segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Chave histórica



 

Há objectos que, de um modo ou de outro, acabamos por guardar sem sabermos bem porquê. E, passados anos, agradecemos o termos feito tal coisa.

Esta pequena chave de fendas é um bom exemplo.

Veio parar-me às mãos em 1979, fazendo parte de um pequeno estojo de ferramentas de tamanhos equivalentes e com a função explícita de serem usados nos ajustes das então novas câmaras de televisão a cores. Uma necessidade não existente com as que usávamos até então, em preto e branco.

Se a memória me não falha, para além desta chave havia uma chave de bocas, duas chaves sextavadas exteriores (halen), uma chave de fendas com ponta em plástico e um pequeno jogo de chaves que partilhavam o mesmo cabo.

Foram compradas pela minha empresa para que, no trabalho diário de calibração de câmaras tivéssemos a chave certa para a função adequada: posicionamento horizontal, vertical e rotativo dos tubos, focagens interiores, e ajustes em pequenos potenciómetros cuja cabeça era plástico.

Hoje todos esses ajustes (ou a sua maioria) são feitos por menus e submenus, com teclas “mais e menos”, botões ou ecrãs tacteis com gráficos e curvas. Equipamento sólido, prático e, acima de tudo, passível de reter em memória a esmagadora maioria de parâmetros usados.

Nessa época as únicas memórias eram as de quem os operava, principalmente a visual. E a preparação de um conjunto de quatro câmaras para um trabalho era tarefa que poderia demorar bem uma hora ou hora e meia, em condições normais, sem avarias e com a luz certa preparada.

Encontrei esta chave no meio de canetas de aparo, tinta permanente, lápis e lapiseiras e etc., enquanto fazia arrumações. Aqueles objectos que guardamos nem sabemos bem porquê, já que alguns já nem têm uso prático.

Esta chave sobrevivente, já corroída pelo tempo e uso, vai lá continuar.

Quando fizerem o espólio do que fui e usei em vida, encontra-la-hão e joga-la-hão fora, que préstimo terá nenhum e tenho várias outras chaves equivalentes e em bem melhor estado.

Mas enquanto a minha memória, que nada tem de digital, dela se recordar, ficará guardada. Nem eu sei bem porquê.


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sábado, 29 de agosto de 2020

Opções


 


Eram velhinhos, bem velhinhos. Percebi-o pelo pouco que pude ver dos seus rostos acima das máscaras que usavam.

Estávamos no metro e eu vinha sentado e entretido com o telemóvel. Dei pela chegada dele porque me passou rente às pernas para se sentar à minha frente, cruzado. Não prestei atenção a mais nada que não ao recolher as minhas pernas para que passasse.

Mas levantei os olhos quando senti que outra pessoa se iria sentar a seu lado e mesmo à minha frente, ignorando as distâncias de segurança.

O meu olhar, quando lá cheguei com ele, era de poucos amigos. Caramba! A composição ia suficientemente vazia para que pudessem sentar-se algures que não “tão em cima” de outros passageiros.

Mas fiquei um nico a olhar para eles.

As rugas que lhes via, entre a máscara e o cabelo, bem que mostravam idade e percursos duros na vida. Não falavam entre si, mas a cumplicidade com que, sentados, partilhavam o toque entre os braços evidenciava que nem disso necessitavam. Ele, com as mãos apoiadas no castão da bengala, ela segurando firmemente a carteira preta e brilhante sobre as pernas, junto com uns óculos e o passe. Os olhares fixos algures em pontos diferentes da carruagem não se cruzaram, mas creio que não precisavam: cada um via um pedaço da vida e, talvez, mais tarde, o comentassem. As roupas eram modestas mas muito bem cuidadas.

Deste conjunto conjecturei que iriam ou viriam de ou para um momento ou evento especial.

Em condições normais ter-lhes-ia indicado, por voz ou por gestos, que ocupassem outros lugares e respeitassem a segurança que os tempos que correm exigem. Não o fiz!

Olhando pela janela, percebi que faltavam umas três paragens para a minha e que seria bem mais fácil terminar eu o trajecto de pé, junto à porta. Protegendo-me e protegendo-os.

