quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Acidentes



 

Uma ocasião, há anos, tive um acidente.

Ao acender um cigarro, alguns pelos da barba anormalmente levantados incendiaram-se e ela começou a arder. Imaginem o susto!

Como foi no trabalho e numa zona de fumo autorizado, cedo fui alvo de piadas de colegas, em que a mais divertida foi “Cheira a corno queimado”.

Sendo certo que apaguei facilmente as chamas, e não tendo havido queimadura de pele, mais não pude fazer que rir-me da situação, criar piadas em torno dela e, quando pude, regressar a casa para verificar se os danos pilosos eram reparáveis, mantendo a barba crescida, ou nem por isso. Não eram, pelo que haveria que a cortar por inteiro.

Como “não adianta chorar sobre leite derramado” e há que, sempre, “Always look on the bright side of life”, tratei de tirar partido da coisa.

Organizei o set, fundo e luz, preparei a câmara para a selfie, e fui dar uso às lâminas de barba recém-compradas, que as que tinha em casa há muito que estavam fora de prazo.

O resultado foi esta justaposição de duas fotografias, bem demonstrativas do meu estado de espírito.

Moral da história: mesmo nos piores momentos, quando temos a alma “mais por baixo que barriga de jacaré”, haverá sempre motivo para tirar partido e fotografar.

Fica o alerta para os que, volta e meia, dizem “Ah, e tal, não tenho assunto para fotografar…”


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terça-feira, 29 de setembro de 2020

Regras, o tanas!


 


Encontro uma página onde se recomendam uma série, 47 para ser mais exacto, de dicas para quem quer iniciar-se na fotografia.

Não possuindo eu todo o conhecimento, gosto de dar uma boa olhada, já que sempre se pode aprender algo com a experiência dos outros.

Foi este o caso. Mas encontrei alguns “erros” que me arrepiaram.

Um deles foi o falar-se da regra dos terços. Caramba!

A regra dos terços é algo de que se não deve falar que não a gente que já lida com composição de imagem há algum tempo! E eu explico o porquê!

Desde logo porque quem está a aprender gosta mesmo é de regras. Que uma regra, dita por um mestre, é algo a seguir quase que religiosamente, mesmo quando ele diz que as regras são para serem quebradas. Até porque, pensam os novatos, “se isto é uma regra, se eu a usar não falho”. Nada de mais errado!

A regra dos terços, por si só, é inútil se não se ponderar tudo o mais que possa existir dentro dos limites da imagem: outros elementos, fundos, luz, cor, volumes…

Por outro lado, haverá sempre que considerar a importância e a facilidade ou dificuldade em interpretar os diversos elementos. Códigos, sinais, letras,…

Acrescente-se a figura humana e como ela interage com eles ou com a objectiva, mesmo estando em fundo.

A tudo isto, some-se o facto de a regra dos terços (ou o número de ouro) ser uma questão cultural, originária da Grécia antiga e recuperada pelo Renascimento até aos nossos dias no chamado “mundo ocidental”. Outras culturas não a usavam e não a usam. E ficamos encantados com o que produzem, nas suas proporções, na gestão de espaços e volumes, na facilidade em comunicar connosco. Mesmo sem a tal “regra dos terços”.

 

Aprendi eu, com alunos e formandos, que esta regra não se transmite numa primeira fase. Nem mesmo numa segunda fase.

Eventualmente vai-se sugerindo correcções de composição e questionando quem aprende sobre o que prefere. E mostram-se-lhes outros trabalhos de outros autores, onde ela, a regra dos terços, é ou não usada mas sem a ela se nos referirmos.

Só mais tarde, quando ela é naturalmente aplicada (ou não) por quem aprende, se lhes deve explicar a dita regra. Depois de se ter descoberto o equilíbrio de massas, o equilíbrio de luz, o equilíbrio de significados, a condução do olhar por linhas reais ou implícitas, os jogos de cor ou de cinzentos…

Nessa altura, quem aprende percebe que usa naturalmente essa regra mas que nem é de aplicação permanente nem de uso universal.

Matar a criatividade pessoal e a descoberta do belo com regras é o que de pior se pode fazer a quem começa e quer aprender.

E quem assim ensina, está mais preocupado em ensinar do que em o formando ou aluno aprenda.

