Tenho por verdade – e até que alguém me convença do
contrário – que o Fotógrafo é um ser conservador.
Quando não, vejamos:
O Fotógrafo só reage ao fora do normal. Bonito ou feio,
agradável ou o seu oposto, aquilo que sai da rotina, o incomum, o surpreendente.
Poderá ser um retrato trabalhado em estúdio, uma paisagem,
um momento festivo, um incidente público. Seja lá o que for, será sempre algo
que lhe prendeu a atenção, que, por qualquer motivo, o fez pensar “isto é um
bom motivo para fotografar”.
Mas raramente - muito raramente mesmo - vemos imagens
neutras, de assuntos banais, aqueles assuntos, momentos ou acontecimentos que,
de tão neuros que são, não nos apercebemos deles. Uma pedra no chão, no meio de
muitas outras quase iguais, não será motivo de fotografar. A menos que a luz ou
a forma ou a cor a evidencie das restantes. Ou que a sua simples existência
faça recordar o Fotógrafo de um qualquer episódio passado. E, nesse mesmo
momento, aquela pedra deixa de ser “mais uma no meio das outras” para passar a
ter um significado especial, mesmo que não explícito na fotografia resultante.
Temos assim que o Fotógrafo só se apercebe – e reage – ao que
quebra a rotina, o equilíbrio, a normalidade. Bom ou mau. Belo ou horrendo.
Por mim, tenho vindo a desenvolver um projecto pelo seu
oposto.
Todos os dias, uma ou duas vezes, faço uma fotografia do que
está à minha frente. Sem escolher o momento porque me atrai ou repele, mas tão
só porque – e é uma decisão anterior – me lembrei de o fazer e a temática geral
do projecto é “nos transportes, sentado e sem rostos”. Sempre com o telemóvel,
com o que isso implica de “bloco de apontamentos, ausência de controlos de
profundidade de campo, distâncias focais, exposição elaborada…
Claro que neste captar de imagens “pseudo-aleatórias” há
escolhas que faço. Enquadramento respeitado o tema, o que vi quando me lembrei
de fotografar e que nem sempre se mantém até que o registo seja feito, um
ajeitar de perspectiva para dar coerência ao projecto…
São imagens sem pretensões artísticas ou interventivas. Ou
talvez sejam.
Para mostrar – a mim e aos outros – como o Fotógrafo é conservador
e só presta atenção ao que lhe “estraga” o seu sentido de equilíbrio universal
a ponto que o querer registar. E, no entanto, o banal, o que respeita o “equilíbrio
universal”, o entediante de tão habitual, pode ser belo e atractivo. Apenas não
nos apercebemos disso, na nossa busca pela originalidade, pelo ser “mais que”,
pela necessidade nos evidenciarmos junto dos nossos pares.
Escrevo estas linhas em casa, pelo que não posso fazer uma
imagem que respeite o projecto. Mesmo que estivesse num transporte público, o
simples facto de fazer uma fotografia depois de isto pensar e escrever estaria
a subverter a ideia original. E não fará sentido ilustra-lo com uma fotografia já
feita, escolhida com algum critério não aleatório.
A que agora exibo é tão só a última que fiz até à data,
dentro deste projecto.
By me
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