Talvez que não seja fácil de reconhecer, pelo menos à primeira vista.
Encostada a um gradeamento de jardim, num bairro popular e habitado maioritariamente por cidadãos seniores, encontra-se esta engenhoca.
O sol que lhe incide é uma raridade, já que este lugar é, regra geral, sombrio por via do arvoredo e dos prédios. Talvez que, por isso mesmo, a ferrugem visível seja justificada. Ou talvez o abandono, que é equivalente no do gradeamento. Aliás, não sei o que será mais vetusto: se as grades se a bicicleta adaptada a oficina de amolador de facas e tesoiras e de reparador de guarda-chuvas.
Estes últimos, hoje em dia, já pouco se reparam, que as lojas de produtos ao preço da chuva evitam o trabalho. Daí que os arames, de calibre adequado para substituir e unir varetas retorcidas e ponteiras quebradas, de pouca serventia sejam.
Quanto ao esmeril, bem, não creio que passe de moda, por muito baratas que possam ser as facas de cozinha, hoje com gumes feitos a lazer e serrilhas para todo o serviço. E quem é que, nos tempos que correm, embota uma tesoira em tecidos mais grossos para fazer uma peça de vestuário ou aplicar um remendo?
Sobrarão, para consertar sombrinhas ou amolar facas e tesoiras, os contemporâneos do dono desta oficina. Que, se não estiver reformado, pouco faltará.
Tal como faz falta aos meus ouvidos e memória, aquele toque inconfundível de uma flauta de pan de plástico, avisando quem está em casa da presença do amolador.
Por essa flauta já eu procurei, indo a todas as lojas de instrumentos musicais e a umas quantas feiras de calendário. Alguns não sabem o que é, outros sorriem perante a memória. Houve mesmo quem, com ar de desdém, me avisasse que aquela era uma loja séria e que só vendiam instrumentos que se pudessem afinar. Suspeito que as suas emoções e o seu gosto pelo ofício também precisem de uma afinação!
O mais próximo que encontrei, em formato e sonoridade, foi uma flauta de pan em cana, que pelo seu tamanho diminuto, se assemelha às originais itinerantes. Mas é uma semelhança vaga.
Apesar de tudo ser já pertença quase que exclusiva de memórias e recordações, com a crise que vamos vivendo se apliquem umas folhas de lixa e umas gotas de óleo e vejamos de novo os amoladores na rua. Com as suas flautas ecoando pela rua fora, chamando à janela quem recorda e quem desconhece.
E se algum passar na minha rua, pela certa que lá irei, que tenho aí uma tesoira e algumas facas que bem podem passar pelas suas mãos.
Texto e imagem: by me
Encostada a um gradeamento de jardim, num bairro popular e habitado maioritariamente por cidadãos seniores, encontra-se esta engenhoca.
O sol que lhe incide é uma raridade, já que este lugar é, regra geral, sombrio por via do arvoredo e dos prédios. Talvez que, por isso mesmo, a ferrugem visível seja justificada. Ou talvez o abandono, que é equivalente no do gradeamento. Aliás, não sei o que será mais vetusto: se as grades se a bicicleta adaptada a oficina de amolador de facas e tesoiras e de reparador de guarda-chuvas.
Estes últimos, hoje em dia, já pouco se reparam, que as lojas de produtos ao preço da chuva evitam o trabalho. Daí que os arames, de calibre adequado para substituir e unir varetas retorcidas e ponteiras quebradas, de pouca serventia sejam.
Quanto ao esmeril, bem, não creio que passe de moda, por muito baratas que possam ser as facas de cozinha, hoje com gumes feitos a lazer e serrilhas para todo o serviço. E quem é que, nos tempos que correm, embota uma tesoira em tecidos mais grossos para fazer uma peça de vestuário ou aplicar um remendo?
Sobrarão, para consertar sombrinhas ou amolar facas e tesoiras, os contemporâneos do dono desta oficina. Que, se não estiver reformado, pouco faltará.
Tal como faz falta aos meus ouvidos e memória, aquele toque inconfundível de uma flauta de pan de plástico, avisando quem está em casa da presença do amolador.
Por essa flauta já eu procurei, indo a todas as lojas de instrumentos musicais e a umas quantas feiras de calendário. Alguns não sabem o que é, outros sorriem perante a memória. Houve mesmo quem, com ar de desdém, me avisasse que aquela era uma loja séria e que só vendiam instrumentos que se pudessem afinar. Suspeito que as suas emoções e o seu gosto pelo ofício também precisem de uma afinação!
O mais próximo que encontrei, em formato e sonoridade, foi uma flauta de pan em cana, que pelo seu tamanho diminuto, se assemelha às originais itinerantes. Mas é uma semelhança vaga.
Apesar de tudo ser já pertença quase que exclusiva de memórias e recordações, com a crise que vamos vivendo se apliquem umas folhas de lixa e umas gotas de óleo e vejamos de novo os amoladores na rua. Com as suas flautas ecoando pela rua fora, chamando à janela quem recorda e quem desconhece.
E se algum passar na minha rua, pela certa que lá irei, que tenho aí uma tesoira e algumas facas que bem podem passar pelas suas mãos.
Texto e imagem: by me
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