 

Os meus cinco cêntimos, num assunto que não é pacífico.


By me

domingo, 20 de setembro de 2020

Iconógrafo



 

Não mais sou fotógrafo!

Doravante considero-me, e assim gostarei de ser tratado, como iconógrafo, um fazedor de ícones.

Porquê esta mudança? Substancialmente devido às discussões que proliferam em tudo quanto é lado sobre se determinada imagem é ou não fotografia. As confusões sobre este tema são tantas que decidi colocar-me à margem delas.

Para todos os efeitos, as imagens são ícones.

Produzidas por meios foto-mecânico-quimico-eléctronicos, são o substituto de uma realidade, imagens representativas, ícones daquilo visto ou sentido pelo seu autor e como tal interpretado pelos que as vêem.

A alguns destes ícones é dada a categoria de fidedigno, por serem fiéis aos acontecimentos descritos. Fidedignos?!

Como pode uma imagem ou ícone ser fidedigno se apenas mostra duas de quatro dimensões?

Como pode ser cópia da realidade se deixa de fora quatro dos cinco sentidos?

Como pode ser fiel representação de um acontecimento se os bordos do seu enquadramento são como guilhotinas afiadas truncando do todo o visível apenas uma parte?

Por fotografia encontro num dicionário esta definição:

“do Gr. Phôs, photós, luz + graph, r de graphein, desenhar

s. f. arte de fixar numa chapa sensível, por meio da luz, a imagem dos objectos;

fig. Cópia fiel; retrato”

Eu ponho em causa quase tudo o que aqui se afirma, no que ao meu trabalho concerne:

- Não sabendo eu o que é uma “fotografia artística”, como já aqui o afirmei, não posso dizer que o que faço seja “arte”;

- Não uso chapas! Já as usei, nos tempos em que trabalhava com grandes formatos (saudades, caramba!). Agora uso película e flexível, em rolos ou, e é o que mais disso se aproxima, suportes digitais, em que o CCD se poderá comparar a uma chapa, mas não mais que isso;

- Cópia fiel não o é! Eventualmente uma fotocópia sê-lo-á, mas não aquilo que faço com a minha câmara.

O único aspecto com o qual concordo é a definição de “retrato”.

Efectivamente aquilo que faço (e entendo que todos os que usam câmaras fotográficas fazem) são retratos daquilo que vêem. Imagens subjectivas e interpretativas daquilo que vêem, sentem, pensam sobre o que está em frente da sua objectiva.

E depois do acto fotográfico, da captura da luz (essa efémera), é tudo trabalhado, subvertido, adulterado. Quer seja com químicos, com electrões, com a nobre prata ou os menos nobres corantes. Embutidos ou projectados sobre papel ou pedaços fosfóricos excitados por electrões.

Seja qual for a técnica usada, não são nunca, por nunca o serem, cópias fiéis da realidade mas tão só a minha interpretação dela. Da minha actividade resultam ícones do que vi, senti ou pensei!

E se até agora me intitulei de “fotógrafo” foi porque, tendo que haver um termo que definisse o que fazia, este era consensual: fotografia!

Mas, nos tempos que correm, são tantos os que a põem em causa, que argumentam se um dado trabalho será ou não fotografia, se esta ou aquela imagem é ou não arte fotográfica, que decidi deixar-me à margem de semelhantes discussões.

Aquilo que faço com a minha câmara, químicos e computador são ícones dos meus sentimentos.

E eu sou um iconógrafo!

 


By me

sábado, 19 de setembro de 2020

Once upon a time...




 Uma câmara quase que arcaica nos tempos que correm e com menos resolução que qualquer telemóvel de hoje;

Uma objectiva de entrada, das baratinhas;

Um tripé;

Um candeeiro de secretária;

Uns pedaços de cartolina preta;

Uma folha cartolina branca segura com a mão.  


Mais para quê?


By me

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Privatizando a democracia




Datado de 2015, hoje não lhe mudava nem uma virgula.

 

Tenho vindo a afirmar o meu repúdio pela exclusividade partidária no acesso a lugares no parlamento.

