quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Uma proposta de fim-de-ano


Há quem faça questão de passar o fim do ano a beber. Espumante, vinho, bebidas fortes. Suponho que, por não a terem naturalmente, vão procurar na álcool a alegria que entendem dever ter nesta data arbitrária.
Outros cumprem a tradição comendo uma passa a cada badalada da meia-noite. O objectivo simbólico é ter comida durante todo o ano que então começa.
Também há quem, logo no início do ano, atire fora um sapato velho. Quês as coisas velhas devem ser descartáveis. Pena é, em Bagdad, não ter sido o fim do ano há pouco tempo, ou Bush teria recebido uma chuva de sapatos.
Tradição igualmente antiga é o dar um salto, subindo ou descendo, aquando da exactidão da meia-noite. Provavelmente uma tentativa de ter todo o corpo, naquele instante, como é costume ter a cabeça: no ar.
Por mim, bem, por mim espero estar, aquando desse momento igual a todos os outros, a ver fogo de artifício. De uma forma ou de outra, enche-me a alma e mostra-me sem sombra de dúvidas o efémero que somos. Uma relação íntima, também, com a fotografia e o “momento decisivo”, aquele instante em que é forçoso fotografar ou já nem vale a pena darmo-nos ao trabalho.
Mas também espero estar, nesse mesmo momento, com uma mão no bolso. Mais exactamente, com a mão no bolso e os dedos no buraco que sempre por lá encontro. Porquê? Bem, para tentar estancar a sangria de dinheiro que vou sentindo, a par com todo o mundo. No meu caso, acredito, que seja por ele fugir por este buraco.



Texto e imagem: by me

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Talvez porque estava sol!


Talvez porque estava sol! Talvez por ser feriado! Talvez por faltarem ainda uma mão cheia de dias para o final do mês! Talvez…!
O autocarro levava apenas meia dúzia de gatos-pingados. Uma senhora idosa, gorda e de ar modesto, num dos bancos da frente; eu mesmo, de pé e com o saco nas costas e o tripé ao peito, no patamar junto à porta; um casal de meia-idade, num banco logo a seguir; lá para o fundo, em bancos separados, dois homens de idades indefinidas. E nada nos unia naquela viagem, não fora o partilharmos o autocarro e, por ser o dia que era e a hora que era, parecermos uma multidão.
Mas, metido que estava nos meus próprios pensamentos e observando que ia a avenida deserta como nunca, não teria dado por nada, ou quase.
O que me fez despertar para o que acontecia ali dentro foi uma voz, vinda da porta da frente. Um rapaz, de vinte e poucos, nem bem nem mal vestido, exclamava para o motorista: “Oh chefe! Não me faça isso! Logo hoje!”
Olhei, como os demais devem ter olhado também. A nota de vinte euros que tinha na mão contava a história sem falar. Ele queria pagar o bilhete, um euro e trinta cêntimos, mas o motorista/cobrador não tinha troco. Deve ter-lhe proposto entregar-lhe um vale da quantia a devolver, para ser recebida numa das estações centrais da Carris. Lá na outra ponta da cidade e não naquele dia, que se tratava de um feriado.
Acredito que o rapaz não tivesse ali mais dinheiro que aquele e ficar sem nenhum, naquele dia, seria catastrófico. Depois de trocar mais uma palavras, em voz baixa, com quem lhe devia vender o bilhete, veio de passageiro em passageiro, perguntando se, por mero acaso, não teríamos troco de vinte euros. E a nossa resposta, cada um à vez, foi negativa. Por mim, tinha uns cinco ou seis euros em moedas e a nota mais pequena era de dez. Não chegava!
Regressou lá à frente, sempre com a nota na mão, suponho que para tentar convencer o funcionário da sua vontade de pagar mas também da sua impossibilidade de encontrar trocos para tal.
Entre mim e ele, a velhota sentada chamou-o. Tinha decidido fazer aquilo que eu mesmo estava a hesitar em fazer. Abrindo e rebuscando no seu porta-moedas, foi contando moedas até perfazer os malfadados euro e trinta do bilhete. E entregou-lhos, dizendo: “Tome! Vá lá pagar!”
“Mas…” titubeou ele, “Mas…!” “Vá lá”, interrompeu ela, “Vá lá antes que ele lhe passe a multa!”
E ele foi. Pagou o bilhete e deixou-se ficar por ali, junto à porta da frente.
Duas paragens depois a velhota saiu, transportando com dificuldade o seu próprio peso e o de um saco, volumoso também, que segurava. Não trocaram mais palavra e, creio, não mais se encontrarão.
Um euro e trinta cêntimos. O preço da satisfação de ambos. O conceito de barato e de caro dependerá das posses de cada um deles. Que não me pareceram abastados, bem pelo contrário.
Mas…. Qual o preço de um sorriso?Talvez porque estava sol! Talvez por ser feriado! Talvez por faltarem ainda uma mão cheia de dias para o final do mês! Talvez…!
Texto e imagem: by me

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Modernisses


Logo de manhã dou com duas notícias em dois jornais on-line.
Numa delas fala-se do fim anunciado das Cassetes VHS. Não se trata de nada de novo, que cada vez mais este suporte é difícil de encontrar, tanto virgem para gravar como com conteúdos. O artigo faz ainda uma breve história dos suportes de vídeo domésticos, com especial ênfase para o Betamax, de saudosa memória. Não fora o “flop” comercial da Sony, na altura, e teria sido o padrão dos vídeos amadores.
Claro que a tecnologia evolui e hoje pouco sentido faz investir nos suportes ditos “analógicos”. E quem os tiver em arquivo que se cuide, que dentro de alguns anos não serão mesmo encontrados equipamentos para os ler, supondo que, entretanto, ainda haverá imagens registadas nas fitas.
Por mim, vou digitalizando para suporte DVD os muitos e muitos filmes e documentários que ainda tenho em VHS. E vou continuar sem saber que fazer aos muitos quilos ou caixotes de cassetes que, entretanto, quero deitar fora e não sei como o fazer por um processo ecológico.

A outra notícia, noutro jornal on-line, fala-nos também de novas tecnologias. Neste caso, não de entretenimento mas antes da que é imposta pelo estado ou governo.
A ser verdade o que li, o Estado Português vai acabar com os anúncios em jornais impressos. Justiça, Saúde, Educação, passam a ter os seus anúncios públicos apenas em suporte de internete. Com esta medida o governo espera vir a poupar mais de dez milhões de euros anuais.
Claro que o principal enfoque do artigo era sobre as quebras de receitas que a imprensa vai sofrer, num momento em que já não anda de boa saúde de finanças.
Mas o que a mim mais me incomodou, e que primou pela ausência de análise por parte dos jornalistas, foi a questão da comunicação com os cidadãos. Esta decisão, que aparenta estar cheia de bondade acaba por ser uma forma de excluir aqueles que, por este ou aquele motivo, não têm acesso às tecnologias de informação. Ou devido ao preço, que um computador não é barato, ou porque não sabem trabalhar com eles. Para já não falar no facto de para se aceder à web ter que existir um contrato com um fornecedor de serviços o que, para além da despesa, condiciona a privacidade das leituras. Porque, não nos esqueçamos, a lei obriga os servidores de internete a manterem um registo das páginas acedidas por cada IP durante um dado período, para efeitos de investigação judicial. O que significa, na prática, que é possível saber-se se fulano ou sicrano foram saber que concursos existem ou o que o ministério da saúde ou educação ou justiça têm a dizer aos cidadãos. Mas não a todos.
Que não basta saber ler e escrever, há que saber usar o PC e ter posses para isso.
Por outras palavras, cada vez mais o estado está a criar info-excluidos, aqueles que, por não terem aprendido ou não terem meios materiais, se encontram fora do contacto dos governantes. Aqueles mesmos governantes que o são porque todos, repito, todos os cidadãos votam ou podem faze-lo.

As novas tecnologias de informação estão aí para ficarem. Mas não podemos, por uma questão de modernidade ou teimosia, faze-lo mais depressa do que a sociedade é capaz de absorver.



Texto e imagem: by me

domingo, 28 de dezembro de 2008

Um momento de raiva num dia de raiva


Sobre este filme em particular, muita coisa pode ser dita: interpretação, realização, direcção de fotografia, argumento…
Contudo, este pedacinho que aqui exibo é um mimo! Tempo, fotografia, medo, cortesia, simpatia, consumo, comida, publicidade, desespero…
No filme “Um dia de raiva” (no original Falling down), de Joel Shumacher e protagonizado por Michael Douglas, este é a melhor sequencia. Eu diria mesmo que a coloco entre as melhores que já vi em cinema.
Aqui a deixo, com a secreta esperança que não se trate apenas de uma cena de cinema e que mais haja quem tenha a coragem de algo de semelhante fazer.


Texto: by me

O buraco da agulha


É mais fácil um camelo passar num buraco de agulha que um rico entrar no reino dos céus.
Esta frase terá sido dita faz muito tempo por alguém que, para além de místico, era um sábio pela certa.
Uns vinte séculos passaram e ou bem que os camelos aumentaram enormemente de tamanho ou as agulhas diminuíram notoriamente. A ponto de uma simples linha ser difícil de fazer entrar no respectivo buraco de agulha. Algo que todos nós já constatámos várias vezes ao longo da vida.
Esta dificuldade aumenta exponencialmente se, como eu, só se vir de um olho. Aí, para além das dimensões, põe-se a questão de acertar no buraco. Garanto que é tarefa ingrata e frustrante.

