se veste.
A própria comunicação escrita convencional – a palavra – está a sofrer mutações. A técnica vai permitindo substituir as palavras e letras por símbolos gráficos – ícones de emoção, animados ou estáticos. Ou, mais simples ainda e menos tecnológico, a quantidade de letras usada na escrita vai diminuindo, com siglas, contracções e aglutinações.
De uma forma ou outra, a sociedade tecnológica e de consumo em que vivemos nos chamados “países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento”, a palavra escrita vai definhando em favor da imagem ou do grafismo visual.
Indo ainda mais longe e fazendo futurologia radical, estou em crer que dentro de algumas gerações (quatro, cinco, seis?) a escrita como a conhecemos hoje será um atavismo, usada apenas por lentes e estudiosos. Talvez também em documentos formais ou oficiais.
Esta hipotética evolução que antevejo não é nem boa nem má: é evolução. Mudanças nos hábitos e culturas, levadas a cabo pela tecnologia e globalização, tal como os copistas monásticos e o iluministas o foram com o advento da imprensa.

Mas, no meio de tudo isto, nesta sociedade em mutação baseada na imagem e comunicação, falha um aspecto vital: a preparação dos cidadãos.
A formação académica de base, de crianças e jovens, baseia-se nas letras e palavras, que ainda é a base actual da comunicação.
Mas não os prepara para saberem produzir ou consumir imagens. Prepara-os para saberem interpretar um texto escrito (por um romancista, jornalista ou um formulário) mas não para saberem ler uma fotografia, interpretarem um filme ou vídeo, descodificarem publicidade. E se não o souberem ler, interpretar, descodificar, serão estes, agora jovens, futuros adultos analfabetos. E serão alvos fáceis para os que, em sabendo-o, usem desse conhecimento em favor dos seus interesses económicos, políticos, ideológicos de qualquer género.
A cultura dos códigos iconográficos e da imagem está já aí! Sem que a maioria de nós de tal se aperceba. E um povo ignorante, inculto, desatento, é o sonho de qualquer governante, magnata ou líder religioso: dócil e obediente!

By me

quinta-feira, 25 de abril de 2019

"Esquecimentos"




No jornal Diário de Notícias leio que:
“Cavaco Silva faltou à sessão parlamentar solene com que os deputados celebram a revolução dos cravos, ao contrário de Ramalho Eanes e Jorge Sampaio, ambos acompanhados das respetivas mulheres.
Das personalidades convidadas para a sessão, destaca-se também a ausência de todos os ex-primeiros-ministros, de António Guterres a Durão Barroso, passando por Pedro Santana Lopes e José Sócrates.”
Prima pela ausência na notícia o anterior primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.
Uma de três conclusões se pode tirar: Ou bem que ele não foi convidado, ou bem que esteve presente e esteve presente um ex-primeiro-ministro, ou bem que o articulista se “esqueceu” de o incluir.
Em qualquer dos casos é grave!
Gostemos ou não do homem e do seu trabalho, a verdade é que foi primeiro ministro de Portugal e que deveria ser referido, já que o texto fala em “todos os ex-primeiros-ministros”.
Se não foi convidado é ainda mais grave, já que se trata de uma quebra no protocolo e não fará sentido convidar todos os outros e exclui-lo.
Gostemos ou não do homem.
E eu não gosto dele.