A minha tese não tem colhido grande apreço junto de quem dela toma conhecimento. Ou nem contestam, ou fazem um sorriso irónico ou, aqueles que se dão ao trabalho de responder fazem-no com um “Pois, mas são os partidos que garantem a pluralidade de opiniões” ou “São eles o garante da democracia” e coisas semelhantes.

Mas continuo com a mesma opinião.

Não há leis ou vontades eternas, nem circunstâncias que se não alterem. E se, aquando da redacção da actual constituição, fazia sentido essa exclusividade, hoje não o faz.

Na época, 1975, os portugueses estavam ainda a aprender o que era viver em democracia, depois de mais de uma geração sem ela. A taxa de analfabetismo era gigantesca. O acesso à informação era diminuto e mesmo condicionado pelas lutas de poder e manipulação de conteúdos. Fazia sentido juntar em torno de organizações as tendências para que as escolhas no acto eleitoral fossem mais fáceis ou óbvias.

Hoje não é assim!

Ainda que existam analfabetos, a taxa é quase menos que residual. A democracia tem mais de quarenta anos. A informação está ao alcance de todos e de variadíssimas formas. A ausência de conhecimento sobre propostas e percursos dos candidatos só acontece se e só se os cidadãos as quiserem ignorar. Estejam os candidatos agrupados em torno de partidos ou não.

Por outro lado, o limitar o acesso ao parlamento à exclusividade de partidos impede que outras sensibilidades aí se façam ouvir. Limita a responsabilização dos actos dos deputados perante os eleitores. Facilita a disciplina partidária em desfavor da relação deputado-eleitor.

Mas eu explico um pouco melhor:

Um partido político, mesmo tendo por objectivo o estar ao serviço do país, é uma entidade privada. Só a ele acede quem pelos seus membros for aceite, tem que cumprir os estatutos previamente definidos, tem que respeitar a disciplina interna e a obediência às estruturas dirigentes. Por outras palavras (e de novo) um deputado eleito por um partido tem responsabilidades e fidelização ao partido bem antes e mais importantes que as que terá para com os eleitores.

Mais ainda: aquando de eleições as opções propostas aos eleitores são as de listas de pessoas pertencentes a partidos ou nelas aceites com o estatuto de independentes. Mas essas listas não são disponibilizadas aos cidadãos de uma forma clara e aberta. Quem as quiser saber terá que se dirigir algures a um local que não as assembleias de voto. O que impede, por exemplo, o recusar eleger alguém sobre quem se tem uma opinião negativa, já que nem se sabe que consta na lista daquele partido.

Da mesma forma, a substituição de deputados no parlamento acontece com um mínimo de publicidade. Uns saem, outros avançam e os eleitores nem se apercebem do facto. Excepto se forem muito atentos às notícias ou se se tratar de alguma figura proeminente no panorama político.

Indo mais longe na questão da disciplina partidária acima do respeito pelo eleitor, temos alguns casos relativamente recentes que bem o evidenciam.

Um deputado que foi punido pelo seu partido por, no parlamento, ter votado à revelia da disciplina partidária o orçamento de estado do ano em curso;

A ameaça de expulsão de militantes que se candidataram ou apoiaram outras candidaturas que não as do seu partido aquando de eleições autárquicas;

O ser notícia de primeira página haver deputados que se propõem votar contra o orçamento de estado de um dado ano, ainda que apresentado pelo seu partido.

Ou seja: os membros de um partido devem obediência, antes de mais, ao seu próprio partido. E só depois podem agir em prol dos seus eleitores, tal como se comprometeram.

Ora eu tenho como dogma que um eleito representa os interesses dos eleitores antes de mais. E isso não é possível se ele tiver outros interesses mais relevantes.

Defendo, assim, que o acesso ao parlamento, onde são feitas as leis que regem o país e as relações entre cidadãos, deve ser aberto a todos os cidadãos, inscritos ou não em organizações privadas. E que respondam, antes de mais, aos eleitores que os elegem.

Que isto de ter entidades privadas a gerir a coisa pública a que chamamos de País só se encaixa na democracia à luz das opiniões dos partidos que têm estado a governar e cujo objectivo é, claramente, destruir o estado em favor de privados.

 

A democracia não é privada! 


By me

 

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Não sou fotógrafo




Mais que fazer registos do que vejo, preocupo-me em usar a luz que incide no que me cerca para reflectir as emoções que sinto ou suponho sentir.

