domingo, 31 de outubro de 2021

"Opiniães"

Ouvindo os discursos e comentários dos políticos nestes tempos já assumidamente pré-eleitorais, fica-se com a sensação de estarem a discutir um qualquer campeonato de futebol ou carica, em que ganha a melhor equipa e treinador e não as opiniões e escolhas dos cidadãos eleitores.

Como se estas fossem pouco relevantes e que os “superiores eleitos” tivessem toda a sabedoria do mundo.

Continuo a pensar que há uns candeeiros de rua que ficariam muito bem decorados com uns corpos a oscilar ao vento!


By me

Tempo




E estão todos preocupados em acertar os relógios, aquele aparelho tirano que nos diz que estamos atrasados para compromissos que não queremos, que estamos adiantados para encontros que ansiamos, que nos impõe ritmos, que nos obriga a dormir e a comer e a divertir e a ir…

E vieram uns senhores lá de não sei onde dizer-nos que não, que se ontem te levantavas com sol, hoje será de noite (ou vice-versa, que o prazer de te estragar o teu ritmo é dele e não teu!).

Por muito que queiramos dominar, a terra roda a seu bel-prazer e movimenta-se como quer. Por muito que nos esforcemos, sobre isto o mais que podemos fazer é impor medidas e normas sobre o como usar aquilo que não dominamos. Até a luz do sol.

Abomino imposições!


By me

sábado, 30 de outubro de 2021

Telefones




Não andava nem depressa nem devagar. Andava na sua velocidade.
Chegava-se aos clientes, recebia as suas encomendas, desaparecia por entre as prateleiras e regressava com os braços cheios de papeis, sobrescritos, canetas, borrachas, réguas, lápis, blocos e cadernos, o que quer que fosse que lhe tivessem pedido. Volta e meia voltava atrás para confirmar um detalhe, mas tudo vinha aparecendo em cima do balcão.
Aliás o balcão de madeira, vetusto e carcomido pelos embates dos pacotes, pouco mais velho seria que aquele caixeiro que nele pousava o que vendia.
Quando entrei, já lá estariam uns três ou quatro clientes que pacatamente aguardavam vez.
De súbito tocou o telefone. Ninguém reagiu, até porque os telemóveis eram uma invenção do futuro. E aquele de digital tinha apenas o dígito com que se rodava o mostrador.
TRiiiiim. TRiiiiim. TRiiiiim.
Nem o bom do vendedor se interrompeu, que o ignorava como se de um surdo total se tratasse, continuando na sua tarefa de atender o cliente.
TRiiiiim. TRiiiiim. TRiiiiim.
Ao fim de um pedaço, um dos outros clientes que, como eu, aguardava vez e achava estranho que ele não o atendesse, chamou-lhe a atenção para o aparelho que retinia.
A resposta foi bem clara:

“O telefone só toca porque clientes que não querem esperar gostam de fazer as suas encomendas e tê-las prontas quando cá chegam.
Mas os senhores já cá estavam.
Quando chegar a vez dele, logo o atendo.
É a seguir àquele cavalheiro!”

O silêncio que se fez só era interrompido pelo toque estridente da campainha. Que cedo se calou. Quem quer que estivesse do outro lado do fio deve ter percebido a lição.

E quem diz que há que ter um curso superior para dar lições?...


By me

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Velharias




Uma objectiva é uma objectiva, digam lá o que disserem. Mesmo que lhe chamem lente.

É através dela que fotografamos, ajustamo-nos e à nossa perspectiva em função do que ela nos permite ver ou, preferencialmente, usamos a mais adequada em função da perspectiva que escolhemos usar.

Há objectivas de todos os tipos e para todos os gostos e bolsas: caras e baratas, zooms e focais fixas (também hás focais variáveis, mas são casos raros no dias de hoje), há as de grande qualidade óptica e as fracotas (bem como aquelas de que dizem ter bouquet, seja lá isso o que for). Até há aquelas que são construídas por nós, e tenho uma assim feita.

Há as objectivas que cobiçamos, porque achamos que com elas seremos melhores fotógrafos. Há objectivas a que não prestamos atenção alguma porque não publicitadas. Há as objectivas raras e as muito comuns. Há as objectivas que, uma vez compradas, se transformam numa segunda natureza fotográfica. E há as objectivas que, usadas meia dúzia de vezes, acabam por ser descartadas para um armário ou vendidas, porque não correspondem de todo à nossa forma de ver.

