No desempenho do meu ofício, por mais de quarenta anos, demasiadas foram as vezes que fui obrigado a fazer enquadramentos de que discordava.
Ou eram as linhas, imaginárias ou reais, que não “batiam certo”, ou eram os equilíbrios de massas, cores ou luz que se desequilibravam, ou eram os centros de interesse que colidiam entre si ou antagonizavam com os anteriores ou posteriores...
Posso mesmo dizer que muitas foram as vezes em que fui obrigado a fazer más imagens porque assim me era pedido por quem podia ou decidia.
Claro que o conceito de bom e de mau é sempre subjectivo. A estética não tem regras, a comunicação visual tambem não. E numa disputa entre quem compra ou dirige e quem vende ou executa, a opinião ou gosto dos primeiros impera sobre os segundos.
Não tenho a veleidade de pensar que as minhas opiniões ou gostos são as “certas”. Mas são convergentes com a de muitos e bons profissionais com o mesmo ofício, com a de muitos e bons especialistas na comunicação visual, com a de muitos psicólogos, com os seus estudos de comportamento e reações a estímulos, com especialistas em semiotica. Visuais ou outros. Já nem falo do trabalho feito em cinema ou vídeo, ficção ou documental, em que cada enquadramento é delicioso de ser visto e cuja qualidade é aclamada pelos especialistas e pelo público. E este é o mais importante e decisivo juiz.
Mas pediam-me para fazer e eu tinha que cumprir ordens.
Descobri, entretanto, um truque que me permitia executar o meu trabalho sem que as vísceras se revoltassem em demasia.
Cumprindo ordens, imaginava um qualquer “enredo”, mesmo que absurdo, que justificasse o que e como estava dentro do retângulo. Algo como “Ele está à espera que lhe deem com um porrete na cabeça” ou “Ela vai-se sentar saltando pelas costas da cadeira”.
Com este fantástico na cabeça, fazia o que me pediam com muito mais facilidade e sem entrar em “histeria estético-comunicacional”.
Tendo descoberto este truque, passei a usá-lo com alunos, formandos ou outros: Chamando o autor de parte, e fazendo com que ele não visse o que havia feito, pedia-lhe que descrevesse a história que queria contar com a imagem que fizera. E, para além da descrição base, ia insistindo em mais detalhes na história até que ele (ou ela) criasse uma imagem mental detalhada do conjunto de elementos do enquadramento.
Nesse ponto, mostrava o que havia feito e perguntava se aquilo correspondia ao que me havia dito. E, se fosse preciso, assinalava as discrepâncias entre as duas versões: a materializada e a descrita. Era muito frequente que quem me ouvia fosse alterar o que havia feito para que imagem mental e imagem material se correspondessem. Por vezes bastava mudar de perspectiva meio metro, se tanto, para que obtivesse o que queria. Para os lados ou na vertical ou na proximidade ao assunto. Criavam-se novas linhas, conduzia-se o olhar de outra forma, os equilíbrios ajustavam-se...
Os bons, os muito bons, criadores de imagem, não precisam deste exercício de descrever o que querem contar. Olham, ajustam-se e já está sem mais delongas. Outros, igualmente bons, precisam de mais tempo e deambulam pelo local até que param porque sentem que é dali. Não pensaram, não racionalizaram, apenas fizeram coincidir aquilo que os olhos contavam com aquilo que a mente queria.
Aqueles, como eu, que não somos tão bons, precisamos de pensar. A sério. Em todas as envolventes na conjugação dos elementos reais ou implícitos. E muitas vezes falhamos porque a pressa de fazer o seguinte não nos dá o tempo necessário à maturação do produto final.
Ou não temos imaginação para mais.
Pentax K1 mkII, SMC Pentax DAL 80-200
By me


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