Primeiro
A coisa começou há muitos
anos! Éramos – e eu os compinchas de várias andanças, incluindo a procura de
perguntas e respostas – razoavelmente novos.
O caminho que então
percorríamos juntos passava também pela fotografia. Partilhávamos os
equipamentos, as técnicas, as estéticas os conhecimentos e descobertas que
íamos fazendo. E, não sendo nenhum de nós génios, procurávamos também os livros
e revistas onde pudéssemos ir beber em mestres o suficiente para os nossos
passos.
Estávamos na década,
melhor, no decénio de 70, inícios do de 80 e por cá, Portugal, pouca leitura
havia em português sobre a matéria. Livros apenas alguns mais antigos, ao
estilo de almanaques, e revistas só aquelas efémeras, cuja qualidade e pouca
procura faziam morrer pouco depois de nascer.
A solução era,
inexoravelmente, recorrer ao que vinha de fora, do Reino Unido, dos EUA, de
França. Cada uma destas origens, então como agora, tinha abordagens diferentes
às técnicas e estéticas e às soluções. E o hábito de ler, apreciar e mesmo
falar ia-se atendo às línguas que praticávamos fotograficamente.
Claro que também contava,
face à juventude que tínhamos, o prazer de usar um código semi-hermético aos
circundantes, aqueles que não bebiam onde nós nos alimentávamos: o prazer de
fazer imagens.
E criou-se a brincadeira,
petulante é certo, de dizer que por cá se fazia “Fotografia” e que lá por fora
se praticava “Photographia”.
Com o passar dos tempos e
as variações de rumos das vidas de cada um, tudo isto se transformou ou diluiu.
A literatura e os periódicos em língua portuguesa foram aparecendo, algumas por
nós mesmos produzidas, muitas vindas de além-mar. E deixamos de parte a
necessidade juvenil da afirmação por códigos e mistérios.
Mas a sensação da
diferença entre “fotografia” e “Photographia” ficou. Já não agarrada à
tradicional maledicência sobre tudo o que é português, mas antes para marcar
alguma diferença no tipo de imagens produzidas, onde quer que fosse. Diferença
esta que não está nas técnicas, nas estéticas ou nas temáticas. Constata-se em
cada uma delas e no seu conjunto mas não reside aí.
Está, antes sim, na forma
de pensar e de fazer fotografia.
Segundo
A representação
pictórica, ou iconográfica, existe desde antes da escrita, com esta tem
co-existido e, pela certa, a ela sobreviverá. Porque os códigos alfabéticos,
fonéticos, ideográficos ou binários mudam com as civilizações e tecnologias, o
que não sucede com o uso das belas-artes. Poderão estas mudar de estilos ou de
interpretações, mas perduram.
O comum do ser humano,
gregário que é mas igualmente desejoso de marcar a diferença na sociedade em
que se insere, procura igualar ou suplantar aqueles que admira e a quem atribui
qualidades superiores. Entre outros, os que bem se expressam, seja qual for a
arte em causa. E a pintura e representação gráfica é uma delas. Mas ela não é
tão simples como parece, já que, além do domínio das técnicas, implica um certo
“fogo interior” que na maioria está apagado. Para já não falar na morosidade do
processo.
Ao invés, a fotografia é
quase imediata, por comparação. E é-o tanto mais quanto as técnicas usadas
evoluem. Técnicas estas que, com um domínio não muito aprofundado, permitem
obter resultados satisfatórios, não apenas perante a sensibilidade de quem as
produz como a aceitação de quem as vê. E os automatismos contemporâneos ainda
reforçam este facilitismo no fazer da fotografia.
Se a isto juntarmos o
consumismo desenfreado que vamos vivendo e a necessidade de afirmação social
mais pela posse de bens que pelo resultado daquilo que se é e se pensa, temos
que meio mundo possui e utiliza câmaras fotográficas. E que o outro meio anseia
por o ter e fazer.
Mas esta fotografia é
feita a correr, oriunda em impulsos de momento, quase que por obrigação. As
questões estéticas são ignoradas, dos factores de comunicação nem se desconfia,
e com a mesma velocidade com que dispara o obturador, também o seu resultado é
esquecido. Tão ou mais grave que isso, a fotografia contemporânea padece da
efemeridade, já que o seu apagar ou destruir resulta do uso de uma ou duas
teclas na sequencia de sistemas de armazenamento cheios. A mesma ausência de
pensar no acto fotográfico conduz a uma ausência de importância no seu
resultado. Conservar ou não uma fotografia é uma questão de apetite momentâneo.
E já não se usam pastas de arquivo cuidadosamente arrumadas, caixas de sapatos
empilhadas ou gavetas repletas de papéis mono ou multi-coloridos que, volte e
meia eram remexidos e supostamente organizados.
Some-se a esta pouca
importância dada ao pensar a fotografia o seu actual custo zero. Fazer uma
fotografia ou dez consecutivas tem o mesmo preço e dá o mesmo trabalho em
obter. Que o “rolo” já não chega ao fim e as memórias dos cartões são cada vez
maiores.
Nos tempos que correm, a
velha frase publicitária “Para mais tarde recordar” deixou de fazer sentido,
face ao uso e importância que é dada à fotografia.
Terceiro
Alguns há, no entanto,
que assim não procedem.
Ao olharem pelo visor da
câmara, ou ainda antes disso, o seu objectivo é o registo permanente daquele
jogo de luz e sombras, daquela perspectiva, o contar daquela história, o
eternizar daquele momento. E que, em tendo oportunidade para tal, procuram
melhorar as suas capacidades de o fazerem, tanto pela prática como pelo estudo
de quem o faz ou fez ainda melhor. Em que a afirmação pela fotografia não passa
pela competição com os restantes com base no resultado ou na exibição da
factura do seu equipamento mas antes consigo mesmo e com o resultado obtido a
cada imagem produzida.
E que sabem que esse processo
começa com o olhar o assunto e termina com olhar sobre o produto acabado, sendo
que tudo o resto que medeia entre um e outro são meras técnicas, mais ou menos
dominadas. Na tomada de vista e na selecção e tratamento posterior.
Que sabem e praticam que
uma fotografia é o resultado de um processo mental materializado pela técnica.
E que é mais naquele que se preocupam que nesta.
Ao resultado dos
trabalhos destes, chamo eu (e mais uns quantos não tão poucos quanto isso)
“Photographia”. Para o trabalho dos demais fica o termo genérico de
“Fotografia”. Alguns há, ainda, que diferenciam com o uso de maiúsculas e
minúsculas, mas o significado é o mesmo.
Nenhum dos dois termos
tem mais valor que o outro ou algum deles tem uma carga negativa. Porque, na
vida, o que importa é a obtenção da felicidade naquilo que fazemos e nenhum
método é universal ou único.
Mas porque não são iguais
nem nos processos de obtenção nem nos resultados materiais, identifiquem-se
umas e outras imagens e fotografias.
Até porque entre imagens
fotográficas e fotografias (com “F” ou com “Ph”) também há diferenças. Mas isso
são outros contos!
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