Não percorro o mundo, nem mesmo a minha cidade em busca daquela situação, daquele enquadramento ou daquela luz. Limito-me a fazer o que tenho a fazer, com um bloco de apontamentos comigo.

Raras vezes registo gente. Quando o faço, é sempre uma cumplicidade, quase nunca um espontâneo.

Que tenho pudor em guardar um nico da vida dos outros. Que se eles não souberem de mim ou da minha câmara, o que fazem e vivem é deles. Os troféus que possa trazer serão roubados, por muito bonitos ou expressivos que possam ser. Não o faço.

Quanto ao mais, prefiro assistir ao que acontece e fazer, com a câmara um ícone do que tentarei contar com a imagem e palavras. Sem nunca (ou quase nunca) fulanizar o que conto.

Que estes registos, nunca contam tudo. Que lhes escapa sons, e cheiros, e paladares, e memórias... O mais que podem mostrar é a luz e as texturas e os volumes por ela escondidos ou desvendados. O resto das histórias ou estórias, ou bem quem as memorizo para mais tarde as contar ou bem que se me escapam.

E deixo aos outros a tarefa de completarem ou inventarem a história ou estória que não quis ou não soube contar.


Não sou fotógrafo. Na melhor das hipóteses serei um iconógrafo com luz.


By me

domingo, 6 de setembro de 2020

O insulto



 

Ao dar uma voltinha pelo arquivo, encontro este texto com uns sete anos.

Pese embora algumas pequenas alterações factuais que o tempo impôs, poderia tê-lo escrito hoje. E talvez fosse mais incisivo.

 

O insulto

Há uns tempos, um colega insultou-me. Não eu em particular, mas englobando-me naquilo a que chamou de “burgueses de esquerda”.

Senti-me insultado. Não lhe respondi (talvez que se leia estas linhas entenda-as por uma resposta) porque entendi que talvez ele não entendesse alguns dos meus argumentos. E há discussões que são inúteis.

Mas senti-me insultado.

Se outros motivos não existissem , porque me não considero um burguês.

É verdade, sim, que tenho trabalho. Mais: além de trabalho, é certo o acontecer e o respectivo pagamento. Até ver, assim é. Mas isso, só por si, não faz de mim um burguês. O que como e onde durmo sai-me das mãos e do intelecto.

A menos que entenda por burguês quem vive num burgo. Também aí ele errou. Vivo num subúrbio. Um dormitório a trinta quilómetros do trabalho, que percorro diariamente. Em transportes públicos. Que também não me considero burguês ao não possuir viatura própria. Aliás, nem sequer tenho carta de condução ou conduzi um carro. Excepto, e creio que esses não contam, os carrinhos de choque das feiras. E há muito que lhes perdi o gosto.

Acrescente-se que se vivo onde vivo não se tratou de uma escolha: fui empurrado para lá, que não tinha como habitar mais perto. E, goste-se ou não, também não sou proprietário de imóveis. A casa em que vivo é alugada e não tenho terras ou prédios herdados ou de férias.

Tal como não possuo outros bens moveis, jóias ou quejandos. O meu relógio foi comprado, há muitos anos, de contrabando a um colega e mantém-se no meu pulso. Apenas alternado com relógios de bolso, de pilha, cujas pilhas em esgotando-se, fazem com que fiquem numa gaveta até me lembrar de as substituir. Ou poder.

Também não tenho depósitos, acções, obrigações ou o que quer que seja. Os meus rendimentos são os do trabalho e é particularmente difícil (impossível) fazer reservas para especular.

Seguros de saúde também não. Entendo que o SNS é para todos e faço parte do “todos” e não de uma elite endinheirada.

A minha única “riqueza” será, talvez, os livros que possuo ou aquilo com que faço fotografia. Mas, e mesmo esses, foram comprados com sacrifício de roupas e calçado. Compro este onde é mais barato e só quando o que uso está no fio.

Não creio, dê-se a volta por onde se der, que seja correcto chamarem-me de burguês.