By me

Sobre o dia de hoje



No constante fazer de imagens do quotidiano, as que são normais, regulares, habituais, vão-se desvanecendo, como papel fotográfico mal fixado, restando delas contornos vagos e imprecisos.
Do que recordo de há 45 anos, para além da festa da revolução por si mesma (o fim da guerra, da censura, da ditadura, da polícia política) ficam as imagens da festa do quotidiano!
Cada dia era um dia, razoavelmente imprevisível e em que as suas consequências dependiam, em boa parte, do que fizéssemos. Não deixávamos o futuro em mãos alheias e intervínhamos, a cada passo, nos que a nós dizia respeito e no que ao colectivo tocava.
Construíamos! Debatíamos! Sonhávamos! Fazíamos!
É esse espírito de construção permanente, de almejar mais e melhor e de fazermos por isso (sem esperarmos que outros o fizessem por nós nem para eles passássemos as responsabilidades de tal) que recordo com mais força. São fotografias perfeitamente impressas e fixadas que jamais se desvanecerão. Apesar dos aspectos negativos (que os houve) que aconteceram então e que ainda hoje marcam parte da nossa vida.
No espelho do tempo vejo aquilo que agora faço porque aconteça: intervir na sociedade, estando lá de corpo e alma, melhorando o que de menos bom vamos tendo e celebrando o que de alegre e positivo existe.
Mas quando olho para trás e para o lado, lamento sinceramente que esta atitude interventiva, que então grassava, se tenha desvanecido, qual imagem velha e mal cuidada.
Quando, daqui por 45 anos, olharmos para as imagens deste tempo que vivemos, o que sobrará serão imagens cinzentas ou amareladas, mal fixadas e amarfanhadas.
Por que nesta sociedade, a alegria de ser passou a alegria de ter. E o consumismo dos tempos que correm transforma de um dia para o outro a novidade em velharia, pouco restando para recordar.
As fotografias que então fizemos com a alma repassam no tempo. As que hoje vamos fazendo, porque virtuais e efémeras, não sobreviverão à vertigem das novas novidades para consumir!

By me

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Chuva




Em tempos a simples posse de uma câmara reflex com uma objectiva “comprida” dava um certo status de “profissional”.
Foi por causa disso que me ajudaram a subir para o palco enquanto chovia e pude fazer esta fotografia. Num tempo em que se contavam as fotografias, que o rolo só tinha 36 exposições. Trinta e oito, se soubéssemos aproveitar ao carregar a câmara.
Hoje não seria possível acontecer o mesmo.
Por um lado porque qualquer um tem uma objectiva “comprida”. E se se fosse dar uma “mãozinha” a todos não haveria espaço no palco para os discursantes.
Por outro, e bem mais importante, porque se chover as pessoas não se manifestam. Seria impensável considerar que se poderia juntar uma multidão como esta numa tarde de mau tempo.
O conformismo e os protestos de sofá só muito dificilmente juntam pessoas a lutar ou protestar. E, se chover, sempre há as redes sociais, onde se afirma que se comparece mas não se sai de casa. E os canais de filmes e séries, muito mais interessantes que uma molha na rua.
Recordar e celebrar é importante. Também para isso serve a fotografia.
Mas enquanto apenas se celebrar e recordar a fotografia é inútil.
Tão inútil quanto os protestos de sofá, a seco.



By me

terça-feira, 23 de abril de 2019

Tuuuuuuuuuuuuuuuuu



O texto que se segue não é meu.
Foi descaradamente roubado do blogue “Vida de casado”, cuja última entrada foi em Janeiro de 2013 e que foi iniciado em 2004.
Sugiro que o procurem e se deliciem. E, enquanto tal não sucede, aqui fica um aperitivo, algures lá do meio:

“Mas quando é que me põem na lista negra?

