sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019
Patranhas
Estávamos no ano de ‘98. Decorriam os saudosos Encontros de Fotografia de Coimbra, espalhando fotografia e fotógrafos por toda a cidade. Um dos espaços usados era o emblemático “Edifício Chiado”, bem no centro da cidade.
Esta história passou-se nele, já depois do seu restauro.
A exposição era sobre um cosmonauta soviético e a fundação Sputnik.
Nas paredes e nas vitrines, no centro da sala, abundavam fotografias do herói, fardado ou à civil, quando pequeno ou junto aos seus camaradas de armas e de curso.
Constavam também recortes de jornal, livros de estudo, cadernos de apontamentos e cartazes alusivos à sua viagem. Entremeados com estes documentos, elementos da sua farda e divisas, óculos, carteira e outros objectos pessoais e, se a memória me não falha, pedaços do seu fato espacial e do simulador onde terá treinado.
Tudo isto era acompanhado de legendas em inglês, que identificavam cada uma das peças, recortes e fotografias, que nos seria difícil de entender a língua russa em que estavam escritos.
No final da exposição, um cartaz com letra miúda, onde nos era passado um atestado de… ingenuidade!
Todo aquele estendal de livros, fotos, recortes e objectos diversos mais não era que um fenomenal embuste.
A pessoa ali retratada nunca tinha sido cosmonauta, nem sequer militar ou mesmo russo e todos os documentos, fotografias e objectos eram falsos.
O público, ao ler esta explicação, ria, sorria ou franzia o cenho, incomodado com a sua própria credulidade e por ter sido enganado.
Mas não o tinha sido!
Foram os próprios que atribuíram um valor real ao que estavam a ver, que acreditaram nas legendas numa língua estranha, já que não entendiam o original e que quiseram, no seu íntimo, que tudo aquilo fosse “verdade”.
Perguntava-me, um destes dias, um estudante de comunicação se eu admitia a manipulação da imagem, fotográfica ou não.
Claro que admito, aceito e recomendo.
O problema, a existir, nunca está na imagem por si só mas antes na leitura que dela fazem autor e público!
Se ambos dizem ser verdade aquilo que está exibido, e se essa afirmação não é posta em causa, então a patranha passa a verdade, eventualmente desmontável mais tarde, e com todas as suas consequências.
Mas se não for assumido por parte do autor um carácter de veracidade, se não lhe for dado o carácter de “documento”, então tem tanta validade quanto as esculturas que se fizeram ou fazem de Moisés que, tanto quanto sei, nunca foi retratado em vida.
By me
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