Já quanto ao ser de esquerda…

Ser de esquerda ou de direita é uma moda, um conceito de classe, uma identificação grupal. Mais ainda, nos tempos que correm, ser de esquerda corresponde a alinhar com uma organização política, sendo-lhe tão obediente quanto eram ou são os que alinhavam ou alinham nas organizações de direita. E isto é tão válido nas esquerdas e direitas moderadas quanto nas extremadas.

O meu conceito de sociedade ideal está bem para além de líderes e organizações, de partidos e parlamentos, com zonas de esquerda ou de direita.

Dizerem que sou de esquerda é, na sua essência, um apodo e insulto que recuso liminarmente.

Se, um dia, me quiserem chamar de algo, chamem-me de cidadão militante, de ser humano, que acertam. Qualquer outro rótulo será, sempre, um insulto.

 

By me

sábado, 5 de setembro de 2020

Tristezas



 

Saber um ex-aluno a militar na extrema-direita é algo que me entristece.

É legítimo, mas entristece-me.

Se por outros motivos não fosse, porque não terá entendido que fotografia é partilha, é fraternidade, é dádiva sem olhar a quem ou porquê, mesmo que comercial. É procurar o que há de belo no universo, mesmo que horrendo.

É não ter interiorizado que cada bocadinho do mundo que recortamos com o nosso enquadramento e guardamos nos nossos arquivos faz parte de um todo que não dominamos mas que queremos melhor. Por isso o evidenciamos.

Saber que um ex-aluno não o entendeu ou que age em oposição disto significa que, de algum modo, falhei com ele. Por muito que possa saber e praticar de estética ou de técnica.

E isso entristece-me!


By me

Retrato de uma desconhecida


 


Tenho sempre muita dificuldade em saber o que é uma boa fotografia.

Se é algo que me agrada, se é algo que agrada ao comum do cidadão, se é algo que agrada aos académicos ou críticos…

Se é a composição, se é o jogo de cor e luz, se é a mensagem que lhe está explícita, se é a mensagem que lhe está implícita…

Se é algo que se enquadra na cultura vigente, se é algo que se enquadra na cultura que foi, se é algo que talvez se enquadre na cultura que será…

Um retrato feito no dia dos mortos no México, um retrato feito no Irão, um retrato feito em Lisboa…

As fotografias feitas por Robert Capa no dia D são tecnicamente terríveis, no entanto…

As paisagens feitas por Ansel Adams são tecnicamente perfeitas, no entanto…

Os retratos de David Hamilton foram o que foram e são o que são. Tal como os de Lewis Carroll.

Salgado, Bresson, Weegee, Hockney, Hass, Friedlander…

 

Para mim uma boa fotografia tem que falar comigo. Tem que me provocar emoções, evocar recordações ou criar novas, tem que me levar a um ponto específico do espaço/tempo ou colocar-me algures no universo a sentir todos os espaços/tempos.

Tem que falar comigo seja qual for a qualidade técnica, a composição, a relatividade cultural.

Tem que falar comigo!

Esta é uma boa fotografia? Se falar consigo então é!


By me

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Trocas e luz



 

Em tempos mantive um conjunto de acções de formação em fortografia a que chamávamos “trocas”.

O que deu origem a este nome foi o facto de eu não querer dinheiro pelo que fazia. Em seu lugar, pedia apenas algo feito pelo próprio e que este achasse que seria o adequado para dar em troca do que recebia.

Foram vários os motivos que me levaram a este projecto. Entre outros, o colocar em prática a contestação ao dinheiro, enquanto valor equivalente, obrigatório e insípido do nosso trabalho. É possível agir e fazer sem a intervenção do dinheiro.

Por outro o serem destinatários todas as pessoas, sem distinção de classes sociais ou qualidade ou custo do equipamento fotográfico que possuíssem nem ambições profissionais na área. Gente que gostaria de melhorar as fotografias de férias, de família, de festas ou netos.

Encontrávamo-nos uma ou duas vezes por mês, em locais públicos. Eu levava um projecto de trabalho, e os acessórios que entendia serem precisos, e avançávamos nele, sem antes tirar dúvidas técnicas ou outras, que os participantes tivessem.

Confesso que tenho orgulho nos resultados obtidos, num misto de aula e brincadeira, com o mínimo de palavrões técnicos e usando o espaço e a luz disponíveis.

Esta é uma das fotografias feitas no dia em que abordámos o “contra-luz”.

