Ao dar uma voltinha pelo
arquivo, encontro este texto com uns sete anos.
Pese embora algumas
pequenas alterações factuais que o tempo impôs, poderia tê-lo escrito hoje. E
talvez fosse mais incisivo.
O insulto
Há uns tempos, um colega
insultou-me. Não eu em particular, mas englobando-me naquilo a que chamou de
“burgueses de esquerda”.
Senti-me insultado. Não
lhe respondi (talvez que se leia estas linhas entenda-as por uma resposta)
porque entendi que talvez ele não entendesse alguns dos meus argumentos. E há
discussões que são inúteis.
Mas senti-me insultado.
Se outros motivos não
existissem , porque me não considero um burguês.
É verdade, sim, que tenho
trabalho. Mais: além de trabalho, é certo o acontecer e o respectivo pagamento.
Até ver, assim é. Mas isso, só por si, não faz de mim um burguês. O que como e
onde durmo sai-me das mãos e do intelecto.
A menos que entenda por
burguês quem vive num burgo. Também aí ele errou. Vivo num subúrbio. Um
dormitório a trinta quilómetros do trabalho, que percorro diariamente. Em
transportes públicos. Que também não me considero burguês ao não possuir
viatura própria. Aliás, nem sequer tenho carta de condução ou conduzi um carro.
Excepto, e creio que esses não contam, os carrinhos de choque das feiras. E há
muito que lhes perdi o gosto.
Acrescente-se que se vivo
onde vivo não se tratou de uma escolha: fui empurrado para lá, que não tinha
como habitar mais perto. E, goste-se ou não, também não sou proprietário de
imóveis. A casa em que vivo é alugada e não tenho terras ou prédios herdados ou
de férias.
Tal como não possuo
outros bens moveis, jóias ou quejandos. O meu relógio foi comprado, há muitos
anos, de contrabando a um colega e mantém-se no meu pulso. Apenas alternado com
relógios de bolso, de pilha, cujas pilhas em esgotando-se, fazem com que fiquem
numa gaveta até me lembrar de as substituir. Ou poder.
Também não tenho
depósitos, acções, obrigações ou o que quer que seja. Os meus rendimentos são
os do trabalho e é particularmente difícil (impossível) fazer reservas para
especular.
Seguros de saúde também
não. Entendo que o SNS é para todos e faço parte do “todos” e não de uma elite
endinheirada.
A minha única “riqueza”
será, talvez, os livros que possuo ou aquilo com que faço fotografia. Mas, e
mesmo esses, foram comprados com sacrifício de roupas e calçado. Compro este
onde é mais barato e só quando o que uso está no fio.
Não creio, dê-se a volta
por onde se der, que seja correcto chamarem-me de burguês.
Já quanto ao ser de
esquerda…
Ser de esquerda ou de
direita é uma moda, um conceito de classe, uma identificação grupal. Mais
ainda, nos tempos que correm, ser de esquerda corresponde a alinhar com uma
organização política, sendo-lhe tão obediente quanto eram ou são os que
alinhavam ou alinham nas organizações de direita. E isto é tão válido nas
esquerdas e direitas moderadas quanto nas extremadas.
O meu conceito de
sociedade ideal está bem para além de líderes e organizações, de partidos e
parlamentos, com zonas de esquerda ou de direita.
Dizerem que sou de
esquerda é, na sua essência, um apodo e insulto que recuso liminarmente.
Se, um dia, me quiserem
chamar de algo, chamem-me de cidadão militante, de ser humano, que acertam.
Qualquer outro rótulo será, sempre, um insulto.
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