Nem sempre podemos exigir o cumprimento de regras aos outros. Haverá sempre que ponderar circunstâncias, custos e benefícios para as partes e agir em conformidade.

Aquele casal, aparentando um muito longo percurso em comum, merecia um tratamento de excepção.

 

Como calculam, esta não é uma fotografia feita na ocasião, apesar de muito me ter apetecido fazê-la.


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quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Uma visão comprometida


 


O local que tínhamos escolhido para acampar estava interdito. Pelo que continuámos, de mochila às costas, em busca de outro.

A escolha recaiu num terreiro, bem liso e horizontal, mesmo ao lado de uma igreja, numa aldeola próxima.

Além da “barraca” que armámos, montámos a tenda e comemos do farnel que levávamos. E, citadinos que éramos, decidimos ir tomar um café no tasco, do outro lado da rua e da igreja.

Mesas de pedra, copos de vinho, dominó… Chegados ao balcão, pedimos as bicas. E fez-se um silêncio denso, pesado. Entreolhámo-nos e olhámos em redor, tentando perceber o que havíamos dito ou feito.

Nessa noite não havíamos feito, que eram colegas que o estavam a fazer: Num velho televisor, alto na parede, havia começado o telejornal e todos ali pararam para o ver.

Nessa noite aprendi, mais que de qualquer outra forma, algo que nunca mais esqueci, tantos anos que já passaram:

Que aquilo que fazemos, tantas vezes com a displicência do quotidiano, são os olhos e os ouvidos dos nossos concidadãos para o mundo.

E que esta actividade é quase uma profissão de fé em que o público, não sendo endeusado, anda lá perto.


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quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Gastos



 

Confesso que tenho algumas dúvidas sobre a eficácia da estratégia nacional a propósito da Covid 19.

Não sobre os tratamentos, vacinas ou gestão de recursos. A ciência faz o que pode, o dinheiro não estica e profissionais de saúde não surgem debaixo das pedras e de um dia para o outro.

Refiro-me antes à forma como as instituições oficiais e os media divulgam informação.

Claro que devemos todos estar informados e perceber como a pandemia está a evoluir.

Mas a chuva de informação, institucional e mediática, as polémicas e as guerras, os números diários… fazem com que a doença e os seus riscos sejam coisa banal, algo do quotidiano, ao qual vamos deixando de prestar tanta atenção relaxar nas medidas de protecção individual ou colectiva.

Quando um dia a coisa apertar (quando e não se) já serão pouco relevante as notícias, os números, os avisos: os cidadãos estarão como que vacinados contra a mediatização da doença e pouca importância lhe darão.

Fará sentido abrandar as comunicações e notícias, sem escamotear dados nem falsificar números, para que quando for preciso os cidadãos reajam eficazmente.

E se digo isto não é porque queira aliviar tensões aqui ou ali, nem proteger esta ou aquela figura pública. É porque conheço os meus concidadãos, nas suas atitudes de “deixa para lá”, e porque a imagem e o som dos responsáveis começa a estar mais que gasta.

O Pedro e o Lobo, lembram-se?


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terça-feira, 25 de agosto de 2020

Ignoto deo


 

É curioso como se consideram os “livros sagrados” como algo imutável, verdades absolutas, leis e normas não discutíveis ou alteráveis.

Por muitos séculos que possam ter, por muitas civilizações que por eles tenham passado, por muito que as normas da vida humana em sociedade possam ter sido alterados, continuam a considerar que os “livros sagrados” não são discutíveis.

E são milhões pelo mundo fora que afirmam “Está no Livro” e, com isso ou contra isso nenhum outro argumento é aceitável.

E, no entanto, sabemos que os livros são escritos por humanos, indo buscar a inspiração para o escrever aqui ou ali. Alguns baseiam-se nas suas próprias vivências, outros no que observam do universo que os cerca, outros ainda indo buscando inspiração no fundo de uma garrafa ou agulha.

A nenhum destes se atribui o caracter de “divino”.

Mas ao “Livro”, seja qual for a teoria que contenha sobre o ou os deuses, atribui-se o valor de inquestionável, de infalível, de absoluto.

Talvez porque, na época em que foram escritos, poucos fossem os que o saberiam ler ou escrever e as palavras vertidas em pergaminho, papiro, estelas ou paredes de pedra tivessem um caracter tão misterioso quanto divino por si mesmo.

Ainda hoje o simples facto de estar escrito no “Livro” faz disso um mistério e lei, fazendo milhões moverem-se e lutarem pela afirmação da sua verdade. Seja-o ou não.

Que os deuses nos protejam das verdades insofismáveis e das inspirações líquidas ou gasosas.

Mas eles, os deuses, devem divertir-se à brava com os confrontos entre as verdades absolutas dos humanos.


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quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Há fé de quem sou

 


Ontem foi o dia mundial da fotografia.

Como entendo que se deve celebrar aquilo de que se gosta todos os dias e não apenas um por ano, aqui fica um relato de um episódio acontecido há mais de dez anos e em torno da minha câmara “À-lá-minuta” ou, como dizem no Brasil, “Lambe-lambe”:

 

Negra! Daquele tom africano que quase nos faz pensar em algo levemente azulado. E que, pela minha falta de hábito em registar este tipo de tez, me deixa quase à-toa em o reproduzir com exactidão.

Bonita! Francamente bonita. Pelo menos naquilo que lhe podia ver, ou seja: as mãos, metade dos pés e a cara. Que todo o resto estava integralmente coberto. Num sinal inequívoco da sua fé ou crença.

 

Quando passou para cima, acompanhada pela pequenada, olhou mas sem muito interesse, que a canalha miúda absorvia-lhe a atenção. Mas no regresso, com mais calma, ficou a olhar à distância para o meu artefacto. Sentindo-lhe interesse, sorri-lhe e gesticulei-lhe que se aproximasse, o que fez.

A comunicação começou por ser difícil e a medo, que pouco sabia de português. Mas em sabendo-me a falar, ainda que mal, o francês, tudo se tornou mais fácil e quis fazer uma fotografia.

Enquanto a impressão acontecia, fui inquirindo e anotando as respostas, como de costume. E foi aí que a coisa aconteceu!

Não tinha a senhora entendido que não apenas iria haver uma eventual publicação na web como, menos ainda, que eu ficaria com uma cópia do que lhe entregasse. E isso quase que a ofendeu. Acredito que entrasse violentamente em confronto com a sua religião que, ao que sei no seu país de origem – Senegal – é seguida com muito rigor.

Desfiz-me em desculpas pelo meu erro ou engano na informação e prometi-lhe solenemente que, em chegando a casa destruiria a cópia que possuía. Que ficasse tranquila que tal sucederia pela certa.

E tantas vezes o assegurei que ela acabou por se descontrair um pouco e passamos a uma pequena mas amena conversa. Estava há cerca de um ano em Portugal, a língua escrita entendia-a mas a falada era uma dificuldade. E que um dos objectivos em aqui estar era o continuar os estudos iniciados na terra natal, nomeadamente em filosofia.

 

Em chegando a casa e em tratando as imagens e dados recolhidos, confesso que me passou pela cabeça ficar com a imagem. Afinal, ninguém saberia da coisa, ninguém a veria, nem mesmo a retratada e a sua prole, pelo que nenhum mal daí adviria. Excepto…

Excepto a minha própria consciência! Que palavra dada é palavra a cumprir, mesmo que mais ninguém saiba que o fiz. Que o meu pior juiz sou eu mesmo!

E foi destruída!

 

E se a retratada, cujo nome eu tenho mas que aqui não referirei como é óbvio, por aqui passar, que esteja descansada:

Daquela fotografia, feita numa destas tardes de 2008 no Jardim da Estrela, não existe nenhum outro registo que não seja aquele pedaço de papel com que ficou.

Porque, afinal, seja qual for a fé que nos move (monoteísta, animista ou ateísmo) a honra é comum a todas!

 


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segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Informação



 “Como Serge Daney gosta de dizer, “ficamos cegos diante da hipervisibilidade do mundo.” De tanto ver já não vemos nada: o excesso de visão conduz à cegueira por saturação. Essa mecânica contagia outras esferas da nossa experiência: se antigamente a censura era aplicada privando-nos de informação, hoje, ao contrário, consegue-se a desinformação imergindo em uma superabundância indiscriminada e indigerível de informação. Hoje, a informação cega o conhecimento.”

