terça-feira, 11 de agosto de 2009

A janela


Foi do lado de lá desta janela. Ou talvez da do lado, não posso já garantir.
Mas foi do lado de lá que, naquela segunda-feira, pelas 8.30 da manhã, pela primeira vez fiquei frente-a-frente com uma turma de alunos. Sozinhos, eles e eu.
Para eles era uma estreia, já que se tratava do primeiro dia de um ano escolar e estavam no primeiro ano de um curso profissional onde esperavam vir a aprender um ofício. Um ofício que queriam ou supunham querer.
Mas, mais que para eles, que toda a sua vida tinham sido alunos em turmas, era a minha primeira vez daquele lado da secretária. Com todos os receios que o peso da responsabilidade e a consciência da minha ignorância naquela actividade acarretavam. Talvez mesmo, mais que receios, roçava o pânico.
E, à medida que eles iam entrando na sala, cada um deles sozinho e a descobrir o que era aquilo, eu, de pé em frente da secretária e sorrindo para eles, olhava-os e o medo crescia. Que, na expressão de cada um e uma, na pose de cada um e uma, eu via ou tentava descobrir quem eram e ao que vinham. Mas, pior ainda, era ir adivinhando demoníacas tropelias e terríveis dificuldades no relacionamento aluno/professor. Passados todos estes anos, tenho que confessar que estive quase a abandonar a sala e o trabalho!
No entanto, e por um qualquer motivo, deixei-me ficar, venci os medos quase pânicos e, findos uns dias de convivência, apercebi-me do quanto estava enganado.
Ao contrário do que havia visto, aquela era uma turma de rapaziada e raparigada excelente, ávidos de aprender e desejosos de trabalhar. Foi óptimo ter estado com eles!
Resta-me saber quem, daquele ano lectivo, mais lucrou e aprendeu: se eles enquanto alunos, se eu enquanto ajudante de aprendizagem. Que foi exactamente nesse ano, o primeiro, que entendi e aprendi a diferença entre ajudar a aprender e ensinar.
Claro que, e para além disto e de tudo o mais que fui entretanto aprendendo com os alunos, ficou-me a certeza que não devemos dar crédito à primeira impressão com uma turma. Ou com um individuo. Que essa primeira impressão depende do nosso próprio estado de espírito, bem como do daqueles que avaliamos. E que, nesse processo de recíproca abordagem, em regra ficam escondidas as melhores facetas.
Dar tempo ao tempo e oportunidade de cada um se descobrir, se desvendar, de dar o seu melhor e o seu pior. E aí sim, fazer ou ir fazendo um juízo sobre o grupo ou pessoa. É uma boa regra que deve ser seguida sempre!
Claro que o “Sempre”, tal como o “Nunca”, são conceitos que nunca devem ser seguidos sempre. Até porque, por vezes, a primeira impressão acaba por se revelar a mais correcta, por mais tempo e esforço que se use no aprofundar o conhecimento.
Foi o caso de um aluno que tive, passados anos e noutra escola. Desde o primeiro dia que não tive boa opinião a seu respeito. Enquanto cidadão, enquanto aluno, enquanto futuro profissional. E, do que recordo das reuniões de professores, era a opinião generalizada.
Acabo agora por o reencontrar neste mundo maluco dos audiovisuais. Não o reconheci de imediato, para vergonha minha, e foi ele que mo recordou. E, se também então não recordei a opinião que tinha formado dele, a consulta aos arquivos, então em papel, refrescou-me a memória.
E tive a tristeza de constatar que essa opinião era correcta. O que dele vi a trabalhar bem como o que dele vi enquanto mero cidadão veio, sem sombra de dúvidas, na linha do que havia sentido anos atrás. Mais valia que, quando abandonou o curso a meio, já não sei porque motivos, tivesse seguido uma qualquer outra actividade onde, para além de ganhar a vida, o fizesse com mais qualidade e brio.
Mas, por outro lado, fiquei satisfeito. Foi o facto de ele ter abandonado o curso, bem como mais um ou dois ao longo dos anos que com jovens trabalhei, que fez com que o meu objectivo se mantivesse impoluto: Não reprovar um aluno! Que em algum sendo mais fraco na aprendizagem apenas iria exigir mais esforço da minha parte. Afinal, é para isso que se está numa escola: para aprender, sendo essa a função dos que lá estão a “ensinar”.
Porque “Escola” é isso mesmo: O abrir das janelas sobre o futuro e mostrar aos alunos os horizontes que dali se vislumbram. As portas que se abram, os caminhos que se tracem e os horizontes que se atinjam, isso, já não depende de nós. Serão eles que o farão!



Texto e imagem: by me

Sem comentários: