segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019
Uma história com fim (talvez)
Entre quinze a vinte minutos. Foi quanto esteve aquele comboio da linha de Sintra parado naquela estação.
Por mim, que vinha entretido a “pensar na morte da bezerra”, a coisa até que não me incomodou muito. Nos primeiros cinco minutos, reconheço. Depois, não apenas a vontade fumar um cigarrito como a curiosidade levaram-me a sair de onde estava e vir cuscar cá fora. Um montão de gente no fim do cais, olhando o negrume da noite disseram-me onde acontecia o extraordinário. E fui.
Nada vi, que nem mesmo os faróis do comboio o alumiavam. Pelo menos nada vi do que ali tinha estado, que ainda me apercebi do revisor da CP à conversa, primeiro acendendo um cigarrito da paz, com alguém que estaria sentado na beira da linha.
P’las conversas que ouvi, aqui e ali, teria sido alguém com intentos suicidas, avistada antes do retomar da marcha da composição. E abandonava eu a pequena multidão ali junta e um rapaz exclamou:
“Eh pah! Dinheiro não é problema e não merece isso!”
Com uma palmadinha amigável (ou paternalista, como queiram) sempre o esclareci:
“Nem sempre é dinheiro. Nem sempre!”
“Então é mulher? Eh pah, corta essa!”
É! Para todos a vida resume-se a dinheiro e sexo, o que talvez não esteja completamente errado. Eu próprio costumo dizer que a vida é uma moeda que gira apoiada na ponta de um pénis.
No entanto… aquilo que pode levar alguém ao acto final não tem que passar por isso!
Por vezes é mesmo o equilíbrio entre aquilo que somos e aquilo que somos obrigados a ser que se rompe. E o instinto de sobrevivência psíquica sobrepõe-se ao físico.
Eu e ela (a morte) temos andado de braço dado há mais de cinquenta anos. Já nos fixámos, olhos nos olhos, em várias ocasiões. E ainda está por decidir quem, de nós os dois, irá bater na porta do outro primeiro.
Talvez que seja por causa dessa cumplicidade que tenho decidido que nunca impedirei ninguém de o fazer. O mais que poderei intervir é tentar abrir os horizontes de quem esteja nesse limiar. Mostrar-lhe outras vias ou caminhos. Mas a escolha será sempre, sempre, do próprio.
Em última análise, o suicídio é o derradeiro gesto de liberdade e independência que o ser humano pode ter.
Se o caminho-de-ferro interrompido em hora de ponta vespertina é um incómodo para uns milhares de passageiros de regresso a casa, pesando todos esses problemas com os de quem se coloca na linha, não sei para que lado tomba a balança!
(Nota extra: quem quer que lá estivesse desistiu de o fazer e retirou-se na companhia de uns bombeiros voluntários que, também eles, regressavam a casa no comboio.)
Texto e imagem: by me
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