Um destes dias entrei numa retrosaria, ali na rua da Conceição, em Lisboa. Ia eu em busca de uns elásticos de cordão, de umas tiras de “Velcro” e de umas outras miudezas para a manutenção de alguns dos meus artefactos de fotografia.
Já tudo no saquito de papel, e após uns bons dedos de conversa com o caixeiro, sobre o tempo, o turismo e os carteiristas dos eléctricos (que eles conhecem de os ver “trabalhar” ali na paragem em frente da porta) e comento que já só me faltava a paciência de conseguir enfiar a linha na agulha. E se eles não me venderiam um olho extra para remediar o problema.
O bom do homem, mais velho que eu, olhou para mim com ar sério. Depois sorriu e afirmou prazenteiro: “Olhos não temos, mas há aqui uma coisa que o pode ajudar!
E abrindo uma gaveta no balcão, tirou uma caixa onde se pôs a rebuscar. E exibiu-me o que aqui vedes: Um auxiliar metálico para enfiar a dita linha no referido buraco da agulha!
Segurando na chapinha, é realmente fácil acertar com o aramezito no orifício. Depois, é só colocar a linha com se vê e puxar o conjunto. Em três tempos temos a linha enfiada onde a queremos!

Não creio que há 2000 anos houvesse algo de parecido para camelos. Ou a célebre frase nunca teria sido proferida!



Texto e imagem: by me

sábado, 27 de dezembro de 2008

Os patins novos


Quando chegou ao Jardim já eu equacionava a possibilidade de me ir embora. O dia tinha estado fraco, o frio sentia-se a chegar e, tirando um ou outro detalhe, a tarde estava monótona como poucas.
Com ar sério, sentou-se num banco, perto de onde eu estava. E, entre o uso do telemóvel, o remexer no saco e o mudar de calçado, acabou por ficar com uns patins em linha colocados. E eu, fazendo de conta que não era nada comigo, no meu deambular que nem um pêndulo, para cá a para lá da câmara, fui espreitar, tentando confirmar o que supunha. E acertei!
Os patins eram novinhos em folha, imaculados como que acabadinhos de sair da caixa. Nem poeiras, nem riscos, os próprios atacadores suspeito que nunca tinham sido atados. Tal como o capacete, que encaixou na cabeça com alguma dificuldade, lutado por espaço contra o rabo-de-cavalo, entretanto atado.
Postas as sapatilhas no saco, este às costas e auscultadores nos ouvidos, levantou-se com não muita confiança e começou a deslizar. Sem grandes velocidades ou avarias. Não creio que fosse a primeira vez que usava daquilo, mas não estava com grandes à-vontades.
E por perto de 45 minutos por ali andou, com calma, sempre nas zonas mais ou menos direitas. Ela, os patins e o leitor de MP3.
Por fim, e quando eu próprio estava a arrumar as minhas coisas, ela sentou-se de novo, mudou de calçado e foi à sua vida.
As prendas de Natal, quando não estamos muito confiantes no seu uso, são para serem testadas a solo, para mais tarde, com confiança, serem exibidas e ao seu uso perante amigos e companheiros.



Texto e imagem: by me

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Feliz Natal, etc.


“Um feliz Natal”, “Um santo Natal”, “Um bom Natal”!
Foi um corrupio, nestes últimos dias! Tudo quanto é gente afirmava isto para tudo quanto é gente. À laia de despedida, no último dia em que se viam antes da data em causa, desejava-se “um bom Natal”, “um feliz Natal”, “Um santo Natal”. Com a mesma ligeireza ou indiferença com que se deseja “um bom fim-de-semana”.
Eu, confesso, cansei-me até à medula de o ouvir. Porque, no fundo, incomoda-me por um ror de motivos.
À uma porque a maioria das bodas que o proferem não têm realmente esse desejo e usam-no como forma coloquial, de bom-tom, quase que obrigatório.
Depois porque muitos do que o dizem fazem-no para com pessoas com quem passaram todo um ano, senão em guerra, pelo menos em indiferença. Um ignorar permanente apenas quebrado por uma data arbitrária assinalada a vermelho no calendário. Hipocrisia pura e dura!
Em seguida porque maioria que tal diz nem sequer é crente. Crente convicto, daqueles que fazem questão de seguir todo o ritual da igreja e que, no seu íntimo, fazem por ser o que os mandamentos mandam. Dos que assim não são, alguns talvez tenham uma fézinha lá no fundo mas, na prática, não celebram o Natal como a festa maior da sua fé. Antes como a festa grande do consumismo. Pelo que, ao fazerem tais votos sobre o Natal, não sei se se referem ao festejo do nascimento de Cristo, há mais de 2000 anos se à existência de mesa farta e presentes abundantes, de preferência dispendiosos.
Acrescente-se que, ao fazer votos sobre o Natal (ou Páscoa), está-se a presumir que quem os recebe partilha da mesma fé ou crença. O que nem sempre é verdade. Desejar “Bom Natal” a um Islâmico ou Judeu é, no mínimo, caricato. Para já não falar em Animistas, Budistas, Xintoístas ou outros menos comuns por cá. No meu caso particular, e se me quiserem desejar um “Bom Qualquer-coisa”, que seja antes um Solstício ou Equinócio. Estes sim, são datas comuns a todos, já que dispensam qualquer tipo de crença: estão aí para serem constatáveis por quem o quiser fazer e disso quiser fazer festa.
Por fim, quem faz votos de “Um bom Natal” pode ser acusado de sovinice aguda! Porque será que só se deseja de bom o Natal e apenas um? Se os desejos são positivos e significam “Tudo de bom para si!”, então não será apenas “um” dia por ano e não forçosamente um só ano, deixando de fora todos os Não-Natais e todos os restantes anos a serem vividos ou existenciados.
Para usar uma frase ouvida da boca de quem até nem gosto, prefiro antes o “Façam o favor de serem felizes!”
Ou, como eu mesmo costumo usar, “Divirtam-se e aproveitem bem a luz”.
Seja qual for o dia do ano e todos os anos do provir. Que divertirmo-nos e aproveitarmos o que de bom a natureza nos dá é uma boa forma de sermos felizes!


Texto e imagem: by me

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Just for the fun!

By me

Um pouco de ordem, por favor!


Chamávamos-lhes os “Cabeças de giz”!
Talvez porque à tirania do polícia juntávamos os sentimentos que nutríamos pelos professores. Se estes nos obrigavam a estudar e a estar calados na aula, quiséssemos ou não, aqueles impediam-nos de correr na rua e de jogar à bola.
E se o símbolo do professor era o livro de estudo, o ponteiro e o giz, o do sinaleiro era a farda, o casse-tete e aquele capacete colonial, branco que nem giz.
No meio do cruzamento, de pé no asfalto ou calçada, em cima de um pequeno estrado redondo ou no alto daquilo que quase parecia um coreto de um só lugar, com balaustrada e guarda-sol e tudo, acabava por ser o alvo preferencial dos apupos que proferíamos, que este não podia correr atrás de nós.
Hoje, dos polícias sinaleiros e ao que me consta, resta um em Lisboa. Ali para os lados da igreja de São Mamede, no cruzamento da rua com o mesmo nome e a da Escola Politécnica.
Foram substituídos pela modernidade dos semáforos, com o calor das suas lâmpadas, a frieza dos tempos regulados por um engenheiro camarário e a incapacidade de regular quem pára e passa em função das características de cada um. Verde, vermelho, com amarelo pelo caminho. Convenções sem simpatias ou bailados.
Alguém, talvez cheio de nostalgia, recordou o passado. Não é polícia mas é de trânsito, não é colonial mas é branco. Mas é um “Cabeça de giz”! O semáforo com uma tampa de boca-de-incêndio.
E durou dois dias a ironia. Que outro alguém, talvez um cívico, repôs a ordem das coisas. Pois que as bocas tapam-se e os sinais mantêm-se vermelhos!



Texto e imagem: by me

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Snap shot


Strange things can be found between rails!


Texto e imagem: by me

Uma estória de Natal


Há muito, muito tempo, numa terra muito, muito longe, o sr. Pilim e a srª Narta tiveram um filho. Carinhosamente deram-lhe o nome de Dinheirinho.
Sabendo do acontecimento e exultantes com a boa nova, de imediato três magos de reinos distantes se dispuseram a venerar e ofertar. Vinham eles do reino do Fisco, do reino da Banca e do reino do Comércio.
Ajoelhando-se à chegada, logo lhe entregaram o que traziam: um cartão de crédito, um cartão de cliente e um cartão de contribuinte. E disseram-lhe:
“Aqui tendes as nossas oferendas. Acreditamos que com elas sereis maior e mais poderoso. Usai-as como entenderdes.”
E assim aconteceu: o recém-nascido cresceu, a sua palavra e influência espalhou-se pelos quatro cantos do mundo e tornou-se omnipotente, omnipresente e omnisciente.
Os magos, por sua vez, deram graças pelo seu desenvolvimento e trataram de erguer, em tudo quanto é lugar, templos de veneração: Repartições de Finanças, Instituições de Crédito e Centros Comerciais.
E hoje, todos acorrem aos locais de culto em datas como esta, fazendo as suas preces e doando as suas oferendas, num ritual sempre acarinhado pelos sacerdotes.