Eu levei os apitos, mas as folhas de árvore, as flores, os cabelos e o mobiliário urbano foram trazidos pelos próprios ou existentes no jardim.

Quanto à luz… A existente do sol ou as sombras naturais de um jardim medianamente frondoso. Ou as reflexões naturais em função do chão ou de paredes ali existentes.


By me

Eu e a luz


 


Eu e a luz

Ao longo dos anos vários têm sido os que me questionam sobre a minha preferência de uma luz de recorte (ou contra-luz, ou back light ou hair light ou luz de trás) intensa.

Curiosamente só de há uns tempos a esta parte me apercebi que, de facto, essa é a minha luz preferida, seguida de perto por uma luz lateral em relação ao eixo de observação ou de captação.

Por resposta encontrei várias possíveis, de índoles bem diversas.

 Numa primeira abordagem, uma luz de recorte intensa é fácil de trabalhar e de, com ela, se obterem resultados se não espectaculares, pelo menos menos comuns. É que basta que a luz vinda de perto do eixo de observação seja suficiente para se perceberem os detalhes e sem sombras contrastadas. A outra, a de recorte ou de trás, pode ter a intensidade que se quiser (1:3, 1:5, 1:10, por comparação com a frontal) que é aceitável alguma falta de controlo sobre ela desde que fique a “queimar” ou quase.

Desta forma, as definições dos diversos planos, os jogos de contraste assim criados e o evidenciar do ou dos centros de interesse na imagem não só são fáceis de criar como de fácil leitura por parte do público. Talvez que o factor preguiça me tenha levado por este caminho.

 Mas outras repostas podem ser encontradas, não tão simples.

A luz que vemos e que fotografamos é, as mais das vezes, a reflectida dos objectos. Vinda de uma qualquer fonte (natural ou artificial, apenas disponível ou laboriosamente trabalhada) os raios luminosos incidem no assunto e são reflectidos. Em regra não na totalidade, já que parte dessa energia luminosa é absorvida pelos materiais (e chamamos a isso cor) ou atravessa-os na proporção em que são permeáveis (e chamamos a isso translucidez ou transparência).

Em qualquer dos casos, definimos leis e regras científicas para a radiação, reflexão e refracção, regras essas que quem usa a luz como matéria-prima tem que conhecer medianamente bem.

Mas a verdade é que a esmagadora maioria da luz que traduzimos em “ver” e em “fotografar” é a reflectida. O que significa, na prática, que aquilo que vemos e registamos é, apenas, a superfície dos assuntos. O seu interior, quer lhe chamemos “recheio”, “alma” ou “para além de” fica oculto ou ofuscado por essa reflexão de superfície.

Sendo verdade sou um eterno curioso (um eufemismo para metediço) em relação ao que me cerca, tenho tendência para tentar conhecer o mundo um pouco mais além da superfície aparente.

Uma forte luz de recorte ou contra-luz permite que, ao resvalar nas arestas ou atravessar o assunto se for esse o caso, aquilo que vejo e registo vá um pouco para além das aparências da superfície. Não apenas no conceito metafórico do termo mas também no real, usando a translucidez ou transparência dos assuntos fotografados.

Claro está que este “ir para além da superfície” será, as mais das vezes, uma questão interpretativa. Mas também o é toda e qualquer fotografia, por muito técnica ou “fiel”que queiramos que seja.

E, muito naturalmente também, esta não será uma abordagem que eu use exaustiva ou exclusivamente. Mas, em situações normais, tenho tendência para a procurar ou provocar.

 As explicações quanto a esta minha preferência não se ficam por aqui: acontece que sou do contra!

Tenho uma atitude de contestação generalizada na vida (já me disseram que a primeira palavra que terei dito conscientemente terá sido “Não!”). Assim, e se a grande maioria dos fotógrafos, conceituados ou anónimos, procura a luz frontal, mais suave ou mais contrastada, na moda, na arquitectura, na paisagem, no retrato, na paisagem, na reportagem, faz todo o sentido que a minha atitude contestatária me leve a procurar outros caminhos, no caso, outros tipos de luz. O próprio termo “contra-luz” é bem elucidativo!

