quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Híbrido


A banalização da escrita electrónica e a posse, desde há menos de um ano, de um computador realmente portátil, tem feito com que parte do que vou escrevendo seja directamente nas teclas. Com vantagens e desvantagens.
Por vantagens, por exemplo, é ficar com o texto pronto e em letra legível de imediato (o que não é frequente com a minha caligrafia). Texto batido no teclado é texto pronto a usar.
Também há, como vantagem, o acesso a outras fontes, quer sejam como complemento de ideias, quer seja como correcção da escrita, quer consultando o que nele está arquivado, quer seja procurando na web.
Ou ainda, o poder tratar as imagens, que o hão-de acompanhar, de imediato, criando uma maior empatia ou intimidade entre ambas as formas de expressão.
Acontece, porém, que estas mesmas vantagens são também desvantagens.
À uma, o facto de “texto batido é texto pronto” também é texto escrito de uma penada, não revisto nem corrigido. Nas ideias, na forma e, até, no uso da língua. Que a preguiça muitas vezes me impede de refazer aquilo que, aparentemente, está pronto.
Não podemos esquecer que, por muito de impulso que se trabalhe, mesmo esse terá que ser o resultado de alguma maturação, repetição mesmo. E se as ideias andam a “marinar” cá dentro, por vezes dias a fio, nem sempre é ao escrevê-las que ficam com as arestas limadas. Fazer um rascunho, uma primeira versão acaba por ser um bom método. E coerente.
Claro que o uso do pc portátil, por muito que ele esteja vulgarizado e na moda, ainda aguça a cobiça de elementos da CAPA (Confederação dos Amigos das Propriedade Alheia). E a discrição é uma das melhores formas de os evitar. Além do mais, a excentricidade de estar a escrever com caneta num bloco em cima do joelho e sentado num comboio em andamento, acrescido do meu aspecto, é suficiente para que, se me abordarem, seja para me darem uma moedinha ou avisarem-me com cumplicidade da aproximação do revisor.
Mas, para mim, a maior desvantagem de escrever directamente no teclado é o não uso da caneta. Confesso que o estender da tinta sobre o papel é um prazer, o segurar a caneta entre os dedos uma satisfação, mesmo naqueles momentos em que a indecisão faz com que o aparo fique imóvel a milímetros da folha.
Há, no entanto, um momento em que o escrever clássico de caneta e papel me é desagradável. Pelo menos incomodativo o suficiente para hesitar em o fazer: As primeiras palavras na primeira folha de um bloco de apontamentos novo.
Por muitos que já tenha usado e encetado, por tamanha rotina que isso acabe por ser, o macular a alvura das folhas virgens com uma escrita quase ilegível é, sinto-o, um sacrilégio. E hesito, hesito, hesito…
Claro que, após a primeira linhas, ou mesmo a primeira palavra, em tomando balanço ao fluir das ideias e com as palavras a brotarem quase que inconscientemente, numa vã tentativa de acompanhar em velocidade no papel o que grita atrás dos olhos, todas as hesitações se desvanecem.
E quando mais tarde, em casa, no café, numa pausa de trabalho ou num jardim, tudo passa a letra preta sobre fundo branco e luminoso, nenhum resquício dessa angústia me atrapalha.
Neste dualismo entre a caneta e o teclado, sou um híbrido do aprendido de pequeno e amante do deguste com a facilidade e imediatismo da máquinas contemporâneas.
Se o meu trabalho tivesse algum valor, poder-se-ia dizer que aproveito o melhor de dois mundos. Assim… É apenas o híbrido possível!


Texto e imagem: by me

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