- Está? É da casa do senhor Luis?
- Um momento se faz favor. – responde a minha mulher – Toma é para ti. – diz-me ela, passando-me o telefone com um sorriso do tipo: “Toma lá, para ver se não voltas a olhar para certos decotes, quando vais almoçar comigo.”
- Professor Doutor Luis Miguel, faça favor de dizer. - digo para o telefone.
- Senhor Doutor Luis ?
- Professor Doutor. – corrijo eu.
- Olhe Sr. Professor Luis ...
- Professor Doutor, se faz favor. – volto a corrigir.
- Não pode ser só um deles? – pergunta timidamente.
- Não. – respondo secamente.
- Peço desculpas, Srº Professor Doutor Luis Miguel.
- Pode ser só Professor Doutor.
- Ok. Professor Doutor. Nós estamos...
- Professor Doutor Luis Miguel.
- (primeiro suspiro) Professor Doutor Luis Miguel.
- Sim, sou eu.
- Chamo-me Sara, e estou a telefonar-lhe porque tenho uma oferta para si.
- Estava a brincar.
- Desculpe?
- Estava a brincar consigo.
- Desculpe, mas não estou a perceber.
- Aquilo do Professor Doutor, era eu a reinar consigo.
- (riso forçado) Que engraçado, Srº Luis .
- Pode-me tratar por papá?
- Como????
- Papá. Pode ser? Papá Luisinho .
- Está a brincar, não está? 
- Não lhe custa muito, pois não? É só um favor que lhe estou a pedir. – digo eu ofendido.
- Mas....o senhor está a brincar, não está?
- Vá lá . O que lhe custa? Olhe, dou-lhe 5 euros.
- Srº Luis , eu...
- Papá Luisinho.
- (segundo suspiro) Eu tenho uma oferta muito séria para lhe fazer.
- Não disse as palavras mágicas.
- Por favor?
- Não. Papá Luisinho.
- Mas olhe que o que lhe tenho para dar é um produto de elevada qualidade e......
- Não estou a ouvir nada. – interrompo eu.
- (terceiro e o mais profundo suspiro) Não está aí mais ninguém com quem eu possa falar?
- Está, mas não passo. – respondo - A não ser que me chame papá. Afinal, o que lhe custa? (pausa) Se o fizer, eu depois ouço o que tem para me dizer com toda a atenção.
- (pausa com suspiro)
- Vá. Vamos começar do início. – digo eu – Está sim? Faça o favor de dizer.
- (pausa)
- Está sim? - repito.
- Pa ... pap ...(suspiro)
- Siiim !? - insisto.
- Papá Luis. Tenho uma oferta para si.
- NÃO É PAPÁ LUIS. É PAPÁ LUISINHO ... PORRA PÁ, CUSTA MUITO, CUSTA??? (fungadela) VOCÊ É UMA INSENSÍV ....(fungadela) JÁ NÃO QUERO MAIS FALAR CONSIGO. PASSE-ME JÁ A SUA SUPERVISORA. (fungadela) - grito.
- Mas....mas...o que....mas que raio....mas só me aparecem malucos.
- NÃO PIORE A SUA SITUAÇÃO. QUERO FALAR IMEDIATAMENTE COM A SUA SUPERVISORA. - exijo eu.
- (pausa prolongada) Boa noite. Fala Gertrudes. Faça favor de dizer. – diz uma voz ríspida.
- Muito boa noite. Seria possível saber onde é para ir buscar a minha oferta? A Sara não me quis dizer.
- Desculpe? Não lhe disse onde podia ir levantar a sua oferta? – diz com uma voz mais descontraída.
- Não. Mas se não acredita em mim, pergunte-lhe.
- Não. Claro que não é preciso perguntar. Eu tratarei agora pessoalmente do seu caso.
- Finalmente uma pessoa com quem se pode falar.
- Com certeza. Então dá-me licença que o informe sobre a nossa oferta?
- Claro que sim, mas.....peço desculpa pelo atrevimento e espero que me perdoe se eu estiver a ser inconveniente, mas....é senhora ou é menina?
- (pequeno riso) Bom, não está a ser inconveniente. É menina. Mas vamos então à nossa oferta.
- Olhe menina Gertrudes, eu vou ser sincero consigo. Eu sou uma pessoa humilde, criado no campo, no meio dos animais. Subi na vida a pulso. Hoje sou um homem de posses. Tenho hectares e hectares de terrenos. Vacas, ovelhas, bichos que nunca mais acabam e adoro cada um deles. Tenho tudo o que quero da vida. Aquilo que eu não tenho, é porque não me interessa. Só há algo que eu ainda não encontrei: o amor de uma mulher. Isso é que me faz falta....A Sara é boa moça, mas nota-se que ainda não tem aquela experiência de vida que faz da Gertrudes aquilo que é: Uma Mulher.... Notei logo no seu tom de voz, que existia algo em si de especial (pausa) Já percebeu que não quero saber da oferta, agora.... se a Gertrudes não achar que estou a abusar, e me ceder uns minutos do seu tempo para um pequeno encontro....um café, num sitio público claro. O que me diz?
- (pausa)
- Só mais uma coisa.
- Sim, diga.
- Gosta de sexo com animais? – pergunto timidamente.
- tuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu

Nota: Tenho que confessar que depois de me desligar o telefone, fiquei a pensar que poderia ter magoado a moça, mas as gargalhadas que a minha mulher deu durante o resto da noite fizeram-me esquecer rapidamente esse pequeno pormenor. E sim, fazer rir uma mulher continua a ser o melhor afrodisíaco que conheço.”

By me

A mão que



Se para alguma coisa servem as celebrações, para além de alegria, é para aprendermos com o passado. E é bom que tu, pah, penses no que fizeste ou deixaste fazer para que, nestes quarenta e cinco anos, passasses de um acreditar no futuro para um apenas celebrar o presente “inevitável” que construíste.
E não me digas que a culpa é deles, pah: a mão é tua! A que segura o cravo, a que empunha a bandeira, a que bate palmas.

Mas pah: também é tua a mão que se confina nos bolsos, que prime as teclas, que não segura a coronha.

By me

segunda-feira, 22 de abril de 2019

M de mau feitio



Alguém me recordou um episódio já com alguns anos.
Aqui fica o que então escrevi:


Raios me partam! Sou curioso, tenho nariz comprido e mau feitio!
Tudo isto junto deu direito a…
Eu conto:

Quatro e muito da tarde e decido ir às compras. Costuma ser uma hora simpática, que quem está em casa já foi, quem está a trabalhar ainda não foi… é uma hora simpática e a tarde estava agradável.
No caminho senti uma certa larica e decidi andar um pouco mais e ir trincar qualquer coisa ao fast-food do bairro. 
Já estava sentado a dar ao dente e duas funcionárias dão uma volta pela sala: uma vestida como gerente, ou chefe de turno ou o que quer que seja, e a outra com o uniforme igual às demais que ali trabalham. 
Esta última vinha atrás limpando as mesas que a primeira lhe ia indicando. Comecei por achar estranho, como se não fosse fácil de ver quais a que precisavam de ser limpas, mas não era nada comigo.
O seu périplo pelas mesas terminou ao lado de uma junto à minha e ouvi a mais graduada dizer para a outra:
“Pronto, já chega. Se está na tua hora, podes ir.”
E a outra a responder:
“Obrigado.”
Foram lá para dentro, mas aquilo ficou a ferver cá por dentro. Aqueles dois tons de voz… A ferver mesmo, daquele ferver de raiva que se nada fizesse, mesmo não sendo comigo, explodiria. Não explodi!

