Nunca vos aconteceu? Se calhar não, mas depois me dirão.
Entro numa livraria. Com o desânimo antecipado de quem sabe que as livrarias, nos tempos que correm, têm cada vez menos livros nos campos que me interessam.
Por motivos que desconheço, mas que posso facilmente adivinhar, é cada vez mais difícil encontrar bons livros sobre fotografia. Lá os grandes álbuns, com boa qualidade de impressão ainda se vão encontrando. Tal como os “guias práticos” disto e daquilo, especializados em “ensinar totós” nos segredos dos grandes fotógrafos. Como se o principal segredo não passasse por três aspectos apenas: saber ver luz, saber sentir perspectivas, conhecer o nosso semelhante. O resto é uma questão de prática, de gosto pessoal e de tentar e errar.
Em qualquer dos casos os livros que falam sobre estas abordagens estão cada vez mais raros nas livrarias portuguesas. Talvez porque são livros que levam e obrigam a pensar, e isto é coisa que é pouco frequente nos tempos que correm.
Fosse como fosse, entrei na loja. Nunca se sabe o que nos espera, e é uma espécie de vício, isto de entrar em lojas de livros.
E, tal como esperava, a secção de fotografia era de uma pobreza franciscana. Os tais álbuns caros e os tais manuais ainda os vi, mas quanto ao resto, pouco ou nada.
Ainda por lá encontrei uma edição da Tashen sobre Edward Weston. O nome é sonante e as suas imagens são sempre para ver e deliciar, mas estes editores decidiram fazer uma publicação bilingue, em português e italiano que, como é sabido, é uma língua que o comum dos lusos domina com fluência. E se a qualidade de impressão era boa, já o tamanho das imagens se aproximava do dos postais ilustrados, perdendo assim a magnificência daqueles cinzentos aveludados, dos pretos profundos, dos brancos exuberantes.
Por incrível que pareça, também constava Barthes, com o seu “Câmara clara”. Suspeito por ser de leitura obrigatória no campo das filosofias escolares, que faz muito que não vejo ninguém a lê-lo ou sobre ele falar.
Para minha satisfação, e meio perdido entre os guias práticos para tótós, também constava o Langford, representado pelo “Fotografia Básica”. Numa edição bem mais recente que a que consta em minha casa, é livro de leitura obrigatória para quem queira estudar as questões técnicas, sendo que o recomendo por sistema aos estudantes com quem trabalhe ou a curiosos que mo perguntem. Claro que o “Tratado de fotografia”, o seu complemento aprofundado, não constava por aqui e, em boa verdade, faz muitos anos que não o vejo que não na minha estante, em casa.
Preparava-me eu para me afastar, confirmada que estava a minha opinião sobre as livrarias actuais e o consumo de livros, quando vi um que ocultava a lombada, deitado sobre os demais de pé. Aquele meu anjinho da guarda, que no lugar de asas usa um livro aberto nas costas, empurrou-me a mão e peguei nele. Consegui conter o grito de satisfação quando, ainda antes de poder ler o título, identifiquei o grafismo da capa: “Arte e percepção visual” de Rudolf Arnheim.
Tenho com este livro uma história curiosa: Foi-me recomendado e emprestado por um amigo que, não estando directamente ligado à fotografia, nada nas artes, do aprender ao fazer. E uma recomendação vinda dele é sempre de levar em conta, pelo que o aceitei e pu-lo na lista “dos para ler”. Mas a pilha vai sempre aumentando e fui-o atrasando até que, uns tempos depois, ele me pergunta a minha opinião. Cheio de vergonha, tive que confessar que nem lhe tinha pegado ainda. Bem de acordo com a sua maneira de ser, lá me deu um prazo para o fazer, o que fui fazendo. Que se trata de um livro bom de ler mas denso, difícil de ler como se de um romance se tratasse.
Mas, nas idas e vindas, nas entradas e saídas do saco, no trabalho, no comboio, etc., foi-se degradando, ficando com a capa meio vincada, quiçá mesmo estragada. Em tempo, avisei o seu dono de tal, dizendo-lhe que trataria de o substituir, assim que o encontrasse, ao que me disse que o mais provável seria ter que o encomendar, já que se trata de uma edição brasileira e nada comum por cá.
Tudo isto aconteceu há já uns meses. Volta e meia, ao passar por uma livraria, perguntava por ele, mas nem o conheciam. E a possibilidade de encomendar era-me apresentada como remota e difícil.
E de súbito, sem que nada me preparasse para tal, heis-me a dar os quase 50 euros por um livro que já possuo e cheio de satisfação por isso. E, à laia de brinde, ainda comprei um de contos por Luís Sepúlveda, autor de que não me canso de ler, bem pelo contrário.
Assim, entrar numa livraria, mesmo que com sentimentos pessimistas, vale sempre a pena. E se nunca vos aconteceu serem agradavelmente surpreendidos numa loja de livros, tentem a sorte e entrem numa. Nunca se sabe que tesoiros, velhos ou novos, podereis encontrar por lá.
Mas, por favor, escolham uma livraria e não uma dessas lojas mistas, onde a par com livros podereis encontrar electrónica de consumo, detergentes, bacalhau ou vestuário São tudo coisas boas, mas os tesoiros, sabemo-lo, encontram-se nos sítios certos! E estar num espaço com livros até ao tecto é um sítio certo!