By Joan Fontcuberta, in “A Câmara de Pandora”


E eu acrescentaria:

O mesmo se pode dizer, sem sombra de dúvida, da fotografia.

De tanto vermos fotografias sofríveis ou medíocres, perde-se a noção do que é bom ou não, afinando os nossos padrões por baixo.

É aqui que livros, exposições e alguns sites, em que as escolhas podem ter duvidosa qualidade mas não costumam ser, servem para definirmos e aferirmos os padrões do que entendemos por bom e muito bom.

E por bom não entendamos apenas o clássico, as abordagens convencionais e os jogos de cor, luz e composição de acordo com as regras habituais.

A experimentação, o fazer diferente, o insólito abordar de algo que estamos fartos de ver mas que nunca imaginaríamos registado daquela forma, mesmo e principalmente que à margem do convencional, fazem parte do “bom” ou “muito bom” desde que falem connosco.

As mais das vezes, não é isto que encontramos nas redes sociais ou nas revistas massificadas de fotografia.

Vendo a quantidade quase que incontável de imagens fotográficas que são disponibilizadas todos os dias, quase que podemos ficar com a ideia que foram feitas por apenas um pequeno punhado de pessoas, de tão semelhantes e inócuas que são.


O ruído provocado pela superabundância de fotografias sofríveis, ou nem isso, impede-nos de ver ou reconhecer boas imagens.


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domingo, 16 de agosto de 2020

Abordagens

 


Há os que são pró-Sporting e os que são anti-Benfica.

Há os que são pró-liberdade e os que são anti-fascistas.

Há os que são pró-igualdade e os que são anti-racistas.

Há os que são a favor de alguma coisa e os que são anti o seu oposto.

A diferença entre uns e outros é simples: uns constroem algo, os outros destroem algo.

Por mim até mesmo no futebol, que não me aquenta nem arrefenta, prefiro construir a destruir. Prefiro ser a favor de algo que contra algo.

Fazer é muito melhor que desfazer.

A satisfação de saber todos iguais na satisfação das suas necessidades e liberdades é, para mim, muito maior que saber que os que o impedem estão neutralizados, presos ou mortos.


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sábado, 15 de agosto de 2020

Modos de vida

 


A história passou-se numa papelaria do centro de lisboa, numa estreita e velha rua, com um já idoso caixeiro que pedia meças à idade do balcão de sólida e vetusta madeira.

Um cliente a ser atendido, com diversas idas e vindas de quem o atendia. Três clientes à espera de vez, com a calma que hoje não se encontra no “fash-shopping” das grandes superfícies.

De súbito o telefone toca.

Os telemóveis e smartphones de hoje faziam parte dos romances e filmes de ficção científica. Aquele tinha um disco numerado no seu exterior e duas potentes campainhas no seu interior. E eram estas que vibravam, não deixando ninguém indiferente, mesmo que a uns bons metros de distância e com problemas auditivos.

Ao cabo de algum tempo de tocar e de ser ingloriamente ignorado pelo empregado, um dos clientes alertou-o para o aparelho e o seu estridente chamado. A resposta foi lapidar:

“Eu já ouvi. Deve ser um cliente que não quer estar na fila à espera de ser atendido e quer fazer o pedido pelo telefone. Atendo quando for a sua vez, a seguir àquele senhor.”

 

Não creio que hoje, seja qual for o ramo de comércio ou serviço ou a superfície do balcão, volte a ouvir semelhante resposta.

 

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Imagem roubada da net

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Desabafo fotográfico



 Foi um destes dias!

Em mostrando uma fotografia recém-feita a um colega, numa pausa no trabalho, pergunta-me ele:

“Boa! Photoshop, não?”

Consegui ser suficientemente urbano e não dizer o que me ia na alma.

Mas creio que o meu olhar foi explícito, quando lhe disse que não, que a luz era mesmo assim e que me havia limitado a fazer o corte que havia imaginado aquando da obturação.