Contada esta fábula, tenho que ir ali ao balcão agradecer com uma oferenda este bolo e bica e seguir depois para fazer uma promessa por uns cigarritos que gastarei. Alguém aí tem lume?



Texto e imagem: by me

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Two generations...


... same destiny.

But, does it matter what is going on out there?



Texto e imagem: by me

domingo, 21 de dezembro de 2008

A tirania do zapping


Entrou no café pouco passava das onze da manhã. Ia em busca do café que o despertaria, bem como do bolo que lhe adoçaria a boca para o resto do dia. Ser a hora que era não seria por demais estranho, se se souber que tinha recolhido à cama passava das três e meia da madrugada.
Cliente habituée que era do lugar, nem teve que pedir, que à entrada já lhe estavam a prepara a receita do costume. E, com ela colocada no balcão, e enquanto ia bebericando o líquido quente e mordiscando o bolito, ia olhando em redor.
Domingo que era, não havia muito movimento. Que os madrugadores já tinham ido e os tardios, para café ou pão, primavam ainda pela ausência.
Ao fundo, o televisor dava um ar da sua graça, animando com imagens e sons baixos a pacatez do local. Tratava-se de um aparelho moderno, de aquisição recente, bem como a mudança de servidor de TV. Que apenas aquele tinha nos seus catálogos o canal do clube de futebol.
Na altura ia mostrando um programa infantil, num canal temático para crianças. A mocinha, tentando parecer mais nova do que realmente era, animava um magote de pimpolhos, de olhos arregalados com a maquinaria e luzes que se adivinhavam nos bastidores.
E ele, o cliente, ia observando como aqueles profissionais iam resolvendo as dificuldades de captar crianças e a sua atenção na pantalha. Dificuldades que ele conhecia razoavelmente bem, que havia passado uns anos com quase aquela especialidade, que não havia esquecido.
De súbito, a empregada que há pouco ali trabalhava afasta-se de uma mesa onde tinha sido chamada. Regressa logo de seguida, trazendo na sua peugada o patrão, vindo lá de dentro, da zona de fabrico de pão e bolos onde passava o seu dia de trabalho. A farinha que o cobria estava disfarçada nas roupas brancas que exibia, mas no cabelo e no aparelho que trazia na mão contrastava. E foi com ele que, aproximando-se da caixa descodificadora de Tv que mudou de canal, fazendo zapping até encontrar o que procurava: um canal de desporto onde acontecia a transmissão de um jogo de futebol.
O cliente do balcão ia mudando de cor à medida que os canais iam mudando no TV. Para além do R, do G e do B, passou pelo Y, pelo, M, pelo C e não ficou K porque estava branco de raiva!
É que mudar de canal de televisão sem avisar ou mesmo perguntar a quem está a ver se se pode ou se incomoda não, em boa verdade, um sinal de boa educação ou de respeito por quem está presente.
A vontade de protestar, barafustar, peixeirar era grande e premente. Mas, perante o futebol não adianta fazer o que quer que seja. Tudo pàra e se ajusta em função do pontapé na bola.
Assim, encolheu os ombros para dentro, deu as costas ao aparelho da parede e tratou de terminar o que ali o tinha levado, sem que mais lhe vissem os dentes que não fosse ao trincar o que restava do bolo. Pagou e saiu para o sol que esse não lho tirariam, com ou sem a sua anuência.
O regresso ao café acontecerá no dia seguinte, que é ali que se abastece de pão. E, em havendo oportunidade e de cabeça fria, fará questão de apresentar o seu desagrado pelo comportamento do patrão. Que as empregadas, essas, não têm culpa do que o dono do café fez. Não irá servir de muito, acredita, mas sempre será um marcar de posição.
Que de joelhos perante a tirania, mesmo que seja a do comando remoto, não obrigado!



Texto e imagem: by me

O grande dia


Hoje é o grande dia!
Melhor, hoje é a grande noite!
Esta é a maior noite do ano no hemisfério norte.

A coisa explica-se pelo ângulo do eixo de rotação da terra com o plano de translação em torno do sol. Coisas que vêem, com mais ou menos detalhes, nos almanaques, compêndios de astronomia e atlas. A matemática dá uma ajuda e as leis da física definem-no.
Agora o que me faz confusão, mas confusão mesmo, é a adoração ao fenómeno que as civilizações pré-históricas tinham por ele.

Por definição, a pré-história transforma-se em história com o advento da escrita. Com a possibilidade de deixar registos claros das ideias e factos, inteligíveis para os iniciados.
Na pré-história, o conhecimento, as ideias, factos ou tecnologias passavam de boca em boca, de uma geração para outra. E bem sabemos nós o que diz o velho ditado: “Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto,”
Assim, este facto observável apenas uma vez a cada 365 dias, sem matemática para o explicar, sem escrita para o registar ou aparelhos para o medir, era contado de uns para os outros, sabe-se lá com que rigor.

Mas eles foram mais longe que apenas mistificar o fenómeno: Tanto o Solstício de Inverno (hoje) como o de Verão, tal como os Equinócios da Primavera e Outono, foram assinalados com monumentos megalíticos.
Neles, a luz do sol no seu ocaso e a respectiva sombra marcavam pontos exactos, ainda hoje constatáveis.
Enormes penedos erguidos, formando corredores de acesso a câmaras forradas da mesma forma, cobertas ou não por igualmente grandes pedras, assinalavam o ponto exacto onde a luz do sol incidia nestes dias e momentos em particular.
Sem cálculos científicos, registos de dados ou aparelhos exactos.

Maravilhamo-nos com as tecnologias actuais, em que comunicamos com os antípodas em segundos, definimos o infinitamente pequeno e enviamos sondas a Plutão.
Mas o que me espanta mesmo são os monumentos megalíticos.
Que o Deus-Sol tenha uma boa noite de repouso neste Solstício. Ou, por outras palavras, um bom Natal.

A propósito destes momentos marcantes nos calendários pagãos:Há quem defenda que não deveria ser em Dezembro que se deveria comemorar o nascimento de Jesus, mas antes pela Páscoa.
De acordo com esta teoria, baseada em estudos da bíblia e da história, esse evento terá tido lugar pela Páscoa judaica, já que só nessa data se justificava que as estalagens de Belém estivem cheias para os festejos.
Por outro lado, a utilização de Dezembro para a festa máxima do cristianismo, teria sido um apropriar por este da festa pagã do solstício.

Mas, em boa verdade, em que medida, mais dia, menos dia, mais mês, menos mês, é isto importante para a tranquilidade dos Homens?
A terra continua a girar em torno de si mesma e do sol, digamos nós o que dissermos!



Texto e imagem: by me

sábado, 20 de dezembro de 2008

Uma questão de princípio


Não pago!”, disse eu. “E se tiver que ir para a esquadra, vamos que até pode ser divertido!
Mas comecemos pelo princípio:
Havia dois dias que tinha comprado dez viagens pré-pagas para a Carris. Trata-se de um processo moderno, de cartões magnéticos, que são “carregados” num concessionário ou num posto de venda da empresa transportadora. No caso, foi num quiosque da Carris, no Campo Pequeno.
Sendo que já lá tinha duas, com as dez que comprei fiquei com doze, das quais gastei uma nesse mesmo dia.
Dois dias depois quis usar o mesmo cartão a caminho do trabalho e a maldita da maquineta de controlo, à entrada do autocarro, informa-me que: “Título inválido”. Fiquei logo mais bem disposto, como se imagina. Tentei a outra máquina e o resultado foi idêntico. E a terceira tentativa não destoou das restantes.
Questionei o motorista sobre o que fazer, exibindo o dito cartão bem como o recibo que me havia sido entregue e que serve de “tira teimas” em casos destes.
Disse-me o zeloso funcionário que, estando a maquina a trabalhar correctamente (e testou o seu próprio “passe” como exemplo) eu teria mais era que pagar ali a tarifa de bordo e depois ir a um quiosque resolver a questão.
Mas eu entendi o contrário. Tinha pago as viagens, queria ali usar o que havia pago e se o sistema não funcionava não era culpa minha. E não entendia porque haveria que pagar uma viagem em tarifa de bordo ao preço de 1.40€ se eu tinha comigo um titulo de viagem ao preço unitário de 0.81€. Ainda se ele me cobrasse esse valor…
Claro que me disse que a tarifa de bordo não era essa e que haveria que pagar o estipulado. E eu a recusar! E ainda me disse que, se surgisse a fiscalização, eu teria que pagar a multa ou seria levado para a esquadra para ser identificado e ser-me levantado o auto de ocorrência.
Foi o momento certo para eu exclamar: “Não pago!”, disse eu. “E se tiver que ir para a esquadra, vamos que até pode ser divertido!” Lamentavelmente, não surgiu nenhuma brigada de fiscalização, que em regra e de há uns tempos a esta parte, é constituída por três corpulentos e façanhudos funcionários de uma empresa de segurança.
Acabei por ir até ao trabalho naquele mesmo autocarro, sem pagar bilhete, o que foi uma estreia.
Terei que esperar por segunda-feira para poder encontrar o dito quiosque aberto e resolver o caso.