Estava mesmo a acabar de comer, e passa uma outra que já conheço dali, bem disposta e humorada. Chamei a sua atenção e perguntei-lhe pela outra, pela graduada. Se ainda estaria e se eu poderia dar-lhe uma palavrinha. Estava, podia e foi chamá-la.
Quando chegou, sentou-se a convite e desbobinei!
Ninguém é dono de ninguém e, garantidamente, ninguém precisa de autorização especial para sair aquando do fim do horário. Na melhor das hipóteses, em chegando ao fim do horário e se for necessário algo mais, haverá que pedir para ficar e ser feito. Agora autorizar a saída porque acabou o tempo regulamentar… Ninguém é dono de ninguém!
E acrescentei que me tinham doído fundo as suas palavras, tal como o tom de submissão do “obrigado” que havia ouvido. E ainda lhe disse que aquele “obrigado” a seguir àquela “autorização” ainda um dia se haveria de voltar contra ela, já que não parecia haver ali um espírito de equipa mas um comando incisivo e uma obediência submissa. 
E mais: que o facto de mesmo que aquelas moças e moços que ali estão estarem com contratos a prazo, sempre na esperança de serem renovados e de não irem para o desemprego, não davam o direito a assim ser tratados, como servos da gleba. E que aquela porta que é, todos os dias, a de entrada antes do horário e a de saída depois do horário, também é a de saída a meio do horário, em querendo, e deixando-a - a ela - em maus lençóis.
E fui mais longe: que se fosse eu o subordinado – eu que em termos profissionais sempre o fui – ela estaria “tramada”, que nem sei bem como lhe responderia. E contei-lhe um ou dois episódios da minha própria vida laboral em que atitudes como a dela tiveram as respostas que dei e as reacções que tive. 
A tal “chefe de turno” ou de “sala” ou o quer que fosse olhava para mim de olhos muito abertos. Talvez ainda não tenha trinta anos, estava no posto há pouco mais de quatro meses (contou-mo quando a minha raiva se acalmou) e abanava a cada argumento meu. 
Acredito que nunca ninguém lhe tivesse explicado, a sério, a diferença entre chefiar e liderar, nem que as frases, por vezes sem intenções escondidas ou conscientes, magoam mais que certos gestos ou actos. E que aquelas e aqueles assim tratados não lhe dariam apoio extra vital num momento de necessidade especial. 
Que o chefe é para “abater”, enquanto que o líder é para seguir. 
Foram bem mais de vinte minutos de conversa, em tom baixo e ao abrigo de ouvidos indiscretos (que faço questão de fazer elogios públicos mas privadas críticas), mais de metade dos quais já com a minha raiva acalmada.

Já cá fora e a solo, aspirei fundo o fumo do cigarro tranquilizador que tanta falta me estava a fazer.
Não sei se a mocinha de facto entendeu a minha mensagem. Espero bem que sim porque se a voltar ver a ter um comportamento destes, mesmo que sem más intenções, a conversa não será em privado, sob os olhares distantes e curiosos das outras funcionárias que já me conhecem há que tempos.

Raios me partam! Tenho mau feitio e nem sempre tiro dividendos dele. Mas não posso ver atitudes destas e ficar indiferente!

By me

Direitos e deveres



Esta fotografia tem já mais de uma dúzia de anos.
Tive que recorrer ao EXIF para obter alguns dados técnicos a seu respeito.
A câmara foi uma DSLR Pentax K100d, com uns hoje considerados pobres 6 megapixel. Com um valor ISO de 800 e um tempo de exposição de 1/90.
Não tenho indicação da abertura, o que me leva a concluir (e pelo que sei da minha prática então e agora) que foi usada uma 400mm com um anel de extensão variável para poder ter foco a curtas distâncias. E com recurso a um mono-pé, para estabilidade adicional.
Isto implicou (e implicaria hoje) o recurso a exposição manual, tal como focagem manual. Mesmo que o despolido não possua “split screen” ou micro-prismas. Já a exposição aconteceu baseada na leitura da câmara e respectiva análise e compensação, considerando as áreas claras e escuras no enquadramento.
Tudo isto são deduções baseadas nas informações técnicas da imagem e na minha prática habitual.

Mas aquilo que sei, sem necessitar de recorrer a nenhum arquivo ou informação escondida, é que foi feita sem afectar de forma alguma o insecto.
Ou uma flor, se fosse esse o caso.
Em nenhuma circunstância me arrojo o direito de matar ou mutilar um ser vivo, animal ou vegetal, para meu deleite fotográfico.
Não preciso de EXIF’s para o saber.
O universo, nas suas diversas formas e aspectos, merece e tem direito ao mesmo respeito e cuidado que exijo para mim. E para mim quero vida e liberdade.

E se melhor eu não for capaz de fazer, isso será problema meu e nunca daquilo que fotografo.