Perdeu-se o hábito de ver antes de fotografar, de fazer as opções certas em função do resultado desejado.

Hoje aponta-se, carrega-se no botão e depois logo se vê o que se faz com o resultado.

O pós-processamento é importante. Sempre o foi, desde os primórdios da fotografia. Faz parte de tudo aquilo a que chamamos de “fotografia” e que é o que medeia entre o vermos e o mostrarmos. Mas fotografar sem se imaginar o resultado final, sem se ter uma noção razoavelmente exacta daquilo que iremos mostrar…

A fotografia hoje é o fast-food do registo lúmico. O pensar antes de fazer ou o pensar depois de feito, analisar as opções tomadas e aprender com isso, dá trabalho, consome tempo e é pouco social.

Em parte devido ao custo zero do premir o botão, em parte devido ao conceito de “fotógrafo é artista e aquilo também eu faço”, em parte porque fotografar hoje é uma afirmação social.

É sempre um exercício útil, se bem que raro e difícil, o ver-se a quantidade de fotografias falhadas ou rejeitadas por aqueles que são invejados ou admirados antes que apresentem uma imagem final.


Se fazer arte com fotografia fosse assim tão imediato e instintivo, teríamos uns valentes milhões de artistas fotográficos p’lo mundo fora. E umas poucas centenas de pobres coitados, frustrados, que penam, estudam, treinam e tentam, antes de terem coragem de apresentar uma fotografia que se veja.

E não! Não estou a falar de mim que, com muita sorte, faço uma mediana fotografia a cada dois meses. O resto é vício. 


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Música e política

 


Tenho um contrato sem termo, ou sou dos quadros, de uma empresa.

Isso faz com que, ao seu serviço, não descure as minhas funções, goste ou não, concorde ou não, com os conteúdos que capto e transmito.

Da esquerda à direita, de santos imaculados a criminosos empedernidos, trato todos por igual deixando a que consome o que faço a função de julgar e/ou opinar.

Já aquilo que tenho feito quando não ao serviço da empresa com a qual tenho um vínculo permanente tem ”outro fiar”: Sempre me recusei a exercer o meu ofício para partidos políticos!

E o motivo é simples: não acredito inteiramente em nenhum partido, teorias ou práticas e não irei dar o meu melhor voluntariamente para algo em que não confio. Não irei, com o meu esforço profissional, levar gente a acreditar naquilo que mesmo não acredito.

Claro que o posso fazer de consciência tranquila e recusar propostas de trabalho pontuais, já que disso não depende o pão na minha mesa.

Mas se fosse “free lancer” não tendo vínculo com nenhuma empresa, ponderaria muito seriamente cada proposta que recebesse, aquilatando os programas e as práticas de quem me contactasse antes de aceitar. Da esquerda à direita.

Vem isto a propósito de uma figura do panorama musical português estar arrependido de ter participado numa actividade partidária, abrilhantando-a e deixando-se fotografar com o líder.

Tem mais de cinquenta anos, pelo que já não é nenhuma criancinha inocente. E todos nós temos uma ideia, melhor ou pior cimentada, sobre os partidos existentes: práticas e teorias.

A única desculpa que lhe dou é o facto de a pandemia ter deixado o mundo do espectáculo de rastos, sem forma de ganhar decentemente a vida e cada actuação servir, as mais das vezes, para pagar as dívidas acumuladas ao longo destes meses.

Quanto ao resto, espero apenas que o seu desempenho (que conto ter sido tão bom e honesto quanto se aguarda de um profissional) não tenha servido para aumentar a popularidade do partido com o qual colaborou.


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domingo, 9 de agosto de 2020

Equidades



 

Começando por algum lado, afirmo que não sou simpatizante do PCP. Nem seu eleitor.

No entanto, começam a chatear-me o Tico e o Teco os editoriais, os artigos de opinião, as reportagens e as notícias sobre a festa do Avante, que decorrerá em Setembro.

Em primeiro lugar, a pouco menos de um mês, não sabemos como estará o país em termos pandémicos e da quantidade de casos de doença.

Em segundo lugar, e por aquilo que tenho lido e ouvido, sempre foi afirmado que serão cumpridas todas as normas emanadas pelas autoridades de saúde.