Texto e imagem: by me
Entro numa livraria. Com o desânimo antecipado de quem sabe que as livrarias, nos tempos que correm, têm cada vez menos livros nos campos que me interessam.
Por motivos que desconheço, mas que posso facilmente adivinhar, é cada vez mais difícil encontrar bons livros sobre fotografia. Lá os grandes álbuns, com boa qualidade de impressão ainda se vão encontrando. Tal como os “guias práticos” disto e daquilo, especializados em “ensinar totós” nos segredos dos grandes fotógrafos. Como se o principal segredo não passasse por três aspectos apenas: saber ver luz, saber sentir perspectivas, conhecer o nosso semelhante. O resto é uma questão de prática, de gosto pessoal e de tentar e errar.
Em qualquer dos casos os livros que falam sobre estas abordagens estão cada vez mais raros nas livrarias portuguesas. Talvez porque são livros que levam e obrigam a pensar, e isto é coisa que é pouco frequente nos tempos que correm.
Fosse como fosse, entrei na loja. Nunca se sabe o que nos espera, e é uma espécie de vício, isto de entrar em lojas de livros.
E, tal como esperava, a secção de fotografia era de uma pobreza franciscana. Os tais álbuns caros e os tais manuais ainda os vi, mas quanto ao resto, pouco ou nada.
Ainda por lá encontrei uma edição da Tashen sobre Edward Weston. O nome é sonante e as suas imagens são sempre para ver e deliciar, mas estes editores decidiram fazer uma publicação bilingue, em português e italiano que, como é sabido, é uma língua que o comum dos lusos domina com fluência. E se a qualidade de impressão era boa, já o tamanho das imagens se aproximava do dos postais ilustrados, perdendo assim a magnificência daqueles cinzentos aveludados, dos pretos profundos, dos brancos exuberantes.
Por incrível que pareça, também constava Barthes, com o seu “Câmara clara”. Suspeito por ser de leitura obrigatória no campo das filosofias escolares, que faz muito que não vejo ninguém a lê-lo ou sobre ele falar.
Para minha satisfação, e meio perdido entre os guias práticos para tótós, também constava o Langford, representado pelo “Fotografia Básica”. Numa edição bem mais recente que a que consta em minha casa, é livro de leitura obrigatória para quem queira estudar as questões técnicas, sendo que o recomendo por sistema aos estudantes com quem trabalhe ou a curiosos que mo perguntem. Claro que o “Tratado de fotografia”, o seu complemento aprofundado, não constava por aqui e, em boa verdade, faz muitos anos que não o vejo que não na minha estante, em casa.
Preparava-me eu para me afastar, confirmada que estava a minha opinião sobre as livrarias actuais e o consumo de livros, quando vi um que ocultava a lombada, deitado sobre os demais de pé. Aquele meu anjinho da guarda, que no lugar de asas usa um livro aberto nas costas, empurrou-me a mão e peguei nele. Consegui conter o grito de satisfação quando, ainda antes de poder ler o título, identifiquei o grafismo da capa: “Arte e percepção visual” de Rudolf Arnheim.
Tenho com este livro uma história curiosa: Foi-me recomendado e emprestado por um amigo que, não estando directamente ligado à fotografia, nada nas artes, do aprender ao fazer. E uma recomendação vinda dele é sempre de levar em conta, pelo que o aceitei e pu-lo na lista “dos para ler”. Mas a pilha vai sempre aumentando e fui-o atrasando até que, uns tempos depois, ele me pergunta a minha opinião. Cheio de vergonha, tive que confessar que nem lhe tinha pegado ainda. Bem de acordo com a sua maneira de ser, lá me deu um prazo para o fazer, o que fui fazendo. Que se trata de um livro bom de ler mas denso, difícil de ler como se de um romance se tratasse.
Mas, nas idas e vindas, nas entradas e saídas do saco, no trabalho, no comboio, etc., foi-se degradando, ficando com a capa meio vincada, quiçá mesmo estragada. Em tempo, avisei o seu dono de tal, dizendo-lhe que trataria de o substituir, assim que o encontrasse, ao que me disse que o mais provável seria ter que o encomendar, já que se trata de uma edição brasileira e nada comum por cá.
Tudo isto aconteceu há já uns meses. Volta e meia, ao passar por uma livraria, perguntava por ele, mas nem o conheciam. E a possibilidade de encomendar era-me apresentada como remota e difícil.
E de súbito, sem que nada me preparasse para tal, heis-me a dar os quase 50 euros por um livro que já possuo e cheio de satisfação por isso. E, à laia de brinde, ainda comprei um de contos por Luís Sepúlveda, autor de que não me canso de ler, bem pelo contrário.
Assim, entrar numa livraria, mesmo que com sentimentos pessimistas, vale sempre a pena. E se nunca vos aconteceu serem agradavelmente surpreendidos numa loja de livros, tentem a sorte e entrem numa. Nunca se sabe que tesoiros, velhos ou novos, podereis encontrar por lá.
Mas, por favor, escolham uma livraria e não uma dessas lojas mistas, onde a par com livros podereis encontrar electrónica de consumo, detergentes, bacalhau ou vestuário São tudo coisas boas, mas os tesoiros, sabemo-lo, encontram-se nos sítios certos! E estar num espaço com livros até ao tecto é um sítio certo!
Texto e imagem: by me
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