Há objectos que, de um modo ou de outro, acabamos por
guardar sem sabermos bem porquê. E, passados anos, agradecemos o termos feito
tal coisa.
Esta pequena chave de fendas é um bom exemplo.
Veio parar-me às mãos em 1979, fazendo parte de um pequeno
estojo de ferramentas de tamanhos equivalentes e com a função explícita de
serem usados nos ajustes das então novas câmaras de televisão a cores. Uma
necessidade não existente com as que usávamos até então, em preto e branco.
Se a memória me não falha, para além desta chave havia uma
chave de bocas, duas chaves sextavadas exteriores (halen), uma chave de fendas
com ponta em plástico e um pequeno jogo de chaves que partilhavam o mesmo cabo.
Foram compradas pela minha empresa para que, no trabalho
diário de calibração de câmaras tivéssemos a chave certa para a função
adequada: posicionamento horizontal, vertical e rotativo dos tubos, focagens
interiores, e ajustes em pequenos potenciómetros cuja cabeça era plástico.
Hoje todos esses ajustes (ou a sua maioria) são feitos por
menus e submenus, com teclas “mais e menos”, botões ou ecrãs tacteis com gráficos
e curvas. Equipamento sólido, prático e, acima de tudo, passível de reter em
memória a esmagadora maioria de parâmetros usados.
Nessa época as únicas memórias eram as de quem os operava,
principalmente a visual. E a preparação de um conjunto de quatro câmaras para um
trabalho era tarefa que poderia demorar bem uma hora ou hora e meia, em
condições normais, sem avarias e com a luz certa preparada.
Encontrei esta chave no meio de canetas de aparo, tinta
permanente, lápis e lapiseiras e etc., enquanto fazia arrumações. Aqueles
objectos que guardamos nem sabemos bem porquê, já que alguns já nem têm uso
prático.
Esta chave sobrevivente, já corroída pelo tempo e uso, vai
lá continuar.
Quando fizerem o espólio do que fui e usei em vida,
encontra-la-hão e joga-la-hão fora, que préstimo terá nenhum e tenho várias
outras chaves equivalentes e em bem melhor estado.
Mas enquanto a minha memória, que nada tem de digital, dela
se recordar, ficará guardada. Nem eu sei bem porquê.
By me