Em terceiro lugar, não ouvi ou li coros de protesto mediáticos quando o Campo Pequeno se encheu de gente para um espectáculo com altas figuras do estado presentes. Nem quando passaram a ser permitidas as corridas de toiros nos mesmos espaços. Nem quando o partido mais à direita com representação parlamentar promoveu uma manifestação/desfile pelas ruas de Lisboa.

 

Não creio que haja equilíbrio nos critérios editoriais da comunicação social portuguesa. Em havendo que “abrir fogo” sobre alguma ala política, é sempre sobre a esquerda, usando de paninhos quentes sobre a direita.

Poderá dizer-se que isso é um direito constitucional: liberdade de expressão e de opinião. Mas também é verdade que a comunicação social se afirma como livre e isenta, respeitando o código deontológico, nomeadamente a pluralidade de opiniões e o direito ao contraditório. Exceptuar-se-á, naturalmente, os jornais ou semelhantes que assumem ser a voz deste ou daquele partido ou tendência.

 Diz-se que a comunicação social (o quarto poder) é vital para a democracia e o seu exercício. Estou tentado a acreditar nisso. Mas desta forma ponho muitas reservas no que toca à sua utilidade.


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quinta-feira, 6 de agosto de 2020

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Todos os dias morre gente. Por cá e pelo mundo.

Uns morrem de doença, outros de acidente, outros de velhice, outros ainda por desistência. Alguns ainda porque outros decidem mata-los, em actos de guerra ou não. Pontualmente porque a sociedade decide mata-los, com o carimbo de justiça.

A morte faz parte da vida e a ela estamos inexoravelmente condenados.

 

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terça-feira, 4 de agosto de 2020

Barreiras interiores



Costumo perguntar a formandos ou novatos qual a cor do prédio em frente ao seu. A resposta leva alguns segundos e, por vezes, não vem.
Não prestamos atenção ao que nos cerca no quotidiano, àquilo que temos por garantido, procurando longe o que temos por perto: pessoas, assuntos, luzes, eventos. Um pouco como os museus, que visitamos todos nas cidades onde vamos em turismo mas negligenciamos os da nossa própria cidade.
Desafiei em tempos um grupo de adolescentes a todos os dias, em saindo de casa a caminho da escola, fazerem uma fotografia da sua rua. A proposta sugeria durante quinze dias. Gostaram tanto do desafio que o mantiveram durante mais de dois meses e, de acordo com o professor que os acompanhava em fotografia, com resultados surpreendentes. Tanto a nível fotográfico como a nível de maturação pessoal.
A fotografia, bem mais que técnica, estética, método e afins, é um olhar sobre o que nos cerca através daquilo que somos. E, as mais das vezes, revela-nos bem mais sobre os nosso interior que sobre o mundo circundante.

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segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Éticas e apropriações



Há coisa de dez anos, mais ou menos, aconteceu uma moda na web: o Planking.

A ideia era ser-se fotografado na pose que se vê na imagem, a solo ou em grupo. E quanto mais incomum ou arriscado fosse o local mais sucesso teria.

A ideia foi seguida maioritariamente por jovens um pouco por todo o mundo e, ao que sei, alguns mais arrojados tiveram um final infeliz.

Não sou jovem nem temerário. Mas entendi que como desafio fotográfico poderia ter graça. E alinhei com alguns exemplos.

Aquilo com que não contava foi o ter havido um conhecido e grande grupo de imprensa português que foi usar esta minha imagem sem uma palavra prévia. Ilustrando um artigo sobre os perigos dos peões nas auto-estradas.

Soube disso porque um colega me alertou e contactei de imediato o director da publicação a pedir explicações. Caramba! Não estava publicada numa rede social mas usada para ganhar dinheiro com o meu “trabalho” e à minha revelia. E trata-se de uma imagem de minha autoria mostrando a minha pessoa.

Houve que trocar alguns emails. Nunca me foi dito quem o teria feito, nunca me foram apresentadas desculpa nem proposto fosse o que fosse. Limitaram-se a retirar do site a fotografia e o texto.

 

Fica a história para os mais incautos.


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