Há objectivas para todos os gostos e usos!

Desta feita caiu-me no colo uma objectiva com a qual, muito provavelmente, não gastaria um cêntimo a menos que tivesse a organizar uma colecção delas. E bem que gostaria de o poder fazer.

Objectiva barata e comum, daquelas a que chamam de “entrada”, era um standard das câmaras reflex de baixo custo. Uma Pentax-A 28-80 macro, f/3,5-4,5, produzida nos inícios dos anos ’90. Tive várias nas mãos, já que faziam parte dos conjuntos fotográficos que a escola onde trabalhei comprou.

Sem nenhum automatismo electrónico actual, nem mesmo foco, só trabalha em modo absolutamente manual nas DSRL Pentax. O que não me atrapalha nem um pouco, já que gosto de ser eu a decidir o que a câmara faz, no lugar de deixar que seja o “Japonês Inteligente” que nela vive a tomar conta do processo.

Veio parar-me às mãos de um modo totalmente insuspeito: um colega disse-me que ma oferecia. Tinham-lhe oferecido, mas ele usa outra marca e é incompatível. Sabendo-me utilizador e fã da Pentax, lembrou-se de mim. Ainda lha quis pagar, mas fez questão de ser oferta, tal como a tinha recebido. Estes negócios estranhos também acontecem, ainda que raramente.

Tenho andado com ela montada na câmara. E tenho andado com a câmara comigo no quotidiano, no saco. Mas os últimos tempos têm sido complicados de viver e pouco uso tenho dado ao botão fotográfico. Ontem ainda fiz algumas, que tirei a tarde para um passeio higiénico na cidade. Breve e com outros objectivos que não a objectiva, mas dei-lhe uso. Este foi um deles.

Numa rua da zona velha da cidade, um muro contém diversas argolas cravadas na parece. Ao que julgo saber, tratavam-se de locais onde prender as bestas de carga.

De algum modo as funções originais perderem uso e surgiram novas tradições, importadas sabe-se lá de onde. Onde antes se viam arreatas hoje encontram-se cadeados e fitas coloridas, simbolizando amores e amizades eternos. O tempo, tanto nos sentimentos como nos objectos, tratará de definir “eterno”.

Fica a história e o registo, que serão tão duradoiros quanto os arquivos digitais em redundância que vou fazendo. E que serão tão úteis quanto argolas para bestas de carga.


By me

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Democracia

 Entre o muito que oiço falar de vitórias e derrotas partidárias, de choques de interesses entre partidos e o contar espingardas entre os deputados, quase nada se alguma coisa oiço falar nos cidadãos que os elegeram.

Esquecem-se que democracia é a organização social em que o povo é soberano e que deputados e governos cumprem a vontade dos cidadãos.


By me

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Esclarecimento




Aparentemente há quem fique confuso ou chocado quando comparo o acto de se pedir factura com NIF com a antiga polícia política.

Tentarei explicar, ainda que acredite que a maioria não entenda ou não aceite os meus argumentos.

 

Quando recebemos uma factura, não importa de que negócio, com o nosso NIF nela inserido, estamos a obrigar a que quem a emite comunique às finanças a existência desse mesmo negócio. Por outras palavras, quem vende ou presta o serviço não tem como escapar ao fisco.

Acontece que a lei se baseia no princípio: “Inocente até prova em contrário”. É a quem acusa que pertence o ónus de provar as suas afirmações. Não é a cada um de nós que, a cada momento, temos que afirmar que somos inocentes, não importa de quê.

Acontece também que é dever de todo o comerciante ou prestador de serviços o declarar ao fisco cada negócio que faz. Tenham ou não as facturas que emite o NIF dos clientes.

O obrigar-se o comerciante a colocar o nosso NIF na factura é suspeitar que ele pode ser desonesto, que pode não declarar este negócio e, com o meu NIF na factura, impedi-lo de defraudar o fisco.

Não me entendo fiscal ou polícia! Não tenho a opinião que todo e qualquer cidadão pode ser desonesto e não tenho a obrigação de impor comportamentos aos demais! Do mesmo modo que não gosto que suspeitem de mim, não passo a vida a suspeitar dos outros! E se eu cumpro as regras fiscais, tenho que partir do princípio que todos os outros o fazem também!

