A morte é um dos três
momentos importantes de um individuo. Os outros dois são o nascimento e o
casamento.
E se estes são motivos de
alegria, para o próprio e/ou para os familiares, já a morte é, regra geral, um
momento difícil e de tristeza. Porque resultou de sofrimento e porque os
sobreviventes sentem a sua falta.
Estes três momentos são
vividos em conjunto, cerimonialmente. Para além dos sentimentos dos
directamente envolvidos, a sociedade assim o organiza e há, quanto a mim e não
só, motivos para tal. Motivos materiais que remontam a muito longe:
A apresentação da criança
(recém-nascido ou já infante) para mostrar ao mundo quem herda. Terrenos,
rebanhos, negócios; A declaração de união ou casamento para mostrar ao mundo que
os bens de ambos se juntaram. Terrenos, rebanhos, negócios; A cerimónia fúnebre
para que o mundo saiba que os seus bens pertencem aos herdeiros.
Por muito cínico que isto
pareça, estas são as razões para se fazerem desses três momentos reuniões de
parentes e amigos, de juntar um razoável número de pessoas em torno de eventos
que são muito pessoais, alguns de alegria, outros de tristeza.
Claro que a religião – o
conceito do divino e os medos do inexplicável – vieram ocupar um lugar de
destaque nestes momentos, reclamando para si – para a organização – o papel de
regulador das cerimónias, de testemunha dos eventos e sancionador das
consequências. Quer se trate de um ente incorpóreo, com várias cabeças ou
braços ou à imagem e semelhança da zoologia.
É de acordo com a
teologia que as cerimónias decorrem. Introduzindo o recém-chegado na comunidade
e atribuindo-lhe uma identidade, vinculando os noivos a um compromisso e
desejando uma vida para além da morte tranquila e feliz. E depende das
tradições religiosas e dos conceitos o tipo de celebração.
A imagem, tanto a pintura
quanto a fotografia, não se exclui destas celebrações. Fazem-se os registos dos
baptismos e casamentos, sendo quase que uma obrigação haver este registo
pictórico. Como se a imagem fosse o testemunho indiscutível. E negócio rentável
e apetecido.
Já no funeral as coisas
são diferentes.
Não queremos, em regra,
registar os momentos tristes. Como disse alguém “Quando ris, o mundo ri
contigo, quando choras, choras sozinho”.
E apesar de na maioria das
confissões religiosas a morte ser uma passagem para algo melhor, não ficamos
com esse registo porque nós próprios, que ficaríamos nas fotografias, não
estamos felizes ou sorridentes. E ninguém quer retratos ou registos da
infelicidade.
Sugiro que procurem nos
vossos arquivos, nos vossos livros e nas vossas memórias imagens de funerais ou
velórios. Que não as feitas para os media ou as dos filmes. Talvez não
encontrem nenhuma.
Por isso mesmo, fiquei
particularmente surpreendido quando, um destes dias, vi uma fotografia de uma
cerimónia fúnebre. No caso, o último adeus perante o corpo, antes de fechada a
urna. Uma fotografia privada, que não para jornais, incluindo um vislumbre do
defunto, o cônjuge e os amigos próximos. Uma fotografia que foi feita não sei por
quem mas divulgada pelo cônjuge.
Não será algo comum. Eu
diria que será algo de raro, muito raro. Mas… Mas é aqui que a coisa se
complica.
A raridade da imagem
prende-se com a cultura em que o acontecimento se desenrola. Com a tristeza
individual e colectiva e a perspectiva do que sucede depois da morte.
Para os chamados
“ocidentais” tal imagem poderá ser chocante. Quase que indigna por violar uma
privacidade absoluta de um momento muito difícil. Para outras culturas, para
outras fés, para outros pensamentos, pese embora a dor da ausência, será uma
despedida tão suave quanto o possível, um “até já” quase certo.
Não creio que volte a ver
tal tipo de imagem. Eu (nós), que vivemos no mundo ocidental, de cariz cristão.
Pelo menos uma imagem feita pelos próximos do defunto.
A fotografia, mais que o
registo de uma sociedade, nos seus usos e costumes, é ela mesma parte
sociedade, integrando os usos e costumes.
Podemos – nós os
fotógrafos – colocarmo-nos à margem, como voyeurs que somos, alienarmo-nos do
nosso do nosso papel de parte integrante da sociedade. Mas não o conseguimos.
Enquanto a fotografia for
feita por humanos – e ainda bem que o é – serão sempre as emoções e as culturas
dos fotógrafos que nela estarão espelhadas, com tanto ou mais impacto que aquilo
que elas registam explicitamente.
Nota adicional: Não me
sinto nem autorizado nem com coragem de aqui mostrar a fotografia que gerou
todo este perorar.
Fica apenas um grafismo e
os meus sentimentos para com quem a publicou.
By me
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