By me

domingo, 21 de abril de 2019

Liberdade




Uma das tiranias da sociedade é o nome.
Os pais, ou os padrinhos, atribuem um nome ao recém-nascido e é algo que ele carregará até ao fim dos seus dias.
É certo que os humanos precisam de catalogar o que conhecem. Quer seja por nomes, quer seja por números, querem dar a tudo – objectos, conceitos, universo – uma identidade própria para que, em a isso se referirem, esse vocábulo seja inconfundível.
O nome de cada pessoa, memorizado e impresso até à náusea, fará parte da vida de cada um.
Claro que a escolha do nome de quem chega não é pacífica.
Há culturas que fazem questão que o nome atribuído seja o de um antepassado que não tenha mácula. Outras escolhem o nome por ocorrências ou circunstâncias significativas aquando da concepção ou nascimento. Pais há que procuram um nome que não esteja (ou esteja) na moda. Outros que o nome possa ter um diminutivo (um segundo nome) que seja “fofinho” e agradável de pronunciar. Conheci de perto um idoso que, sendo amiúde convidado para padrinho lá na sua aldeia, escolhia os nomes dos varões da lista de mortos da Grande Guerra, que ia riscando à medida que usava para não se repetir.
No entanto, neste catalogar de crianças, raramente há a preocupação de saber se o nome atribuído é ou será do agrado de quem o possui.
Claro que o bebé terá dificuldade, senão impossibilidade, de se pronunciar. E terá que carregar a escolha de outros para sempre.
No entanto, há culturas que atribuem ao recém-nascido um nome provisório. Ele é mantido até que o seu portador atinja uma idade ou maturidade, convencionada ou reconhecida, para que possa escolher o nome pelo qual passará a ser identificado. A sistematização de arquivos e tratamento de dados opõe-se ferozmente a tal prática, que lhes estraga os livros de assentos e registos, obrigando a correcções e adendas.
O caso mais mediático recente prende-se com identidade de género que o portador tem e na mudança correspondente. E na idade mínima em que tal mudança será possível do ponto de vista legal.
E temos ainda, menos formal mas bem mais popular, as alcunhas. Com base em características físicas ou de comportamento, nem sempre animadas de boas intenções e muitas vezes com alguma perversidade, são sugeridos nomes pelos quais os demais identificam o individuo. Muitas vezes nas suas costas, como se de um insulto escondido se tratasse. E trata.
Tal como há os nomes carinhosos com que o individuo é tratado no seu círculo mais fechado, onde os afectos são mais fortes e positivos e onde este “rebaptizar” é aceite e desejado.
E há ainda aqueles que, por este ou aquele motivo, decidem assumir, mesmo que não legalmente, um outro termo que os identifique. E têm que se bater para tal, por vezes com atitudes menos cordatas.

Eu sou um destes últimos.
Há quase quarenta anos, e por motivos político-profissionais, insisti em passar a ser tratado por JC. Não será uma adulteração, já que se trata de iniciais de nomes que possuo. E, passados alguns anos e algumas discussões em torno disso, passei a insistir que não usassem pontos a seguir a cada letra.
Tendo conseguido ser tratado por tal vocábulo, este deixou de ser um conjunto de iniciais para passar a ser uma identidade completa, autónoma, fechada.
Apenas nas circunstâncias formais, como registos de identidade, bancos e afins, sou tratado pelo nome que me foi atribuído à nascença.
Que, tal como “não fui ouvido do acto de que nasci” como disse o poeta, me acompanhará como uma sombra.

A vida de cada um, tal como a sua identidade, deverá depender do próprio. Dos seus actos, dos seus sonhos, das suas decisões. O nome incluído.
Liberdade também é isto!

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Não!




Não!
Pouco me importa a cor política. De um extremo ao outro, passando por todos os intermédios.
O uso de uma fotografia, uma famosa fotografia, com textos sobrepostos e sem referência ao autor é uma apropriação do trabalho de outro.
Indo mais longe, ao acrescentar-lhe texto, estará a subverter-se o sentido original do trabalho, impondo outras leituras que poderão nem nunca ter estado na mente de quem criou.
O mesmo se aplicará a outro tipo de trabalhos criativos. E recordo que compositores e intérpretes se opuseram à utilização de músicas suas pela campanha eleitoral de Donald Trump.
Não é o facto de o fotógrafo – Robert Doisneau – estar morto desde 1994 que dá liberdade de usar inconsequentemente o seu trabalho.
Só há algum tempo se soube que esta imagem não foi casual nem se trata de um casal “apanhado” na rua. Serão actores contratados por ele para se movimentarem naquela praça, sem grandes indicações sobre o que fazerem, e que na sua representação se beijaram, ficando o registo por parte do fotógrafo.