Em tempos existia uma polícia secreta que vigiava actos e pensamentos “a bem da nação”. Não sabíamos quem era ou não agente ou bufo e tínhamos todas as cautelas para não sermos apanhados por um desconhecido (por vezes eram conhecidos) a fazer ou dizer algo contra o sistema (ou regime).

Hoje já não existem bufos que levam informações ou denúncias aos agentes ou postos policiais, a troco de dinheiro ou promoção. O estado encontrou uma forma bem mais perversa de ter denunciantes sem que sejam olhados de lado pelos colegas ou vizinhos: oferece-lhes reembolsos de impostos, recompensas automáticas e “legais” para que todos suspeitem de todos e todos vigiem todos.

Fugi dos de antigamente! Factual e fisicamente. E não serei eu que hoje farei o papel de esbirro do estado, fiscalizando e impondo comportamentos.

 

Admito que sejam muitos os que não pensam como eu. Os que suspeitam que todos, sempre que tenham oportunidade, serão desonestos e não cumprirão os seus deveres para com a sociedade. Nomeadamente no que a impostos concerne.

Também entendo que muitos desses que não pensam como eu serão exactamente aqueles que, em tendo oportunidade, fugirão dos seus deveres sociais. Fisco incluído.

A cada um a sua consciência. Pessoal e social.

 

Em jeito de remate, sempre vos alerto que se um dia vos baterem à porta e vos acusarem de possuírem um livro constante de um qualquer INDEX, foram vocês que informaram o estado e os seus esbirros que o compraram.


By me

domingo, 24 de outubro de 2021

Trocas




Em tempos organizei ações de formação em fotografia em regime gratuito e destinados a quem queria melhorar o seu desempenho, sem ambições profissionais ou outras. Não importava os conhecimentos ou equipamento de que se dispunha.

A convocatória era feita através das redes socais e compareci quem queria sem compromissos ou limites.

Esta foi uma das convocatórias.

 

Troco alguns conhecimentos de fotografia,

Por aquilo que entenderem, desde que feito pelo próprio.

Primeira parte:

1 – Escolher ou inventar uma anedota (desde que passível de ser contada numa escola dominical);

2 – Escrever a anedota;

3 – Ilustrar a anedota com uma, duas ou três fotografias, não mais;

4 – Publicá-las no grupo “olhar, ver, captar” até ao próximo dia 10 de Novembro, na pasta correspondente, acompanhadas do texto e do número de ordem na anedota.

Segunda parte:

A decorrer no próximo encontro, em data a anunciar.

Duas citações de ajuda:

“O mais difícil no acto de fotografar não é decidir o que registar mas antes o que ou quando não registar.”

“De tudo o que envolve a comunicação (oralidade, plástica, audiovisual) o difícil é o poder de síntese.”

 

By me

Intervenção social




A farmácia estava cheia. Quando chegou a minha vez, pedi um banal “Aspergic”. Cá em casa a época das constipações já começou e eu já perdi duas narinas para ganhar duas torneiras. Escancaradas.
Não tinha receita, que nestas coisas não faz falta, nem quis o saquinho de papel onde quiseram colocar a caixa.
“Para que me vai dar isso se daqui a pouco, em tendo oportunidade, o deitarei fora? Só para fazer lixo?”
O tom foi suficientemente alto para que o cliente a meu lado ouvisse e esboçasse um sorriso. Vi-o pelo canto do olho, ao mesmo tempo que esperava a pergunta da praxe:
“E quer número de contribuinte na factura?”
“Olhe! A senhora não tem idade para isso. Mas se tivesse andado a fugir a uma polícia política não propunha isso!”
E acrescentei:
“Eu sei que tem que fazer a pergunta, mas eu tenho que passar o recado!”
O meu tom foi um tudo ou nada alto. O suficiente para sentir que as mãos paravam e as cabeças se viravam, nos diversos pontos de atendimento. Não por muito tempo, que o discurso foi curto, mas o suficiente para que o recado chegasse a mais de duas dúzias de orelhas.
À minha frente, a trintona de bata branca sorriu sem saber muito bem o que responder. Limitou-se a aceitar o meu dinheiro e dar-me o troco, que a caixa com o medicamento já estava na mochila.

