O bairro onde moro tem características bem distintas do
bairro onde morei decénios.
Na arquitectura, na gestão do espaço público, no comércio,
nos grupos etários e profissionais de quem neles vive.
Uma das características que os distingue é a limpeza das
ruas, em particular no lixo que é colocado nos contentores. Aqui são em número
suficiente e a recolha amiúde; onde mora primavam pela escassez e o lixo
amontoava-se por dois ou três dias em redor dos contentores. Por vezes mera
falta de civismo de quem ali reside, outras pela notória falta de capacidade
para a quantidade de moradores.
Enquanto fotógrafo, sempre tentei tirar partido disso, sendo
tema recorrente o apontar a minha objectiva para o que estava fora. Pela
originalidade dos resíduos, pela singularidade do amontoado, por aquilo que
diziam ou dizem de quem aquilo descarta.
É particularmente difícil fazer esse exercício agora aqui
onde moro. Mas não impossível.
Dei com isto numa esquina cá do bairro e dei espectáculo aos
velhotes que numas mesas perto matavam o tempo da reforma com umas frescas minis
ou uns cálices não sei de quê, amarelo ou branco.
Fiz o registo, pensando no quanto este boneco terá
alimentado as fantasias e brincadeiras de uma criança. E no motivo de ter sido
assim jogado fora, sem outra vestimenta que não a de baixo. Quase que impróprio
para se vir à rua, digamos. Terá sido uma mudança? Terá a criança morrido? Terá
casado e deixado para trás os objectos da infância? Em tom de complemento,
alguém o terá posto em evidência, na grade de refrigerantes e fora de um saco
que, mesmo ao lado, continha outros brinquedos.
Afastei-me depois da função e atravessei a rua. Para a esquina
oposta.
E fiquei a ver como os velhotes, depois de algumas trocas de
palavras, se levantaram para irem ver o que me tinha prendido a atenção. Sem
pressas, que os lumbagos e as ciáticas não permitem grandes corridas.
A Fotografia, por si só, é algo de apaixonante. O ver, o
pensar, o operar, o imaginar o resultado final, o saber a reacção do público…
Mas tudo o que a antecede ou sucede é igualmente interessante de observar. O
acto fotográfico nunca é só o premir o botão.
By me
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