Fui convidado para participar num debate com forças políticas sobre o estacionamento nos passeios e passadeiras em Lisboa.
Da resposta que dei a esse convite aqui fica parte, a significativa:
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Para já, acho que a questão não é para políticos. Estes, na Assembleia da República ou no Município, fazem as normas, as regras e as leis que regem a sociedade. E, sobre o tema, já existe lei QB: não é permitido estacionar nos passeios (impedindo a passagem dos peões), tal como não é permitido estacionar nas passadeiras de peões, com sinalização luminosa ou não. Mais, a lei define, sem azo a dúvidas, quais as sanções aos infractores.
Pôr os políticos a fazerem mais leis nacionais ou posturas municipais sobre a matéria é apenas complicar aquilo que já existe e que é simples.
O problema põe-se, antes de mais, no civismo (ou na sua falta) por parte de inúmeros cidadãos automobilistas. Mas como civismo e educação não se compram no super ou na net, restará a solução de fazer implementar as leis existentes, ou seja, que os agentes da lei actuem.
E aqui reside uma segunda parte do problema: a ineficácia dos agentes policiais ou fiscalizadores. Começando pela situação caricata de, por vezes, serem eles parte do problema e não da solução, com os inúmeros casos de carros da PSP, da Polícia Municipal ou da EMEL mal parqueados e impedidores do trânsito de peões. Por outro lado, a “vista grossa” que as patrulhas policiais, apeadas ou motorizadas, fazem aos casos em causa. Indo mais longe ainda, acontece não raramente que, ao serem as patrulhas incentivadas a fazer cumprir a lei, apresentarem desculpas esfarrapadas para não multarem os infractores. Não é recorrente, mas acontece. A isto acrescente-se a morosidade da justiça, as amnistias e as caducidades dos prazos e os cidadãos infractores sentem-se impunes ao bloquearem os direitos básicos de circulação e segurança dos peões.
Uma das soluções encontradas por partes dos autarcas, e bem visível nestes últimos tempos (ou não estivéssemos em campanha eleitoral) é a aplicação nos passeios de pilaretes, metálicos ou de cimento, impedindo o estacionamento irregular. E isto não é solução! Por um lado, apenas leva a que os automobilistas, que não respeitam os peões, procurem outros lugares, não bloqueados, para estacionarem a seu bel prazer. Por outro lado, e enquanto peão, é uma solução que me incomoda de sobre maneira, já que acaba por se assemelhar a uma prisão, o trajecto que percorro em segurança no passeio. Questionável será também, o critério usado na colocação desses pilaretes, já que são vistos em zonas nobres ou junto a edifícios em comercialização e, raramente, em zonas ditas populares ou em que não existam interesses imobiliários. Para já não falar na agressão que são, nas partes baixas, a quem circula com menos atenção ou sem capacidade de ver. Os pilaretes são, em última análise, algemas que se aplicam a todos os cidadãos, para que alguns não prevariquem. Não faz sentido e agride-me! Agride-nos a todos na liberdade que deveríamos ter em nos deslocarmos no espaço público.
Mas tudo isto são questões a jusante. Que o núcleo do problema está a montante! A existência em demasiadas de viaturas automóveis onde não há espaço para tantas. No caso particular da cidade de Lisboa, da migração diária de e para os subúrbios.
São dezenas de milhar de automóveis que todos os dias entram na cidade, trazendo pessoas para as suas lides e labutas. E trazem-nos, para além do já mais que falado comodismo, porque as soluções alternativas são reduzidas, se algumas.
A rede de transportes colectivos entre os subúrbios e a capital não é eficaz!
Desde logo porque os transportes colectivos rodoviários partilham as mesmas vias que as viaturas particulares, circulando com a lentidão que lhes é conhecida nas horas de ponta. Não são uma alternativa válida para quem possui automóvel e é egoísta.
Em seguida porque os nós de transportes colectivos entre subúrbios e a capital não possuem ligações de transportes locais eficazes. As mais das vezes terminam algures entre as 19 e as 21 horas, não sendo úteis a muitos dos que trabalham na capital. Os horários destas carreiras são, muitas vezes, afinados por horários escolares ou do comércio local, esquecendo os passageiros que vêm da capital.
Estes confrontam-se com trajectos a pé, por vezes de quilómetros ou, em alternativa, o uso do carro pessoal que poderiam ter deixado nas imediações.
E digo poderiam porque, em regra, não podem. Porque não existem, próximo desses nós de transportes colectivos, lugares em quantidade e gratuitos para que possam ser usados. Quando existem lugares em quantidade, são pagos e nem sempre a preços convidativos.
E o cidadão suburbano, em fazendo contas ao parqueamento no subúrbio, mais o ou os transportes colectivos que tem que usar, acrescido do incómodo, acaba por preferir o conforto da sua viatura, o respectivo consumo energético e ignorar por completo as consequências de estacionar numa cidade sobrelotada. E nem sempre respeitando os seus concidadãos.
E, ao falar em subúrbios e capital, falo também em bairros periféricos e núcleo antigo dos municípios circundantes a Lisboa (ou Porto, ou Coimbra, ou…)
A solução a todo este problema passaria por decisões integradas entre municípios, em opções em que a qualidade de vida dos cidadãos fosse sobrevalorizada quando comparada com custos de infra-estruturas, como parqueamentos (horizontais ou verticais), e condições de concessões de alvarás de exploração de transportes colectivos.
Acontece, porém, que cada município se preocupa com as soluções dos seus munícipes, deixando aos vizinhos as soluções que a eles dizem respeito. E curioso é viajar radialmente ao centro de Lisboa, e constatar onde acaba um município e começa outro. As fronteiras parecem “terra de ninguém”, onde os bairros de lata e a ausência de infra-estruturas, rodovias e parqueamentos incluídos, são bem notórios.
Por tudo isto quando há uns anos aconteceu um referendo sobre regionalização eu votei a favor. Para que houvesse uma entidade, algures entre o governo central e o municipal, que solucionasse este tipo de situações. Inconsequente a minha opinião, então e agora.
E vemos as grandes obras locais a aumentarem, no caso de Lisboa com as IC’s, as CRIL’s, as CREL’s e os túneis, a aumentarem de largura e a facilitarem que os cidadãos, mais preocupados com o seu umbigo que com o colectivo, usem o seu próprio automóvel para chegarem aos centros urbanos, capital ou outros. Sobrelotando os locais de estacionamento existentes e recorrendo a expedientes, como é apanágio do Português médio.
Resumindo:
Mais aplicação e fiscalização das leis existentes, mais meios alternativos eficazes e coordenados de transportes colectivos urbanos e suburbanos e teremos mais espaço seguro para que os peões possam andar em segurança.
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Texto e imagem: by me