Intervir na sociedade não passa apenas por actos eleitorais, cumprir ou redigir códigos civis ou fiscais ou desfilar em manifestações.
Intervir na sociedade é, acima de tudo, fazer passar mensagens, quer pelo discurso, quer pelo exemplo. E quanto mais insuspeito for o local e mais anónimo se for, mais facilmente a mensagem passa.

Se será ou não entendida ou seguida, isso já é outra questão.


By me

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Códigos




Comunicar implica forçosamente usar uma linguagem comum entre emissor e receptor. Quando não o que acontece é apenas expressão pessoal ou corporativa.

Quando falamos em comunicação social o conhecimento da forma como o público reage é vital. Tanto na forma como no conteúdo. Seja qual for o suporte ou meio usado.

Quem ignorar isto e usar como argumento “Lá fora faz-se assim”, está a menosprezar por completo o público português, fazendo taboa rasa da cultura nacional.

A globalização na comunicação não pode, sob pena de extinguir as características culturais de um povo, ignora-lo e querer impor normas e códigos generalistas, ignorando os locais.

Dando um exemplo absurdo, imagine-se que surgia um jornal impresso em Portugal que mostrava os textos escritos na vertical e não na horizontal, com o pretexto de haver milhões de pessoas na ásia que assim escrevem e lêem.

A inovação e a globalização podem e devem ser usadas. Mas equilibradas com as culturas locais, e não querendo apaga-las.

A menos que não estejamos a falar de comunicação social mas antes de experimentalismo tendo por alvo grupos muito restritos.


By me

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Critérios




Não me preocupo de todo com o futebol.

Não me tira o sono excepto em trabalho, as enchentes de público que atrapalham o normal fluir da cidade, e os humores dos adeptos que pintam os rostos matinais de quem ainda mal acordou a caminho do trabalho.

Mas dá-me algum gozo ver como a comunicação social trata o mesmo evento em função do resultado.

Ontem uma equipa portuguesa perdeu em casa com uma importante equipa estrangeira. E é ver como os jornais portugueses falam do assunto em “caixa pequena”, alguns nem mesmo fazendo referência disso na página de entrada da web.

Claro que mostram toda uma panóplia de assuntos negativos, da política à economia nacional ou pessoal. E crimes de sangue. E figuras públicas acusadas de qualquer coisa. E desastres com vítimas. Agora uma derrota no futebol…

Se fosse uma vitória seria assunto de meia página ou página inteira, com letras garrafais e rasgados elogios à equipa e às capacidades nacionais. Mas uma derrota…

“Pode ser que não dêem por isso.”, será talvez o pensamento de quem decide os conteúdos das primeiras páginas. “Temos que lhes dar assuntos negativos para que entendam que as suas vidas, afinal, não são tão beras quanto isso. Temos que os ajudar a sublimar as suas frustrações do quotidiano.”, é o lema de directores e editores. “Mas uma derrota futebolística é demasiada desgraça para uma primeira página!”

 

Ora bolas para as opções editoriais e os seus deveres de isenção e pluralidade condicionados por interesses obscuros.


By me

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Efémeros




É uma daquelas coisas que nunca saberemos: o que irá desaparecer primeiro.

Se a flor, se a abelha, se quem fotografou, se quem está a ver a fotografia, se a fotografia, se a memória de tudo isto.

Mas uma coisa é certa: tudo isto desaparecerá, gostemos ou não.


By me

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Origens




Vários têm sido os que me questionam sobre os motivos que me levaram a partir para o projecto “Oldfashion”. E o que pretendi eu com ele.

Sobre as perguntas originais, as que entretanto sobrevieram e as respostas que tenho ou virei a encontrar, mantenho alguma discrição. Se e quando chegar a um fim definido, e se valer a pena a sua divulgação, cá estarei então para isso.

Mas posso dizer que as referências exteriores passaram e passam pelos trabalhos de diversos autores, nem todos directamente ligados à fotografia.

Pese embora possa parecer alguma imodéstia, aqui ficam alguns dos que, pelo que fizeram ou pensaram, me impulsionaram a partir naquela viagem:

August Sander, A exposição “The family of Man”, Susan Sontag, Roland Barthes, John Berger, Antoni Tàpies, Karl Popper, Roussado Pinto...

Esta lista deixa de fora inúmeros nomes da fotografia ou do pensamento ligado às artes ou ao conhecimento do Homem e do seu comportamento que, de uma forma ou de outra, me foram provocando e questionando.