Mas, e a dar fé no que ouvi a quem contei a estória, não seria eu original e que a situação é comum, acabando os passageiros por pagarem a tarifa de bordo à revelia da sua vontade, apenas para não terem problemas.
No entanto, a minha questão não é o preço, que não serão esses cêntimos de diferença que me farão muito mais rico ou pobre. O problema põe-se mesmo numa questão de principio: Se paguei adiantadamente, quero poder usar o que paguei. E se o sistema por esta e ou outra empresa não funciona ou não é fiável, não terei que ser eu a arcar com as consequências.
Uma questão de princípio, repito!



Texto e imagem: by me

Tradições


Tradições são tradições!
E se nesta época natalícia toda a gente se enche de boas intenções, com votos de felicidade distribuídos a torto e a direito, com recolhas de donativos em dinheiro ou espécie, que o subsídio de natal está aí, também as histórias ou estórias se vão repetindo, com reuniões familiares repletas de hipocrisia e com ementas de tradição, por vezes importadas das franças ou d’além-mar.
Por mim, vou manter algumas aqui nestes espaços virtuais e deixar alguns contos que, por repetidos, começam a ser a tradição da quadra.



Panelas de Natal

A tradição familiar dizia que o Menino Jesus descia pela chaminé para pôr prendas no sapatinho.
Assim, depois do jantar, a cozinha era imaculadamente arranjada, o fogão forrado com papeis “bonitos” e os sapatos colocados em cima deles.
Na manhã de Natal os pequenos, depois de toda a família acordada, eram autorizados a entrar na cozinha onde, para deslumbre total, lá estavam os presentes. Poucos, que os sapatos eram muitos, mas apetecidos e apreciados.
O mais velho dos quatro foi, naturalmente, o primeiro a ser informado da verdadeira história e a ser incluído na cerimónia da colocação das prendas.
Depois do fogão decorado e dos mais pequenos terem recolhido à cama, foi a sua vez de colocar as suas prendas para toda a família, indo então deitar-se, que não podia ver as que lhe eram destinadas antes dos outros acordarem.
Acordou ele a meio da noite, com vontade de urinar e dirigiu-se à casa de banho. Mas logo lhe passou a vontade. Com receio que furasse o bloqueio de acesso à cozinha, tinham atado uma cadeira com tachos e panelas ao puxador da porta de seu quarto. Quando a abriu, tudo se espalhou pelo chão, acordando a casa por inteiro.
Não me recordo ao certo qual ou quais as prendas que recebi nesse ano. Mas tenho a vaga ideia de ter sido um famoso Renault 16 do “Tour” que esventrei e em cujo interior coloquei um pesado imã de bicicleta. Com ele, ganhava todas as provas de todo o terreno que na rua se faziam.

Ainda hoje, quando a família se reúne, ninguém me acredita que, então, apenas queria ir à casa de banho.


Texto e imagem by me

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Tradições


Tradições são tradições!
E se nesta época natalícia toda a gente se enche de boas intenções, com votos de felicidade distribuídos a torto e a direito, com recolhas de donativos em dinheiro ou espécie, que o subsídio de natal está aí, também as histórias ou estórias se vão repetindo, com reuniões familiares repletas de hipocrisia e com ementas de tradição, por vezes importadas das franças ou d’além-mar.
Por mim, vou manter algumas aqui nestes espaços virtuais e deixar alguns contos que, por repetidos, começam a ser a tradição da quadra.
Para já fica este, do impagável José Vilhena, de quem já não se ouve falar faz tempo.


Como a família da Lurdinhas passou a consoada do ano passado

Para estreitar os laços familiares, não há nada que chegue à festa do Natal, lá isso é verdade, mas espero que neste ano as coisas corram melhor do que o ano passado e não seja preciso o meu pai ir mudar de roupa a meio do jantar por ter apanhado em cheio com o galheteiro do azeite nos cornos, atirado pela minha mãe que o topou a apalpar o cu à D. Filomena, uma prima da minha madrinha que veio de Angola e vive numa pensão em Almirante Reis e anda a estudar para manicure.

A minha mãe ficou bera e com razão, não é por ser minha mãe, esteve quase a dar-lhe o fanico e só gritava: «Tirem-me essa puta da frente! Tirem-me essa puta da frente!» Mas quando as pessoas são educadas, as coisas acabam por compor-se e bastou tirarem a D. Filomena de ao pé do meu pai para ficar tudo em sossego. No fim até estiveram as duas a falar de crochés e da telenovela, que nessa altura dava na televisão, e a D. Filomena ofereceu-se para tratar os pés da minha mãe, assim que acabasse um curso de calista que andava a tirar ali para os lados da Fonte Luminosa.

Essa bronca portanto foi o menos; o pior veio a seguir quando a minha avó teve a infeliz ideia de perguntar à prima Otília que presente de Natal é que lhe tinham dado os patrões do escritório onde ela trabalha e a parva descaiu-se a dizer que, do senhor Benjamim, recebeu um jogo de calcinhas e soutien em nylon, e do senhor Canelas, um vibrador-masturbador japonês, muito bonito, todo transistorizado.

Ora, ao ouvir isto, o Fernando, que é o marido da Otília e tinha metido na boca uma grande garfada, engasgou-se, engoliu uma data de espinhas de bacalhau, cuspiu o resto no prato do meu avô e desatou ao bofetão à mulher: «Sua cabra! Sua ordinária!» e a dizer que ia enfiar o vibrador pelo cu do Canelas acima e partir os cornos ao porcalhão do Benjamim.

E a palerma da Otília, em vez de se calar, como era a obrigação dela, cresceu para o marido que até parecia uma leoa: «Tire as patas de cima de mim, seu cabrão! Você é que tem cornos e dos grandes, ouviu?» E ele, todo a tremer: «Eu?! E ainda o dizes, grandessíssima puta?» E a Otília: «Pois digo para vergonha tua, que nem és marido nem nada! Se não fossem os meus patrões não sei o que seria de mim?». E desatou a chorar baba e ranho e então o Fernando agarrou na faca de cortar o bolo-rei e toda a família se pôs a gritar «Ai que ele mata-a! Ai que ele mata-a!», mas o meu pai tirou-lhe a faca e o tio Arnaldo obrigou-o a sentar-se na cadeira, deu-lhe palmadinhas nas costas e disse-lhe: «Não ligues ao que ela diz, pá, que as mulheres são todas umas putas», e ele ao ouvir estas boas palavras, ficou mais sossegado e até alargou um furo ao cinto para continuar a comer.

O pior é que a tia Palmira não gostou da conversa do marido e começou a refilar que não queria confusões, que se as outras eram putas ela era uma mulher séria, que quem não se sente não é filho de boa gente, etc., etc., mas o tio Arnaldo que é um bocado bruto atirou-lhe logo esta a matar: «Escusas de armar em séria, que todos sabem que andaste enrolada com o Gonçalves da farmácia quando ele te tratou do eczema»; e ela, logo: «E tu com a Gracinda da peixaria, que até escamas de pargo trazias para casa nas cuecas!» E o tio Arnaldo, muito fodido: «As escamas de pargo não são aqui chamadas para nada, porra!» E, ao dizer isto, deu tal murro num prato de filhoses que saltou calda para todo o lado e até eu fiquei com o cabelo enchapoçado dela. E o meu pai que ia acudir pela tia Palmira, esteve vai não vai para apanhar outra vez com o galheteiro, pois a minha mãe tinha-o sempre debaixo de olho; enfim, só visto!

O que valeu para que a festa de Natal não ficasse estragada foi a minha madrinha impor-se, visto ser ela a dona da casa, e avisar que não consentia faltas de respeito, que aquilo ali não era nenhuma taberna e que achava uma sacanice estarem a encher o bandulho à custa dela, com a comida cara como estava, e a portarem-se que nem javardos em vez de se mostrarem agradecidos. «Ou comem de bico calado ou vai tudo para o olho da rua!» disse ela e ninguém refilou; durante algum tempo só se ouviu mastigar, até que o senhor Aguinaldo, o sacana do velhote que está amigado com a minha madrinha e que até aí só abria a boca para meter para dentro, resmungou lá do canto que no olho da rua já nós devíamos estar há muito e que se a família dele fosse ordinária como a nossa já a tinha rifado. Um gajo bera, palavra de honra; não são coisas que se digam assim na frente das pessoas e ainda gostava de ver que merda de família é a dele; cheira-me que é para ali uma ciganada cheia de putas, chulos, sovaqueiras e arrebentas.

Mas a minha mãe, que tem muito jeito para compor as coisas quando não está com a bolha, disse que o melhor era a minha madrinha abrir a televisão, que tem programas muito bonitos no Natal, porque as conversas não fazem falta para nada e a gente não estava ali para conversar mas para comer e que assim as crianças sempre estavam mais distraídas. Foderam-me!

Foi assim que tive de gramar duas horas de chachadas como essa porcaria das canções do Natal, das entrevistas do Natal, das tradições do Natal, dos votos de Natal e até dos anúncios do Natal, sem ter feito mal a ninguém. Não é que eu goste de chavascal e sarrafada, mas, mal por mal, ainda preferia ver os parentes todos à porrada e a descobrir o cu uns aos outros do que ver a merda da televisão.