O seu a seu dono! E incomoda-me que se apropriem da criatividade de alguém para levarem a água ao seu moinho, sem sequer referirem o autor.


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sexta-feira, 19 de abril de 2019

Um tributo



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Provocações



Não tenho grande paciência para aqueles que passam o tempo a enaltecer as novidades no campo da captação de imagem (fotografia ou vídeo) e que, no fim de contas, não sabem contar uma história, não conseguem pôr o público a sonhar nem são capazes de serem fiéis ao que acontece em frente da objectiva.
No lugar de sonharem com o que não têm, saibam fazer um enquadramento que conte a história que querem contar; saibam tirar partido da luz que existe ou ajustá-la ao que imaginaram; saibam escolher a perspectiva que conduza (ou desvie) o olhar daquilo que se quer (ou não quer).
A maior parte dos que passam o tempo a “babarem-se” com as novidades são os que não têm um pingo de criatividade e são incapazes de tirar partido do que possuem.

Ou é necessário uma caneta com aparo de ouro para escrever um bom romance?

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quinta-feira, 18 de abril de 2019

Eu (não) gostaria



Eu não gostaria de viver numa casa com um muro assim encimado!
Eu não gostaria de viver numa zona em que as casas estivessem assim cercadas!
Eu não gostaria de viver preso na minha própria casa!

Eu gostaria de viver!

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Exercício de estilo




Éramos três e todos ligados à fotografia, ao vídeo e TV e à escrita.
Das várias coisas que então partilhámos, e já lá vão vários lustros, recordo um exercício de criatividade, sugerido já não sei por quem.
Cada um de nós entregava a um dos outros uma fotografia feita por si e da sua escolha. Passado algum tempo, suponho que quinze dias, mas não garanto, cada um apresentava ao terceiro a fotografia acompanhada de um texto, entretanto escrito. Novo ciclo de tempo e a foto e o texto eram entregues de novo ao primeiro, agora com uma nova fotografia a acompanhar. E quem recebia teria de novo um tempo limite para fazer um novo texto. E por aí fora até que algum de nós dissesse sobre o que tinha na mão: “Está completo! Não lhe acrescento nem uma virgula ou halogeneto de prata”!
O exercício terminava aqui com três conjuntos de fotografias e textos evolutivos e de criação colectiva.
Nem para o texto nem para a imagem havia restrições. Poderia ser uma palavra, uma frase, um poema ou várias páginas de escrita “caótica”. E poderia ser em cores ou preto e branco, positivo, negativo ou diapositivo, fosse qual fosse o tamanho apresentado.
A Terra rodou muitas vezes, e as nossas vidas também. Se eu sou um orgulhoso e satisfeito operador de imagem vídeo, outro é o proprietário de uma produtora de vídeo e o terceiro foi um notório realizador de TV lá para os antípodas.
Mas certamente que este exercício de estilo, esta diversão de comunicação de ideias e saudavelmente exigente, tê-los-á marcado como a mim.
Ainda hoje as imagens me provocam palavras, as palavras sugerem imagens e ambas as situações me levam a emoções.
E continua a ser um exercício interessante, ainda que agora a uma só voz, manter diariamente a relação palavra/imagem e imagem/palavra. Conseguir a ilustração certa, por vezes com tempos reduzidíssimos, ou a verborreia adequada a algo que vi e registei, consegue manter-me acordado e alerta, mesmo nas ocasiões mais apertadas.
Se o resultado é bom ou mau? Não sou juiz em causa própria, mas são incontáveis as vezes em que penso que poderia ter feito ou abordado o tema de outra forma

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quarta-feira, 17 de abril de 2019

Problemas




No anúncio televisivo, ele fala em “motor de arranque”.
Estou em crer que hoje, e nos próximos dias, o problema será mesmo falta de combustível.