Tal como aqueles que, não tendo nome sonante ou obra publicada, me fizeram ou fazem pensar, em tertúlias ou conversas em volta de uns copos ou petiscos.

E uma enorme dose de rebeldia ou contestação já que este trabalho, do ponto de vista estritamente fotográfico, é a antítese da reportagem ou do caçador de imagens que, com a sua inquietude e itinerância, persegue assuntos e luzes.

Quanto às questões estéticas não foram nem são, neste caso, uma prioridade que me inquiete.


By me

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Um retrato




Já por aqui contei que, em minha opinião, o género mais difícil no campo da fotografia é o retrato.
Não tanto a selfie ou aquele ocasional, que tanto pode correr bem como mal.
Refiro-me ao retrato que conte mais que apenas a pele e as pilosidades, que mostre apenas cores e formas. Aquele retrato que mostra aquilo que uns podem chamar de alma, outros de aura, aquilo que acontece no pensamento e nos sentimentos. Na vida!
Pior ainda, o retrato tem como crítico, e para além do público e do fotógrafo, o fotografado. E este é muito exigente com o que vê de si, principalmente se visto pelos olhos de terceiros. Haverá, estou certo, toda uma biblioteca que se debruce sobre a imagem que temos de nós e a imagem que queremos projectar para os outros. Só um mestre na fotografia de retrato consegue reunir consensos positivos no seu trabalho.
Eu não sou mestre, muito menos no retrato, ainda que me arrisque de quando em vez.
Este retrato é daqueles que só tem a aprovação de uma pessoa: o fotógrafo. O retratado não gostou muito e o público restrito que viu não gostou mesmo.
Este retrato mostra um pouco daquilo que o retratado não queria projectar para os outros, excepto em momentos especiais. Este retrato foi feito um pouco à revelia da sua vontade, ainda que não se tenha negado. Este retrato mostra um pedaço daquilo que conheço do retratado. Este retrato é a minha visão do retratado, gostasse ele e o público disto ou não.
Acrescente-se que, tanto quanto sei, foi a penúltima fotografia que lhe foi feita. Eu tinha a noção, e creio que o retratado também, que poucas se alguma fotografia mais lhe seria feita. Creio que este retrato o mostra.
Esta fotografia é um retrato, contra tudo e contra todos. Afirmo-o eu, que fui o fotógrafo.
Também fiz a última. Mas essa não é um retrato e poucos são os que a viram ou verão. Que há coisas, fotografias incluídas, que não são para sair da privacidade dos arquivos.

By me

sábado, 9 de outubro de 2021

Selfies




Um velho compincha escreveu uma ocasião uma pérola que eu, infelizmente, terei que citar de memória:
“… e as selfies que são feitas porque ninguém os fotografa.”
Ele que me perdoe se não sou rigoroso nas palavras.

Mas a verdade é que neste mundo da imagem e da aparência, quem não tem imagem “não existe”. Quem não consta das listas das fotografias, do aparecer com, quem não repete e bombardeia tudo e todos com essa imagens de si mesmo, é como se pouca importância tivesse.
Bem o sabem os publicitários!
E a tecnologia actual, que permite fotografar e exibir para o mundo em menos de minutos, é o perfeito feitiço para transformar alguém que nunca entraria num concurso de beleza ou de popularidade, para quem raramente se apontaria uma objectiva, em alguém que todo o seu círculo de “amigos” e conhecidos conhece e observa.
As selfies: O onanismo fotográfico!

By me

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

.




A quantidade de coisas de que não tenho a certeza é assustadora.

Assim, o mais que posso deixar aos outros é o absoluto das minhas dúvidas.


By me

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Torto




Acredito, melhor dizendo sei, que os especialistas no estudo da mente e dos comportamentos têm explicações e nomes para isto. Mas irrita-me, que querem. Chateia-me, incomoda-me, perturba-me. Quase me faz sair do que estou a fazer para lá ir dar uma mão e corrigir.
Claro que não estando num local que me seja familiar, ou onde seja convidado ou apenas permitida a minha presença, ou ainda onde haja alguma formalidade, fico quietinho da silva, não mexendo um dedo no assunto, nem o comentando.
Mas irrita-me!
Perturbação congénita? Deformação profissional? Sentido do cosmos? Não sei.
Sei é que, p’ra mim, as coisas ou são ou não são e não há cá mimimis, nem faz de conta, nem gatos escondidos com o rabo de fora. Ou sim ou sopas! Só um niquinho, nem se dá por ela, só tu é que notas, não me serve!
Ou está ou não está e o resto é conversa!
E nem quero saber o que me diria um cliente se lhe apresentasse esta fotografia como trabalho acabado e sujeito a pagamento!
Mas eu sou torto e tenho mau feitio!