Texto: by José Vilhena
Imagem: by me

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Cold and windy sunday, at the park

By me

Dependurados no tempo


Eram às mãos-cheias, o ano passado.
Pendurados de tudo quanto era lugar de habitação, houvesse ou não crianças, foi uma moda que ultrapassou os limites do caricato.
Claro está que as lojas de inutilidades, muitas delas de produtos chineses, agradeceram pela ajuda que esta mania deu à facturação natalícia.

Este ano, contam-se pelos dedos de uma mão. Na metade da minha rua que conheço bem estão três. Está na média do bairro, superior mesmo a outros bairros. É muito provável que os Pais-Natal do ano passado tenham tido como destino o lixo, danificados que tenham ficado com as intempéries.
Também se pode atribuir a esta escassez de bonecos vermelhos nas fachadas às tendências de modas ou seja, a inversão da anterior, transformando os hábitos anteriores em demodée ou mesmo piroso.
A alternativa como explicação será a falta de convicção no espírito natalício, nas prendas de Dezembro e no futuro, próximo ou nem isso. Não adianta apelar à presença de um doador de prendas quando se acredita que nem mesmo ele terá escapado à crise que se vive. Que mais não é, ela a crise, que a evolução natural do que se tem vivido nos últimos anos.
Sobram, claro, as crianças que ainda têm a ilusão de existir o Pai-Natal e que ficam a olhar para mim de olhos esbugalhados na rua ou no comboio.



Texto e imagem: by me

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Desejos


São frases ou slogans que não têm tempo ou lugar!
Cada geração que surge redescobre-as e usa-as, como se de verdades universais se tratassem. Que são!
Pena é que essas mesmas gerações, à medida que os tempos passam, invertam o sentido do sentir e passem elas mesmo a serem quem proíbe a proibição de proibir. E inventem as leis e os tribunais, as prisões e os advogados, as polícias e os ladrões. Aqueles mesmos que serviram de tema a brincadeiras ao mesmo tempo que gritavam: “É proibido proibir!”
A compensação é que atrás de uma geração vem outra que continua a clamar que “É proibido proibir!” Na clandestinidade dos graffitis, nos projectos-sonho da juventude, na alegria de quem acredita no futuro.
No caso, num caixote de lixo ferroviário!


Texto e imagem: by me

Os calores do consumo


Eu tenho um termómetro. A bem dizer, tenho mais que um: tenho um clínico, ainda de mercúrio, tenho um de máxima e mínima, de mercúrio e álcool e tenho dois electrónicos, daqueles de parece ou de secretária, cujos mostradores, estilo ecrã, nos vão dando diversas indicações: temperatura, pressão atmosférica, grau de humidade, etc.
Em boa verdade, tenho-os fruto de impulsos de momento, comprados porque gostei das funções ou do aspecto. Mas a principal importância em os possuir é confirmar uma das “Leis de Murphy”: “Dois aparelhos de medida iguais, em circunstâncias idênticas, dão resultados diferentes!”
Assim, quando quero ter algum rigor sobre a temperatura ambiente, leio as indicações dos três, tiro a média às variações que possuem e fico com um valor que, possivelmente, é muito próximo da realidade.
Mas o uso quotidiano que lhes dou pouco tem a ver com rigores mas antes com sensações. Se sinto que tenho muito frio ou muito calor, olho a indicação de um deles. Se o que lá leio não corresponde ao que sinto, não há justificação para ligar o aquecimento ou a ventoinha: é mesmo a minha imobilidade que provoca essa sensação. Trato assim de me mexer, de sair para um café ou semelhante, activando assim a regulação corporal de temperatura. Acabo por poupar energia (tema ecológico), faço bem ao coração (questões de saúde) e quebro a rotina e o imobilismo (a psique e o bom humor agradecem).

Acontece que lá, onde trabalho, existem sistemas de ar condicionado. Para a manutenção das temperaturas ideais de certos equipamentos e, acessoriamente suponho, para conforto de quem lá labuta.
Mas, nestas questões de conforto térmico, as opiniões divergem tanto quanto as cabeças: há sempre quem se queixe de estar ou muito calor ou muito frio. Consenso, nesta matéria, é coisa inexistente.
Vai daí, o comando de temperatura de algumas salas onde trabalho é usado e abusado por aqueles com mais iniciativa ou mais queixosos. Ou ainda pelos mais discretos, que alguns o fazem apenas quando mais ninguém os está a ver.
Pois um destes dias, cansado que estava de tantas reclamações ouvir, pensei em calar de facto as vozes protestantes e, frequentemente, sem razão: decidi levar um termómetro e tê-lo bem visível para quem ali trabalha. E, de cada vez que se queixarem, fazê-los ver o valor real de temperatura da sala. Tratei assim de escolher um dos meus, aquele cujo mostrador fosse maior e legível a maior distância.
Acontece que, pela pouca leitura que deles de facto faço em casa, se encontrava com as pilhas descarregadas, ecrã vazio de informação. Bem, haveria que comprar novas, duas daquelas quase comuns nos quiosques e lojas de traquitanas ou supermercados: formato AAA.
E, a caminho do trabalho, aparelhómetro no saco, entrei numa loja e pedi as duas que queria. Fiquei a saber que não me venderiam duas, que apenas possuíam embalagens de quatro e assim as venderiam. Sendo que só queria mesmo duas, agradeci e saí, em busca de outro ponto de venda. No seguinte obtive a mesma resposta. Assim como no terceiro local que as possuia. Em concreto, tratou-se de uma loja de electrónica de consumo, de uma loja de artigos fotográficos e de uma papelaria/tabacaria, toda elas no centro comercial cá do meu bairro.
Mas, confesso, fiquei chateado com a situação: porque raio haveria eu de ser obrigado a comprar mais do que queria? O uso que dou a este produto é restrito, as pilhas têm, tal como outros artigos, prazo de validade e, quando fosse pelas extra, pela certa que já não teriam a carga que se espera de pilhas novas. Não! Se apenas queria duas, apenas duas haveria de comprar!
Acabei por satisfazer esta minha necessidade – e teimosia, é verdade – no quiosque na estação. Onde se pode comprar, para além de tabaco, jornais e revistas, também bonecas, fascículos, gomas, cachecóis de clubes de futebol, carregar cartões telefónicos, pagamentos de contas domésticas e uma míriade outras coisas. E também pilhas!
Aqui, não estranharam o meu pedido. Tiraram uma embalagem que, a olho nú, seria de umas dez pilhas ou mais, contaram as que eu queria e entregaram-mas sem mais observações ou restrições que não fosse se eu teria umas pequenas moedas (não recordo de que valor) para ajudar no troco do pagamento das pilhas e do tabaco.

O problema que se põe, nos tempos que correm, é que se compra ou obtém não aquilo que se quer mas antes aquilo que fabricantes e comerciantes querem que compremos ou tenhamos. Por via da publicidade, mais discreta e subtil ou francamente agressiva, ou por via das embalagens, que nos obrigam a pagar na caixa mais do que queríamos. Trazer quatro artigos quando, efectivamente, só se necessita de dois é, em primeira e última análise, um mau negócio para quem compra.
Ser consumidor consciente implica, entre outras coisas, não aceitar aquilo que nos impingem mas obter aquilo que se quer, ainda que possa dar mais trabalho. E lembrarmo-nos de um velho ditado popular que diz: “O barato sai caro!”
Já agora, que tiveram todo o trabalho de ler este texto, não se esqueçam que existe o “pilhão”!




Texto e imagem: by me

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Do céu para a caixa de correio


Eis o texto que consta de uma carta que recebi anteontem. Nela, para além desta, constava o referido filme, em formato DVD, legalíssimo.
Não querendo aqui fazer publicidades, não refiro qual o remetente, dizendo apenas que me foi entregue pelo meu fornecedor de gás canalizado e que a assinatura que nela consta é a do seu presidente do conselho de administração.
Há actos de publicidade simpáticos, e este foi um deles.
Aqui fica o conteúdo e meu agradecimento:



Exmo Consumidor,
Num ano como o que agora finda sentimos a necessidade de expressarmos os mais sinceros votos de Boas Festas numa mensagem de esperança e certeza em tudo o que de melhor o Ano Novo trará.
E por mais palavras que preenchessem parágrafos nada seria capaz de o fazer como a história contada no filme “Do céu caiu uma estrela” que temos o prazer de lhe oferecer neste Natal.
Uma das obras-primas da história do cinema, nomeado para cinco Óscares em 1946, e um dos filmes mais vistos de sempre, nunca copmo hoje ele se revelou tão actual, talvez tanto quanto na época em que foi produzido.
A sua beleza e encanto nascem da história intemporal que fala de gentes simples, de estrelas e anjos da guarda, quando uma recessão económica alastrava, bancos faliam, famílias perdiam os seus lares e a esperança se desvanecia em pleno Natal.
Mas afinal, como o personagem principal descobre, podemos sempre contar com estrelas e anjos da guarda para nos guiarem, por mais sombrios que sejam os tempos.
E é quando mais escurece que melhor se vêem as estrelas, faróis no infinito, mostrando-nos quão cintilante e preciosa é a nossa breve existência, enquanto guiam com a sua luz quem, mantendo os pés bem firmes no chão, levante os olhos para o céu.
Um feliz Natal e próspero Ano Novo.

Artur Caracol



Texto: como referido e assinado
Imagem: frame do filme citado

RAIVA! - RAGE!


Confesso que até nem queria tocar no assunto. Tantos e tão ilustres nacionais já se pronunciaram sobre o tema que a minha opinião corria o risco de ser uma repetição, um “chover no molhado”. Sim, porque a questão é susceptível de muitas e variadas entrevistas, depoimentos, sessões opinativas, protestos, declarações, manifestações de intenções e criticas generalizadas.

Acontece, porém, que sobre o assunto caiu uma espécie de manto pudico de silêncio e que, após ter sido divulgado no dia e de uma ou duas personagens do panorama político terem dito de sua justiça, não mais se falou na coisa. Nem os políticos, de base ou de topo, vieram a terreiro dizer de sua justiça, nem os media lhe tocaram, ao de leve que fosse. Que o tema é escaldante e mexer-lhe pode ser perigoso.
Mas é coisa que me não tem saído da cabeça, quase me impedindo de ver outros temas e assuntos que nos cercam. Uma abordagem, outra abordagem, umas frases aqui, outras ali, mas tem andado por cá quase que como monomania! Não me sai da cabeça!

Não me sai da cabeça que os políticos, tanto os que constituem o governo como os que supostamente representam o povo no parlamento, redijam, publiquem e façam aplicar leis e regulamentos sobre as relações laborais e que se esqueçam de as aplicar sobre si mesmos.
Que, queiram ou não eles, a verdade é que essas mesmas pessoas têm um emprego: servir o país. E têm um patrão: o Povo Português! Gostem ou não, é aos cidadãos deste país que governantes e deputados têm que prestar contas e que perante eles assumiram o compromisso de respeitar e fazer respeitar as leis. Que eles mesmos redigem e publicam!

Refiro-me, no caso em concreto, às faltas de comparência que alguns deputados cometeram a semana passada, numa reunião no parlamento, ao que me recordo numa comissão. Tantos foram que a dita reunião teve que ser adiada por falta de quórum.
Caramba! O ofício destes senhores e senhoras é estar ali, participarem nas reuniões e tomarem decisões. Que para isso foram mandatados ou, se preferirem, contratados por todos nós, aquando das eleições.
Não estarem presentes, com desculpas esfarrapadas ou mesmo sem elas, é uma quebra de compromisso – político e laboral. E, em qualquer empresa ou organização deste país, esta quebra ou infracção disciplinar é passível de processo interno que, em ultimas consequências, pode levar ao despedimento. São estas as regras que estes mesmos senhores e senhoras aprovaram para os comuns dos seus concidadãos. E que quem contrata faz aplicar sem esperar muito e, por vezes, com rigores extremos.
Mas acredito que estes senhores e senhoras, eleitos pelo povo, se considerem acima das leis comuns que aprovaram e fazem cumprir. Vai daí, estar ou não presente nas sessões plenárias ou nas comissões é algo que deverá agradar e satisfazer o partido pelo qual foram eleitos, independentemente da satisfação ou opinião daqueles que eles mesmo representam. Despedir um deputado está fora de questão, mesmo que não cumpra o seu mandato de acordo com o que foi prometido e assumido. O mais que lhe pode acontecer é ser censurado pelo líder parlamentar ou pelo topo do aparelho partidário. E, com uma palmadinha nas costas paternalista, dizerem-lhe: “Vê lá se te portas bem, senão nas próximas eleições perdes a posição elegível ou nem sequer estás nas listas.”
Por outras palavras, “Se não te portas bem perdes o tacho nas próximas eleições.”

Só que, caramba!, eles são trabalhadores assalariados, como a maioria dos portugueses, com deveres para com os seus empregadores. E se não os cumprirem, são liminarmente despedidos.
Portugal não é uma coutada privada de uns quantos deputados e governantes! Que se aplique a deputados, ministros, presidentes ou autarcas a mesma lei que souberam aprovar para os restantes Portugueses: Se faltas, se és desonesto ou se não trabalhas bem, rua! Agora! E não aquando de uma eventual renovação de contracto!
Que nós, os Portugueses, somos mesmo todos iguais em direitos e deveres. E aqueles que fazem questão de não o serem arriscam-se a ser, bem mais cedo do que poderiam esperam, iguais aos seus antepassados: mortos e enterrados!
PUM!


Texto: by me
Imagem: algures na web

sábado, 13 de dezembro de 2008

Parabéns a você!


Estava atrasado para o trabalho.
Quem quer que me conheça sabe que isso me incomoda de sobre maneira. Prefiro, de longe, chegar antes e esperar a chegar atrasado, onde quer que seja. Manias!
Em qualquer dos casos, o atraso só aconteceria se esperasse pelo autocarro que, a dar fé no aviso luminoso, demoraria ainda uns bons 30 minutos. A alternativa, como noutras situações semelhantes, seria apanhar um táxi. Não é barato, mas prefiro isso e ficar tranquilo.
O primeiro que vi e que sinalizei fez-me que não com a mão. Olhei melhor e tinha registo de Oeiras, fora de Lisboa, e não poderia tomar passageiros aqui onde estava.
O segundo bem que viu o meu braço esticado, sinal inequívoco para parar o carro. Mas fez que não me havia visto, talvez assustado com o meu ar meio pai-natal, meio Fidel, meio Taliban, que é assim que tenho sido classificado na rua, ao passar. Nada que me surpreenda ou incomode, excepto nestas circunstancias.
O terceiro era de Lisboa e transportava quem quer que fosse, aspecto, idade ou apelido. E bastava olhar para o carro para ver que já tinha transportado mais do que poderia contar. Aliás, fui eu mesmo que receei entrar nele, que nada me garantia que conseguisse levar a bom porto o trajecto que lhe pedisse.
Entrei, que cliente com pressa não pode ser esquisito, mas meti conversa com quem ia ao volante. Em boa verdade, não preciso de um pretexto para isso, que tagarelar com taxistas é sempre um prazer e uma lição para o dia.
Mas sempre lhe perguntei, depois de indicar para onde queria ir, que idade teria a viatura.
O sorriso que senti mas não vi, que não lhe chegava à nuca, foi delicioso:
Faz amanhã 25 anos que andamos juntos, eu e ele!
Era um pouquinho mais novo do que supunha. E alimentei a conversa com um elogio ao estado de conservação do táxi, por fora e por dentro.
É verdade que sim. Tantas horas por dia aqui dentro, é como que uma segunda casa. E tem que estar como eu gosto dela. Sabe, ele já não anda muito. Ali nos “cabos ávila” queixa-se e vai a passo. Mas eu também não vou depressa, que na cidade não posso e a idade já não o pede.
E foi acrescentando que já tinha 70 anos, que a reforma de um taxista é pequenina e que havia de ir ganhando a vida ali enquanto pudesse. Até porque a mulher estava doente e o dinheiro sempre fazia falta.
Em qualquer dos casos”, rematou, “se eu parar de andar aqui já não sei o que fazer na vida. Enquanto puder, e à minha velocidade e a daqui do meu parceiro, havemos de continuar na cidade!

Apesar do transito e da velocidade do vetusto carro e motorista, cheguei a tempo ao trabalho.
E com a secreta esperança de, se chegar a esta idade, ainda ter uma ou duas das minhas fieis câmaras de hoje.
Parabéns ao Mercedes 240D e ao seu motorista!


Texto e imagem: by me

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Teorias


A teoria não é minha, mas porque interessante, aqui a deixo.
De acordo com um compincha do trabalho, é um absurdo afirmar que os portugueses não prestam, não investem nem fazem novas descobertas.
Segundo ele, a demonstração prática está nos materiais, de patente Lusa, empregues em obras públicas.
A saber: Alcatrão solúvel em água.

Este produto, aparentemente igual a todos os outros alcatrões usados pelo mundo fora, deve ser aplicado em seco para que as suas características melhor se evidenciem.
Mas, com o advento das primeiras chuvas ou as seguintes, ácidas ou não, logo se deixa levar pelas águas, deixando a descoberto portentosos buracos, com toda a sua pujança evidenciada das áreas visíveis ou nas profundidades apenas imaginadas.
A grande vantagem deste alcatrão solúvel em água é a manutenção em contínua actividade das fábricas que o produzem bem como das firmas que o aplicam. Com isto, não apenas se garantem os postos de trabalho e a sobrevivência das empresas, como ainda se contribui para a melhoria das contas públicas em sede de IRC, IRS e IVA.

Os detractores desta teoria afirmam que este material é maléfico para os automóveis. Mesmo estes argumentos vêem dar reforço à teoria deste ilustre pensador.
É que os eventuais prejuízos nas viaturas resultam em maior volume de vendas de veículos novos, peças sobresselentes e serviços de manutenção, mantendo em plena actividade estas empresas e os respectivos postos de trabalho. E aumentando assim as contribuições para os cofres públicos e diminuindo a taxa de desemprego.