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Tântrico




Há uns anos valentes, em Mérida, Espanha, constatei que o teatro romano foi, ao longo dos séculos, objecto de pilhagem nas suas pedras das bancadas.
Será um crime de património, à luz do pensamento actual, mas há uns séculos era o natural: aproveitar os materiais existentes.
Mas o turismo e a cultura fizeram recuperar essas ruínas. E, para as tornar mais atraentes e elucidativas, fizeram algo de inteligente: onde faltavam pedras nas bancadas colocaram material sintético, fibra de vibro ou semelhante. Resistente às intempéries, não confundível com os blocos de pedra originais. Pelo menos de perto, a meia dúzia de metros. Não tentaram enganar os visitantes, mostrando mateiais que não tinham sido usados há uns bons séculos.
Mas, vista a bancada de longe, do palco ou a mais de meia dúzia de metros, fica-se com a sensação do que era então. Consegue-se ver o que na época de Roma se via e vivia, mantendo até as características sonoras. Não “enganando” os visitantes, conseguiram uma abordagem em que a destruição não é a tónica dominante.
Espero que com a recuperação da catedral de Notre Dame, monumento maior de Paris e da arquitectura Gótica, façam algo de parecido: recuperem, transmitam a sensação geral, mas não tentem enganar os vindoiros com materiais e formas não originais fazendo de conta que o são.
O próprio incêndio fará parte da história (faz parte já) e subverter a veracidade dos factos e das obras não é algo que se recomende.
“Penso eu de que”.

Imagem: “Tântrico”, algures perto de um miradoiro, Lisboa

Sente-se




Uma amiga virtual publicou e recordou-me este magnifíco texto de Bertolt Brecht.
Os meus agradecimentos.


Sente-se.
Está sentado?
Encoste-se tranquilamente na cadeira.
Deve sentir-se bem instalado e descontraído.
Pode fumar.
É importante que me escute com muita atenção.
Ouve-me bem?
Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo.

Você é um idiota.
Está realmente a escutar-me?
Não há pois dúvida alguma de que me ouve com clareza e distinção?

Então
Repito: você é um idiota.
Um idiota.
I como Isabel, D como Dinis, outro I como Irene, O como Orlando, T como Teodoro, A como Ana.
Idiota.

Por favor não me interrompa.
Não deve interromper-me.
Você é um idiota.
Não diga nada. Não venha com evasivas.
Você é um idiota.
Ponto final.

Aliás não sou o único a dizê-lo.
A senhora sua mãe já o diz há muito tempo.
Você é um idiota.
Pergunte pois aos seus parentes
Se você não é um I.
Claro, a você não lho dirão
Porque você se tornaria vingativo como todos os idiotas.
Mas
Os que o rodeiam já há muitos dias e anos sabem que você é um idiota.

É típico que você o negue.
Isso mesmo: é típico que o I negue que o é.
Oh, como se torna difícil convencer um idiota de que é um I.
É francamente fatigante.

Como vê, preciso de dizer mais uma vez
Que você é um I.
E no entanto não é desinteressante para você saber o que você é
E no entanto é uma desvantagem para você não saber o que toda a gente sabe.
Ah sim, acha você que tem exactamente as mesmas ideias do seu parceiro.

Mas também ele é um idiota.
Faça favor, não se console a dizer
Que há outros I.
Você é um I.

De resto isso não é grave.
É assim que você poderá chegar aos 80 anos.
Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem.
E então na política! Não há dinheiro que o pague.
Na qualidade de I você não precisa de se preocupar com mais nada.

E você é I.
(Formidável, não acha?)

Você ainda não está ao corrente?
Quem há-de então dizer-lho?
O próprio Brecht acha que você é um I.
Por favor, Brecht, você que é um perito na matéria, dê a sua opinião.

Este homem é um I.
Nada mais.

Não basta tocar o disco uma só vez.
...

Bertolt Brecht
Imagem by me