By me

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Tiranias



 

- Oh pai? A água ferve a 90º?

- Não, filho, que disparate! A água ferve a 100º.

- Ah, pois… A 90º ferve o ângulo recto!

 

Piadas à parte, a verdade é que quantificamos tudo na vida. Pesos, volumes, distâncias, temperaturas, energias, tempo… Ainda não quantificaram os afectos, mas creio que não faltará muito.

Com as artes e as expressões pessoais, o mesmo se passa. Nas métricas, nas rimas, nas proporções, nos equilíbrios… As fórmulas algébricas definem à priori ou explicam à posteriori aquilo que apeteceu fazer, aquilo que o criador entendeu por bem materializar.

E estas quantificações impõem regras e normativos. Que, por um lado, definem e generalizam o conceito de qualidade e, por outro, padronizam técnicas e materiais usados por cada um para se exprimir. E tente-se lá encontrar uma tela redonda para pintar…

Com a fotografia sucede exactamente o mesmo!

Submergida que está à ditadura das normalizações dos fabricantes, é difícil a roçar a impossibilidade de se lhes fugir. E se fabricarmos nós mesmos os materiais (equipamento e consumíveis) é quase uma impossibilidade, as expressões de surpresa ou de desprezo por parte de quem atende o público ao lhe ser pedido um trabalho não normalizado acaba por ser hilariante, se não fosse trágico.

Tente-se mandar imprimir uma fotografia a partir de negativo ou de ficheiro digital que tenha, por exemplo, uma proporção de 1:7,5. Suspeito que só alguma lei recôndita e obscura que impede os empregados de balcão de rirem, inibe o ouvir-se uma valente gargalhada. E provocaria uma chamada de urgência para o hospício mais próximo que pedíssemos um enquadramento trapesoidal irregular.

O alfa-numérico das regras, leis e normalizações é tão castrante quanto um capador de porcos.

 

E o ângulo recto, com os seus 90º exactos na esquadria do nosso enquadramento, é a cereja no topo do bolo!

 

By me

domingo, 3 de outubro de 2021

Uma boa fotografia?




Um dos prazeres da fotografia é o desafio que nos levanta. Confrontados com um dado assunto ou objecto, conseguirmos usar a luz (quantidade e qualidade), materiais sensíveis, perspectiva e suporte final para reproduzirmos o que vimos ou imaginámos. A transposição da tridimensionalidade para a planura do papel ou ecrã.

Um dos temas que tenho por mais difícil de fotografar é vidros, joalharia ou cutelaria. Para além da questão do contexto em que são mostrados, o seu brilho e textura levam a que o rigor na tomada de vista seja levado muito a sério. Nunca tentei fotografar profissionalmente automóveis, mas creio que as dificuldades sejam semelhantes.

Outro tema que tenho por difícil é o bicho-homem. A sua mobilidade constante, a permanente mudança de expressão e de humor, a necessidade de transpor para a imagem a sua alma, karma ou que lhe queiram chamar, tornam este género fotográfico num dos mais difíceis e polémicos.

Acrescente-se que o retrato é a “pérola da dificuldade”, já que, e para além da crítica do fotógrafo e do público em geral, o próprio retratado é do que há de mais exigente. As questões técnicas e estéticas em geral deixam-no indiferente, mas as poses, as expressões, os olhares e sorrisos ou a postura corporal são vitais, e a culpa é sempre do fotógrafo.

 

Um bom exemplo desta prática e dificuldade é o meu projecto "Oldfashion". A perspectiva era escolhida por mim, considerando os elementos do fundo, a luz e a sua rotação de 90º durante o tempo que por ali estava.

Para simplificar o processo, os retratados eram colocados em zona de sombra, tal como o fundo. Não apenas reduzia os eventuais excessos de contraste difíceis de controlar neste método, como ainda permitia que os sistemas automáticos de focagem e exposição funcionassem medianamente bem.