Como acontece com todas as teorias inovadoras, já existem tentativas de plágio desta. Os invejosos tentam transpor estes conceitos aplicáveis apenas ao alcatrão solúvel em água para os revestimentos sintéticos dos edifícios. No entanto, e tanto quanto me é dado saber, neste campo não passam de tentativas de demonstração falhadas.
Mas quem sabe, com o tempo…



Texto e imagem: by me

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Excentrico


Isto é um excêntrico! Uma peça mecânica em que o seu limite exterior, ainda que seja uma linha curva, não se encontra equidistante do seu centro ou eixo.
Aplicado que lhe seja um movimento de rotação, a irregularidade do seu limite exterior entrará em conflito com o que o circunde, provocando uma acção nos elementos que o rodeiam.
É usado para provocar acontecimentos cíclicos, controlados, em mecânica.

No caso específico da imagem, faz parte do mecanismo de um projector de cinema de 8mm e super 8mm que tenho temporariamente em casa.
Recorri ao empréstimo deste vetusto aparelho para passar para suporte digital velhas películas cinematográficas a pedido de uma ex-aluna. De caminho, e a título de pagamento do empréstimo, procedi a idêntico tratamento aos filmes do dono do projector, passando-os para DVD.

Este trabalho levou-me a conhecer bem duas coisas:
- O mecanismo em causa, já que o tive que reparar por diversas vezes face à sua idade avançada;
- Os filmes passados para a tela, recuperados pela câmara de vídeo e reencaminhados para o disco rígido.
Foram várias horas de um tempo que não se repete, em que figuras que não conheço passaram da fase de bebé de colo à de adolescência vistos pelo olhar técnico de seu pai e pela complacência de sua mãe.
Os trajes e os lugares, os penteados e os automóveis, a participação dos adultos nas brincadeiras e as próprias brincadeiras variam enormemente em 30 ou mais anos.

No entanto, ainda me pergunto se terei feito bem em fazer este trabalho.
O prazer da manipulação deste equipamento antigo, o ruído do projector, o ritual das luzes apagadas e dos olhares fixos na tela reflectora perder-se-á. As bobines de metros e metros de milhares de fotogramas serão arrumadas numa qualquer caixa, ganhando bolor e esquecimento.
O ver destas novas imagens na tela emissora que não reflectora ganhará a banalidade de abrir uma gaveta, e fazer click. Tão fácil quanto o ver mais um qualquer filme alugado no clube de vídeo.
A carga mágica do suporte desaparecerá, vulgarizado que for o seu uso.
Será que as gerações vindouras darão ao suporte banal dos bites e dos bytes o mesmo valor que aos fotogramas?

PS – Eu não possuo uma peça destas! A minha excentricidade não se manifesta em peças de teflon, engrenagens e rotações.
Antes em matéria viva, textos e fotografias, pensamentos e intervenções na sociedade.
Como aqui e agora!


Texto e imagem: by me

Demagogia


As coisas são como são e a demagogia não é excepção!


No final de Novembro, o governo veio anunciar medidas de redução de custos para os passageiros dos transportes públicos de Lisboa. Isto aconteceu com a introdução de novos sistemas de bilhetes pré-pagos, válidos para mais que uma empresa e era ainda anunciado um desconto de 5% a quem, na mesma viagem, usasse mais que um operador de transporte.
Medida simpática, tanto mais que o incentivo ao uso do transporte colectivo como alternativa ao privado é algo que se impõe. Por motivos económicos, por motivos sociais, por motivos ecológicos, por motivos de descongestionamento da cidade.

Aquilo que não foi anunciado – não o ouvi nas TVs nem o li na imprensa – foi o aumento do preço do bilhete pré-comprado!
Uso-o tanto na Carris como no Metro, em pacotes de 10 viagens. É mais prático e bem mais barato que o preço dos comprados a bordo dos autocarros.
Mas, para minha surpresa, na última compra que fiz estes bilhetes tinham aumentado a significativa percentagem de 10,7%. Dez viagens compradas no dia 19 de Novembro custaram-me 7,51€ e o mesmo produto, comprado em 5 de Dezembro custou 8,10€.
Os tais “5%” de desconto para quem use mais que um operador diluem-se nos 10% de aumento para quem apenas use um!
Feitas as contas, as viagens pré-compradas ficam mais caras, seja qual for os número de operadores de transporte que se use. Entre 5 a 10 por cento mais caro.
Isto numa altura em que o preço do petróleo está a descer, estando a menos de metade do que estava há uns meses atrás, e numa altura em que os próprios combustíveis ao consumidor estão mais baratos também.

No dia em que encontrar um político num posto de governação que tenha passado um mês inteirinho sem mentir aos seus concidadãos, pago um almoço às primeiras dez pessoas desconhecidas que encontrar no primeiro restaurante que vir.
Até porque, e como se cantava há uns anos atrás, “Demagogia, feita à maneira, é como queijo, numa ratoeira!


Texto e imagem: by me

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O centro do mundo


Entraram no comboio em Entre-Campos. Seriam pouco mais que uma dezena, variando entre os 8/9 anos e os 15/16 anos, acompanhadas por uma senhora, já na casa dos quarentas e muitos.
Um grupo perfeitamente heterogéneo, tanto nas idades como nos aspectos, que os seus vestuários divergiam em muito.
Uma delas, das mais velhinhas, chamou-me a atenção, não apenas pelo que trazia vestido – um poncho azul tricotado de lã – como pelo seu aspecto meio perdido no grupo e no local. Olhava em redor como se tudo fosse novo, com um ar alheado de quem não está a entender muito bem o que lhe está a acontecer.
As mais velhas iam tomando conta das restantes, no distribuir dos lugares, nos comportamentos, nos volumes de som. Independentemente da roupa ou do tipo de saco ou mochila que traziam.
Não poderia deixar de olhar, tanto mais que duas das caras eram-me estranhamente conhecidas. Não sabia de onde nem de quando, mas conhecia-as. Uma das mais velhas, outra das intermédias. E era tanto mais estranho quanto a adulta que as acompanhava me era por completo desconhecida.
A dado passo, por entre os pedaços de conversa que ia ouvindo, percebi onde iam: ao circo. Dezembro é quase obrigatório levar as crianças ou adolescentes ao circo e ao espectáculo degradante dos animais amestrados.
Mas foi ai mesmo, nesse ponto da conversa que me recordei de onde as conhecia: do Jardim da Estrela. Fora do contexto seria difícil percebe-lo.
Mas recordei, quase que como da véspera, o episódio com mais de um ano onde com parte delas havia travado conhecimento: Tinham querido fazer uma fotografia, tinha eu referido a necessidade da autorização de um adulto e, para tal, foram chamar a monitora, que não autorizou a publicação da imagem. Tratava-se de crianças institucionalizadas, algumas à revelia dos familiares, e havia que manter o anonimato e/ou discrição de quem eram e onde estavam.
Desse dia em diante, continuei a vê-las por lá, em regra ao fim-de-semana, as mais velhas tomando conta das mais novas. Nas suas brincadeiras habituais da idade, correndo, jogando, skateando ou patinando.
Mas, talvez por saber o que sei a seu respeito, ou porque seja mesmo constatável a olho nú, a verdade é que os seus risos e gargalhadas não são iguais aos das restantes crianças que por lá vou vendo.
Tal como não o eram neste comboio, em que iam ao circo, como manda a tradição do Natal.

Como seria de esperar, não ponho aqui as suas fotografias. Face à sua condição e devido ao local.
Em alternativa, deixo-vos uma pouco do dito jardim, desta feita engalanado para as festividades que se aproximam. Afinal, seja qual for a condição que vivamos, um coreto é sempre local de festa. E, dependendo de como virmos as coisas, pode até ser o centro do mundo!


Texto e imagem: by me

"POD"


Há uns tempos fui brindado com um “POD”. Entenda-se por “Picture of the day”. Entenderam que esta seria das melhores do dia e pespegaram-me com a “estrelinha”.
Claro está que vir alguém dizer que uma fotografia nossa é boa e se destaca das demais nos enche o ego. Teria que não o ter para que tal não acontecesse.
Mas o que tem graça é não entender o porquê de tal distinção!
Bem, a fotografia não é má de todo. A idade da senhora está bem patente, com as rugas e o vestuário, a luz está como eu gosto, o jogo de cores funciona…
Mas quem quer que tenha atribuído o prémio nem desconfia o que passei e pensei para a fazer.
Trata-se de uma senhora cigana, já na casa dos setentas, que passa parte dos dias de bom tempo a ler sina de quem passa e lhe pede para tal. Na palma da mão, como manda a tradição cigana. Viúva que é, usa o cabelo cortado desde a morte do marido, cabeça coberta e roupa preta para todo o sempre, ou não seria mulher séria. Como mo disse, acrescentando serem tradições da raça.
E foi exactamente por lhe perceber o orgulho na raça que, tendo definido e aceite a luz de recorte como gosto, que andei aflito para encontrar o fundo que, de algum modo, o mostrasse. Que os ciganos, apátridas que são, como mais ou menos errância, com negócios mais ou menos honestos (definam a “honestidade” em função da cultura, por favor), estão num mundo que não é o deles, aceitando viverem num limbo entre a sua cultura e lei e as dos circundantes.
E foi com base neste conceito que dos ciganos tenho que a coloquei bem entre duas luzes, nem no claro nem no escuro, fazendo umas duas ou três imagens até ficar satisfeito com esta.
Ela mesma, que viu e levou as duas, preferiu a de corpo inteiro, mais clássica, menos intrusiva. Mas ainda sorriu ao olhar para esta outra.
Mas o que me disse que tanto uma como outra eram do seu agrado, enquanto mulher e enquanto cigana, foi a pergunta que me fez no fim:
“Já pensou em ir fotografar casamentos ciganos? Olhe que haviam de gostar e você ganhava bom dinheiro!”
Sei que intrusos na comunidade cigana não entram, menos ainda em festividades familiares. Ser convidado (ou desafiado) para tal é uma honra. Que só não aceitei porque não faço da fotografia negócio.

