domingo, 21 de dezembro de 2008

A tirania do zapping


Entrou no café pouco passava das onze da manhã. Ia em busca do café que o despertaria, bem como do bolo que lhe adoçaria a boca para o resto do dia. Ser a hora que era não seria por demais estranho, se se souber que tinha recolhido à cama passava das três e meia da madrugada.
Cliente habituée que era do lugar, nem teve que pedir, que à entrada já lhe estavam a prepara a receita do costume. E, com ela colocada no balcão, e enquanto ia bebericando o líquido quente e mordiscando o bolito, ia olhando em redor.
Domingo que era, não havia muito movimento. Que os madrugadores já tinham ido e os tardios, para café ou pão, primavam ainda pela ausência.
Ao fundo, o televisor dava um ar da sua graça, animando com imagens e sons baixos a pacatez do local. Tratava-se de um aparelho moderno, de aquisição recente, bem como a mudança de servidor de TV. Que apenas aquele tinha nos seus catálogos o canal do clube de futebol.
Na altura ia mostrando um programa infantil, num canal temático para crianças. A mocinha, tentando parecer mais nova do que realmente era, animava um magote de pimpolhos, de olhos arregalados com a maquinaria e luzes que se adivinhavam nos bastidores.
E ele, o cliente, ia observando como aqueles profissionais iam resolvendo as dificuldades de captar crianças e a sua atenção na pantalha. Dificuldades que ele conhecia razoavelmente bem, que havia passado uns anos com quase aquela especialidade, que não havia esquecido.
De súbito, a empregada que há pouco ali trabalhava afasta-se de uma mesa onde tinha sido chamada. Regressa logo de seguida, trazendo na sua peugada o patrão, vindo lá de dentro, da zona de fabrico de pão e bolos onde passava o seu dia de trabalho. A farinha que o cobria estava disfarçada nas roupas brancas que exibia, mas no cabelo e no aparelho que trazia na mão contrastava. E foi com ele que, aproximando-se da caixa descodificadora de Tv que mudou de canal, fazendo zapping até encontrar o que procurava: um canal de desporto onde acontecia a transmissão de um jogo de futebol.
O cliente do balcão ia mudando de cor à medida que os canais iam mudando no TV. Para além do R, do G e do B, passou pelo Y, pelo, M, pelo C e não ficou K porque estava branco de raiva!
É que mudar de canal de televisão sem avisar ou mesmo perguntar a quem está a ver se se pode ou se incomoda não, em boa verdade, um sinal de boa educação ou de respeito por quem está presente.
A vontade de protestar, barafustar, peixeirar era grande e premente. Mas, perante o futebol não adianta fazer o que quer que seja. Tudo pàra e se ajusta em função do pontapé na bola.
Assim, encolheu os ombros para dentro, deu as costas ao aparelho da parede e tratou de terminar o que ali o tinha levado, sem que mais lhe vissem os dentes que não fosse ao trincar o que restava do bolo. Pagou e saiu para o sol que esse não lho tirariam, com ou sem a sua anuência.
O regresso ao café acontecerá no dia seguinte, que é ali que se abastece de pão. E, em havendo oportunidade e de cabeça fria, fará questão de apresentar o seu desagrado pelo comportamento do patrão. Que as empregadas, essas, não têm culpa do que o dono do café fez. Não irá servir de muito, acredita, mas sempre será um marcar de posição.
Que de joelhos perante a tirania, mesmo que seja a do comando remoto, não obrigado!



Texto e imagem: by me

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