O local onde os fotografados se colocavam também era por mim escolhido. Por uma questão de composição de elementos – o corpo é vertical, o enquadramento horizontal – como também para que existisse algum contraste de tons e luz entre o torso e o fundo. Nem sempre conseguia que ficassem onde gostaria, já que demasiado controlo neste aspecto retiraria alguma espontaneidade aos fotografados. E a câmara, compromisso meu, não saía do local.

Sobre a pose, pouco ou nada intervinhoa. Para além de ajustar um tudo ou nada o eixo dos corpos em relação à objectiva, se fosse demasiado chocante o que naturalmente assumiam, e de deixar cair uma laracha no momento da obturação, o resto era por conta deles.

De tudo isto resultaram fotografias que técnica e esteticamente estão no limite do aceitável. Algumas abaixo, talvez. Mas a reacção dos retratados era particularmente divertida.

Ainda que a fotografia seja fracota, quase todos diziam que gostaram e que ficou boa, manifestando algum espanto que aquela caixa as possa fazer. Mesmo que as suas expressões demonstrassem que não gostaram por ai além. As suas preocupações debruçavam-se sobre as poses, os sorrisos, os olhares…

Uma senhora houve que, olhando para o papel que tinha na mão, comentou: “Esta sou eu, não é!” Pela conversa, prévia e posterior, entendi a sua tristeza face às agruras da sua vida. Uma outra, brasileira, e na casa dos quarenta, comentou o quanto tinha envelhecido nos últimos dois anos, tempo da sua estada por cá. A gente jovem ri-se de si mesma e procura com afinco os olhos e a expressão da boca. Num caso, cheguei mesmo a ter que ceder a minha lupa do relógio para que fossem vistos.

Mas, muito curioso, é o facto de terem sido os agentes das forças de segurança (PSP e GNR) os mais exigentes com o que viamm e recebiam. É neste grupo, independentemente das idades e cuja maioria queria a fotografia em papel mas recusava a sua presença na internet, que se encontravam a mais duras críticas. Quer fosse a luz, quer fosse o instante da expressão captada, quer fosse a pose ou o local escolhido, quer fosse por parecerem mais gordos… Nem mesmo outros fotógrafos que quiseram ser fotografados foram tão críticos. Não sei se esta atitude de rigor advirá dos seus ofícios, em que não deixam de ser o que são, estejam fardados ou à paisana.

Quanto aos demais fotografados, em regra, tomavam por uma boa fotografia aquela que não o é, e que por vezes é medíocre.

 

O que me põe a perguntar, muito seriamente: “Afinal, o que é uma boa fotografia?”

 

By me

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Os sorrisos ou a falta deles




Há coisas interessantes nas fotografias de férias e de turismo.

Uma delas é as pessoas fazerem-se fotografar em frente aos locais de interesse (paisagens, monumentos, etc.) de frente para a câmara, tendo por fundo esse local.

Como se o mais importante a contar fosse o fotografado e a sua relação com a objectiva e não o local.

Claro que, acessoriamente, todas essas pessoas assim fotografadas exibem um sorriso, tentando com isso mostrar como estão felizes em ali estar. Sendo que esse “ali” é secundário, pela forma como a imagem é feita.

Admitamos que esse fundo importante estar lá ou em seu lugar um painel pintado ou uma boa edição fotográfica seria rigorosamente a mesma coisa em termos de mensagem final. Nada de original nestas falsificações, diga-se de passagem.

Já quanto aos sorrisos… Daqui por um bom milhar de anos, os estudiosos do nosso tempo dirão que eramos todos felizes ou idiotas, já que os registos fotográficos exibem apenas gente a sorrir.

 

Este é um exemplo do oposto:

Dois homens, migrantes de uma terra distante e que mal dominavam a língua local, que se fizeram fotografar gratuitamente num jardim por um desconhecido para mandarem a fotografia para a família na sua terra natal.

Sobre as poses, posses e a discrepância de vestuário há toda uma história e opiniões que guardarei para outra ocasião.


By me

Conceitos




Ouvi-a há muitos anos de um professor e ainda não me saiu da mente:
“A teoria sem a prática é cega, a prática sem a teoria é estúpida”.

Reformulei-a eu algum tempo depois:
“A técnica sem a estética é insípida, a estética sem a técnica é trapalhona. Qualquer uma delas sem a ética é cruel”.

By me