Não creio que quem quer que me tenha atribuído a estrelinha saiba de tudo isto. Não apenas porque não estava por lá como, suponho, não seja português e pouco esteja familiarizado com as tradições ciganas na península Ibérica. Que são diferentes do resto da Europa.
Assim, será que aquilo que senti e quis transmitir com a fotografia, passou?

Aconteceu mesmo a comunicação entre fotógrafo e público?

Será mesmo a fotografia apátrida, acultural e agnóstica?



Texto e imagem: by me

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

What is photography for?




You can get as many answers as photographers.
In this movie you can find one of them.
Yi-Yi, directed by Edward Yang, got the Cannes 2000 prize of "best director".

You should see it all!


Texto: by me
Imagem: frame do filme referido

Jogos de sorte e de política


Primeiro foi a questão dos bancos. De tanto emprestarem, aos particulares e entre si, perderam a liquidez, que é como quem diz, ficaram sem dinheiro, e a confiança que deveria reinar.
De imediato surgiu a palavra “crise”, com o espectro dos quintos dos infernos para os países ditos desenvolvidos. E os governos chegaram-se à frente, servindo de avalistas para o crédito interbancário e indo ao ponto de nacionalizarem alguns, afundados que estavam em dívidas e créditos mal-parados.
E o termo e o uso de “nacionalizar” surgiu como que natural, esquecidas que estão as doutrinas de esquerda, bem como as nacionalizações dos PREC’s, dos Allende’s, dos Fidel’s e de alguns outros. O capitalismo usou de ferramentas típicas do socialismo e do comunismo para se salvar e, até ver, deu-se bem com a coisa.
Mas depois dos bancos foi a vez das todo-poderosas indústrias automóveis. Porque não há crédito, os carros já não se vendem e, por consequência, não adianta fabrica-los.
Nalguns países foram disponibilizados créditos estatais para que a produção continue; noutros, como o nosso, foram dadas garantias de manutenção de rendimentos casos os trabalhadores sejam despedidos ou colocados em layout por via do fecho de fábricas ou redução de produção.
Mas o governo foi ainda mais longe, garantindo avales para empréstimos muito baratos a pequenas e médias empresas. “Continuem a produzir e a contrair empréstimos, que nós cá estamos para os garantir!”
Mas a coisa não se ficou por aqui: um destes dias, numa convenção de agencias de viagens acontecida em Macau, estas queixaram-se da crise e avançaram com a sugestão peregrina de os governos respectivos também a elas fornecer créditos e avales, para manterem o negócio em funcionamento.

No meio de tudo isto, no último fim-de-semana, leio uma notícia num jornal nacional on-line: lia-se nela que os casinos de Portugal têm registado fortes quebras no negócio, da ordem dos muitos milhões de euros. Na facturação e no lucro, entenda-se. O tom da notícia e do discurso dos responsáveis pelas salas de jogo e vício era de molde a sugerir que também neste caso os governos deveriam intervir. E não me espanta que, de uma forma igualmente discreta, os nossos governantes intervenham no mundo do jogo, máquinas ou salas reservadas.
Porque, afinal, tanto o jogo da política como os de fortuna e azar, ao tremerem, usam as cartas escondidas que sempre têm, por forma a que de sorte tenha apenas o nome.


Texto e imagem: by me

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Tesoiros


Nunca vos aconteceu? Se calhar não, mas depois me dirão.

Entro numa livraria. Com o desânimo antecipado de quem sabe que as livrarias, nos tempos que correm, têm cada vez menos livros nos campos que me interessam.
Por motivos que desconheço, mas que posso facilmente adivinhar, é cada vez mais difícil encontrar bons livros sobre fotografia. Lá os grandes álbuns, com boa qualidade de impressão ainda se vão encontrando. Tal como os “guias práticos” disto e daquilo, especializados em “ensinar totós” nos segredos dos grandes fotógrafos. Como se o principal segredo não passasse por três aspectos apenas: saber ver luz, saber sentir perspectivas, conhecer o nosso semelhante. O resto é uma questão de prática, de gosto pessoal e de tentar e errar.
Em qualquer dos casos os livros que falam sobre estas abordagens estão cada vez mais raros nas livrarias portuguesas. Talvez porque são livros que levam e obrigam a pensar, e isto é coisa que é pouco frequente nos tempos que correm.
Fosse como fosse, entrei na loja. Nunca se sabe o que nos espera, e é uma espécie de vício, isto de entrar em lojas de livros.
E, tal como esperava, a secção de fotografia era de uma pobreza franciscana. Os tais álbuns caros e os tais manuais ainda os vi, mas quanto ao resto, pouco ou nada.
Ainda por lá encontrei uma edição da Tashen sobre Edward Weston. O nome é sonante e as suas imagens são sempre para ver e deliciar, mas estes editores decidiram fazer uma publicação bilingue, em português e italiano que, como é sabido, é uma língua que o comum dos lusos domina com fluência. E se a qualidade de impressão era boa, já o tamanho das imagens se aproximava do dos postais ilustrados, perdendo assim a magnificência daqueles cinzentos aveludados, dos pretos profundos, dos brancos exuberantes.
Por incrível que pareça, também constava Barthes, com o seu “Câmara clara”. Suspeito por ser de leitura obrigatória no campo das filosofias escolares, que faz muito que não vejo ninguém a lê-lo ou sobre ele falar.
Para minha satisfação, e meio perdido entre os guias práticos para tótós, também constava o Langford, representado pelo “Fotografia Básica”. Numa edição bem mais recente que a que consta em minha casa, é livro de leitura obrigatória para quem queira estudar as questões técnicas, sendo que o recomendo por sistema aos estudantes com quem trabalhe ou a curiosos que mo perguntem. Claro que o “Tratado de fotografia”, o seu complemento aprofundado, não constava por aqui e, em boa verdade, faz muitos anos que não o vejo que não na minha estante, em casa.
Preparava-me eu para me afastar, confirmada que estava a minha opinião sobre as livrarias actuais e o consumo de livros, quando vi um que ocultava a lombada, deitado sobre os demais de pé. Aquele meu anjinho da guarda, que no lugar de asas usa um livro aberto nas costas, empurrou-me a mão e peguei nele. Consegui conter o grito de satisfação quando, ainda antes de poder ler o título, identifiquei o grafismo da capa: “Arte e percepção visual” de Rudolf Arnheim.
Tenho com este livro uma história curiosa: Foi-me recomendado e emprestado por um amigo que, não estando directamente ligado à fotografia, nada nas artes, do aprender ao fazer. E uma recomendação vinda dele é sempre de levar em conta, pelo que o aceitei e pu-lo na lista “dos para ler”. Mas a pilha vai sempre aumentando e fui-o atrasando até que, uns tempos depois, ele me pergunta a minha opinião. Cheio de vergonha, tive que confessar que nem lhe tinha pegado ainda. Bem de acordo com a sua maneira de ser, lá me deu um prazo para o fazer, o que fui fazendo. Que se trata de um livro bom de ler mas denso, difícil de ler como se de um romance se tratasse.
Mas, nas idas e vindas, nas entradas e saídas do saco, no trabalho, no comboio, etc., foi-se degradando, ficando com a capa meio vincada, quiçá mesmo estragada. Em tempo, avisei o seu dono de tal, dizendo-lhe que trataria de o substituir, assim que o encontrasse, ao que me disse que o mais provável seria ter que o encomendar, já que se trata de uma edição brasileira e nada comum por cá.
Tudo isto aconteceu há já uns meses. Volta e meia, ao passar por uma livraria, perguntava por ele, mas nem o conheciam. E a possibilidade de encomendar era-me apresentada como remota e difícil.
E de súbito, sem que nada me preparasse para tal, heis-me a dar os quase 50 euros por um livro que já possuo e cheio de satisfação por isso. E, à laia de brinde, ainda comprei um de contos por Luís Sepúlveda, autor de que não me canso de ler, bem pelo contrário.

Assim, entrar numa livraria, mesmo que com sentimentos pessimistas, vale sempre a pena. E se nunca vos aconteceu serem agradavelmente surpreendidos numa loja de livros, tentem a sorte e entrem numa. Nunca se sabe que tesoiros, velhos ou novos, podereis encontrar por lá.
Mas, por favor, escolham uma livraria e não uma dessas lojas mistas, onde a par com livros podereis encontrar electrónica de consumo, detergentes, bacalhau ou vestuário São tudo coisas boas, mas os tesoiros, sabemo-lo, encontram-se nos sítios certos! E estar num espaço com livros até ao tecto é um sítio certo!



Texto e imagem: by me