 Um outro motivo, desta feita não congénito, pode explicar esta preferência por fortes contra-luzes:

Há mais de uma vintena de anos que perdi a capacidade de visão normal da vista direita. Mantive a visão periférica, mas a frontal, a de detalhe, transformou-se numa mancha cinzenta, irremediavelmente.

Com esta “menosvalia” perdi também a capacidade de avaliar distâncias de forma convencional: a visão estereoscópica desapareceu por completo. O que me levou a encontrar soluções no quotidiano para resolver as coisas mais simples, como o saber a que distância se encontra um carro, ou o enfiar a linha numa agulha ou o descer de uma escada.

Mas o cérebro humano é bem mais poderoso que aquilo que imaginamos e encontrei inconscientemente soluções alternativas: o tamanho aparente dos objectos ou a sua sobreposição (perspectiva, a ferramenta do fotógrafo) e, obviamente, as sombras que eles provocam (luz, a matéria-prima do fotógrafo).

Acontece que se as sombras se projectarem para além do objecto, não são visíveis porque tapadas. É bem mais fácil calcular distâncias se as sombras se projectarem para o nosso lado. Ou seja: se a fonte de luz que as provoca estiver para além do objecto – o contra-luz.

 Seja como for, há que admiti-lo, esta preferência por este tipo de luz para fotografia tornou-se bem mais fácil de pôr em prática com o recurso à fotografia digital e ao processamento no computador. A tentativa e erro no controlo de contrastes é muito mais acessível e bem mais barato (a custo zero e tempo mínimo) que nos tempos do diapositivo ou do negativo.

 Em qualquer dos casos, e seja qual for o principal motivo ou motivos para se gostar de um dado tipo de luz (ou composição, ou perspectiva, ou proporções de imagem ou o que quer que seja) será bom que cada um o perceba e saiba. Para saber porque o faz e disso tirar proveito ou, pelo contrário e se as circunstâncias assim o exigirem como seja um cliente, poder evitar o excesso de personalização.

E parar para pensar naquilo que fazemos e de que gostamos, mais que gastar tempo, é saber usá-lo.


By me

 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Na parede


 


Estava escrito num muro que fica a meio caminho de minha casa para o liceu.

Passado algum tempo, esse caminho passou a ser o de casa para o trabalho, que muitas vezes fiz a pé.

Por isso o vi muitas vezes, até ficar indelevelmente gravado na minha memória:

“Liberdade para todos, menos para os fascistas”

Foi escrito naquele tempo que se seguiu à revolução de Abril, prolífero em mensagens com sentido nas paredes, umas mais simples, outras bem coloridas, algumas verdadeiras obras de arte.

Esta, a preto sobre o já não branco do muro, sempre me incomodou. Muito! Muito mesmo!

Qualquer um que me conheça, por pouco que seja, saberá que não defendo a ideologia fascista. Ou qualquer outra ideologia totalitária, seja qual for o quadrante.

A liberdade é algo de sagrado na minha cartilha e limitá-la é pecado nela também. A liberdade dos actos e a liberdade dos pensamentos.

O simples facto de alguém pensar diferente de mim, por muito oposto que seja, não é motivo para lhe impor castigo ou impedir de o pensar. Mais ainda: o facto de alguém defender em público teorias que se opõem ás minhas, por mais opostas ou que me incomodem, não me dá o direito de o fazer calar.

Liberdade é liberdade, sem peias ou limites.

Não posso aceitar é que teorias que me prejudiquem ou que prejudiquem outros sejam postas em prática.

Assim, quem tentar por em prática teorias totalitárias terá a minha oposição, demonstrando publicamente o seu erro e perigo e impedindo, mesmo que fisicamente, que as liberdades de pensamento ou expressão sejam limitadas. Ou a segregação racial, ou religiosa, ou sexual, ou económica, ou o que quer que seja.

Agora que o possam pensar, que possam dizer o que pensam…

Se eu exijo para mim a liberdade de pensar e de dizer o que penso, bater-me-ei para que os demais o possam fazer. Mesmo que não concorde com o que dizem.

 

Será pantanoso este terreno. Mas não poderei aceitar uma “polícia do pensamento”. Ou o regresso dos lápis azuis. Ou a recuperação de um qualquer Tarrafal. Ou de goulags. Ou de piras de livros. Ou de índex. Ou…

 

By me