sábado, 2 de maio de 2020

Associações de ideias



Sabemos que o Estado Novo se manifestou de diversas formas, à semelhança dos seus congéneres europeus.
Literatura, cinema, arquitetura, pintura… Foram diversos fatores que criaram estas estéticas, desde questões filosófico-políticas, à evolução natural a partir de conceitos anteriores, passando pela “veia criativa” de quem criava.
No campo da arquitetura e gestão urbana, são bons exemplos os que encontramos na zona de Arroios, Areeiro, Alvalade. Espaço, arruamentos, distribuição de comércio, indústria e habitação, equipamentos e monumentos.
A Alameda Afonso Henriques é um bom exemplo, desde os prédios circundantes ao Instituto Superior Técnico de um lado e a Fonte Monumental (vulgo luminosa) do outro. Quem ali pare e olhe em redor não pode deixar de ficar de algum modo impressionado com o que vê, apesar das alterações entretanto feitas. Goste-se ou não goste do que existe e das ideias que estão ali representadas.
Foi esta alameda “apropriada” no pós revolução como espaço de eleição para manifestações políticas ou laborais. Faz sentido. A área disponível para juntar gente é magnífica, desafogada e sem demasiados constrangimentos de trânsito.
Ontem foi mais um desses dias de utilização do espaço: a manifestação do 1º de Maio, dia do trabalhador.
Não estive presente, pelos motivos óbvios, acrescidos do facto de estar a trabalhar. Mas, de um modo ou de outro, fui acompanhando o acontecimento pelas imagens televisivas.
Uma delas, feita com um drone, bem mostrou o como todos aqueles sindicalistas (de base ou de topo) ali se juntaram, não querendo deixar o dia sem cumprir tradições e sem deixar recados laborais a patrões e governo. Ainda bem.
Mas ver aquele espaço com aquela história, com as referências ao Estado Novo estampadas nas cantarias e estátuas, e todos aqueles sindicalistas, bem arrumados em quadriculas de segurança traçada no chão…
De algum modo me recordou os tempos em que a Mocidade Portuguesa (organização do Estado Novo) juntava eles e elas em encontros formalmente semelhantes, todos em “ordem unida” e bem disciplinados. No Estádio Nacional, na Praça do Comércio e noutros locais e datas do regime. À imagem e semelhança do que acontecia noutros pontos do globo, onde os regimes faziam questão de mostrar a “coesão” popular através de grandiosos desfiles e concentrações de gente, sempre muito bem organizadas e orquestradas. Alemanha, Itália, Espanha, Argentina, URRS…
Todos os regimes férreos o fizeram.
Mas, mais que aquelas imagens me recordarem um passado de má memória, deixaram-me de boca aberta!
A disciplina e organização ali demonstrada não faz parte daquilo que conhecemos destas manifestações em tempos de Liberdade. Não faz parte do “gene português”.
Em todas em que marquei “presente” (umas centenas ao longo dos anos) um certo caos na movimentação das multidões foi a tónica dominante, apesar de os organizadores balizarem trajetos, dividirem grupos, incentivarem com palavras de ordem previamente concebidas. Mas as centenas ou milhares de pessoas presentes sempre mostraram uma certa vontade própria no que a movimentos e ajuntamentos diz respeito. Recomendável em tempos de Liberdade como os que vivemos.
O que vi ontem em nada se assemelhou a isso.
Não é bom nem é mau. Foi o possível face às circunstâncias, pese embora as vozes de contestação a esta manifestação. Que felizmente aconteceu.
Mas a associação de ideias que me assaltou, essa ninguém ma tira!

By me

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